Aos 78 anos, Rod Stewart escala Ivete Sangalo e bate um bolão em show em SP

texto por Marcelo Costa
fotos por Stephan Solon

Às 21h27 de um sábado nublado, quase meia hora após o horário marcado, atraso que não passou despercebido pelos 35 mil pagantes que esgotaram os ingressos para a primeira edição do Legends in Concert, os telões iniciam a exibição de um curta de introdução: “Nascido no último ano da Segunda Guerra Mundial, filho de pai escocês e mãe inglesa, Rod Stewart tinha duas paixões: futebol e música. Ele escolheu a música”. O narrador segue contando sobre as bandas que Roderick David Stewart enquanto imagens e solos fazem o fã sorrir, principalmente quando surgem em cena o Jeff Beck Group (ao som do hino “I Ain’t Superstitious”) e o Faces, grupo que uniu Rod, Ron Wood e remanescentes dos Small Faces no começo da década de 1970.

O show ainda não começou, mas todo o público da pista já abandonou as cadeiras disponibilizadas pela produção, e não voltará a elas, o que faz questionar não apenas a opção de um show com cadeiras em um estádio aberto (sim, São Pedro irá dar um banho em todos mais pra frente) para um artista que, apesar de muitas baladas, tem o pé bem enfiado na lama rock and roll, como também tornará deveras cômico imaginar a artista escolhida para a abertura da noite (Legends in Concert é o novo projeto da produtora Move Concerts que pretende reunir estrelas da música mundial em encontros inéditos), Ivete Sangalo, trazendo o fogo de Barra-Ondina enfileirando (31) hits como “Abalou, Poeira”, “Festa”, “Faraó”, “Eva”, “Beleza Rara” e “Arerê” para uma plateia sugestionadamente encadeirada.

Como tem feito nessa tour, Sir Rod Stewart abre a noite acompanhado das cinco mulheres integrantes de sua banda (as backings Joanne Bacon, Becca Kotte, Holly Brewer e as violinistas Chandra e J’Anna Jacoby Harrold) tocando e cantando “Addicted To Love”, de Robert Palmer, que Rod nunca gravou, mas que soa perfeita para ele. Na sequência, “You Wear It Well”, uma megahit de seu quarto álbum, “Never a Dull Moment”, de 1972, atiça, mas é “Ooh La La”, do Faces, com imagens da banda no telão, o primeiro grande momento da noite. Rod, então, avisa que teremos pela frente 23 músicas (na verdade, serão apenas 21) em duas horas de show, e pergunta se estamos prontos. “Infatuation” (1984) abre o bloco (mais pop e) anos 1980 do show com riff forte de guitarra de Emerson Swinford seguida de “Young Turks” (1981) e “Baby Jane” (1983).

Com sotaque escocês numa deliciosa versão estendida com direito a bumbo de fanfarra, banjo e dois violinos de pub irlandês, “Forever Young” (1988) diverte. Os bons momentos começam a se sobrepor com “The First Cut Is the Deepest”, “You’re in My Heart (The Final Acclaim)” e, mama mia, “Maggie May”. Para homenagear Christine McVie, do Fleetwood Mac, falecida em 2022, Rod retorna a “Never a Dull Moment” e saca aquela que será um dos grandes momentos da noite, o bluezaço “I’d Rather Go Blind”, de Billy Foster, Ellington Jordan e Etta James, com direito a um solo poderoso de Jimmy Saxman Roberts. Do álbum “Vagabond Heart” (1991) saem as duas próximas já debaixo de chuva: “Downtown Train”, clássico de Tom Waits, e “Rhythm of My Heart”, dedicada ao povo ucraniano e à Volodymyr Zelensky.

Rod então sai de cena para trocar de figurino e suas backings dão um pequeno show com “I’m Every Woman”, de Chaka Kan. “I Don’t Want to Talk About It”, que Rod pescou do primeiro álbum “solo” da Crazy Horse, bandaça que acompanhou Neil Young por décadas, e lançou no clássico “Atlantic Crossing” (1975), ganha o título de faixa mais cantada e filmada da noite, com direito a isqueiros e celulares acesos em todo o estádio. O show está se encaminhando para o final, mas Rod mostra que ainda tem gás e rasga a voz em “Have I Told You Lately”. Outra troca de figurino em que as backings brilham (com “Lady Marmelade”) e Rod retorna com “Some Guys Have All the Luck” e “It Takes Two”, dedicada a Tina Turner, e momento em que diversas bolas de futebol são chutadas para a plateia.

O tal encontro inédito proposto pelo projeto acontece nas duas últimas músicas do show, em que Ivete Sangalo é chamada ao palco. Ela diz que está realizando um sonho e canta muito bem ao lado de Rod Stewart, que compartilha com um drink e as canções “Da Ya Think I’m Sexy?” e “Sailing”, fechando de maneira romântica um show bastante bom. Inevitável pensar que os melhores momentos da apresentação – os mais roqueiros, bluezy e com sotaque escocês – seriam absolutamente antológicos em um lugar menor, mais íntimo e aconchegante, com cerveja boa e som alto, num sincero sentimento de utopia musical, pois quanto mais os artistas que amamos crescem e se tornam famosos (Rod já vendeu mais de 120 milhões de discos em sua carreira), mais eles se distanciam do público precisando fazer shows em espaços grandiosos nem sempre com som a altura.

Ainda assim, diante de um Allianz Parque lotado num sábado de chuva, um Rod Stewart impressionantemente em forma aos 78 anos fez de tudo para que o público se divertisse cantando, brincando, correndo de lá pra cá, fazendo aviãozinho, estampando uma cara de “menino” sacana diante das belas moças de sua banda e, vez ou outra, arriscando até um rebolado. Sua banda, competente (aos já citados inclua David Palmer na bateria, Curt Schneider no baixo e Kevin Savigar nos teclados), segurou muito bem o pique entre rocks, blues, canções de apelo mais pop e belas baladas. O final, meio abrupto, acabou também com o sonho de quem esperava “People Get Ready” e “Stay With Me” para completar as 23 canções prometidas, mas, assim como Ivete Sangalo, ninguém deixou de ir sorrindo pra casa com o show de bola de Rod Stewart.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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