Entrevista: Santiago Motorizado fala do disco novo do El Mató, a conexão da banda com o Brasil e mais num papo animado

entrevista por Leonardo Vinhas 

Dentre as muitas façanhas que o El Mató a Un Policía Motorizado conquistou na sua carreira, uma das que mais impressiona os brasileiros é ter se firmado como “a” referência em rock argentino, “posição” que foi, por anos, de Fito Páez. E tão ciente está a banda do quão grande é esse feito que seu vocalista e baixista, Santiago Motorizado, faz uma brincadeira sobre isso nessa entrevista.

Mas é óbvio que o Scream & Yell não foi conversar com uma das bandas mais influentes do rock latino-americano para falar apenas de curiosidades anedóticas em sua relação com o Brasil, embora o assunto apareça, com ótimo humor, ao longo do papo com Santiago Motorizado – por chamada de vídeo. A entrevista chegou a ser interrompida porque o celular do músico ficou sem saldo, comprovando que a banda realmente não tem vocação para ser rockstar – o que não quer dizer que sua popularidade não aumente a cada ano, levando o grupo a excursionar por diversos países da Europa e da América Latina, além dos Estados Unidos. Aliás, foi no país de Rivers Cuomo que a banda gravou o celebrado “La Sintesis O’Konor” (2017), no estúdio Sonic Ranch, e é lá que o novo álbum está sendo gestado (o primeiro totalmente de inéditas em cinco anos).

Com um bom humor de dar gosto e cheio de entusiasmo para falar de música, Santiago ficou quase uma hora falando do disco novo, contando casos, relembrando histórias no Brasil e ponderando sobre uma sociedade baseada em “likes” e estatísticas. Como suas letras, sua conversa chega fácil no ouvinte e aparenta simplicidade, mas quando você para pra pensar, vê que tem muito mais substância e subjetividade em tudo. Então, coloque sua playlist pessoal do El Mató a Un Policía Motorizado para tocar, e leia a entrevista.

Pelo que apurei com pessoas próximas à banda, vocês já estão na metade da gravação do novo disco, que será o primeiro de inéditas desde “La Sintesis O’Konor”. Houve canções pontuais, claro, mas cada álbum e cada EP do El Mató tem sua identidade muito bem estabelecida, nunca são apenas compilados de canções. Então, como é voltar a esse universo de criação de um álbum completo, depois de pandemia, longa ausência dos palcos, turnê intensa, disco solo e tudo o mais?
A real é que está tudo indo muito bem. Fomos duas vezes ao estúdio para gravar, uma semana em abril e duas semanas agora em setembro. Com “La Sintesis O’Konor”, fomos para a gravação com uma pré-produção muito grande, com as demos já bem formatadas, quase prontas mesmo. Só faltavam alguns detalhes. Claro que, ao longo dos dias da gravação, apareceram outras cores e outras ideias, porque havia [no estúdio] instrumentos que não levávamos em conta na pré-produção e que acabamos trazendo para o resultado final. Mas já tínhamos uma pré-produção bem definida. Agora é tudo ao contrário: eu estava com algumas canções nas quais eu nunca tinha trabalhado e nem tinha mostrado aos meninos da banda. Fizemos tudo isso no primeiro dia! Claro, uma ou outra tinham sido trabalhadas nos ensaios, e os ensaios aconteceram durante a turnê, era uma coisa de alugar uma sala em um estúdio, como fizemos no Paraguai, ou mesmo usar algum espaço nos hotéis para experimentar um pouco, mas a maioria eram novas. De certo modo, isso me gerava algum medo, uma incerteza sobre como as coisas iriam acontecer no estúdio, mas também me entusiasmava com a experiência nova de ir sem um plano. Porque esse é um recurso válido, né? As coisas acontecem no momento, entre a vertigem de ter pouco tempo e isso de estarmos todos juntos no estúdio. Poderia ter saído mal, mas saiu bem (ri). Esses últimos quinze dias em especial foram muito mais intensos. Fizemos algumas coisas na semana de abril, claro, mas nessa última estávamos todos muito mais inspirados e apareceram ideias incríveis. Foi surgindo um álbum que tem muito da personalidade desse momento, e são coisas que nos entusiasmaram muito. (Empolgado) Gostei de descobrir o que soa bem para nós nesse momento! Gostei de descobrir para onde vão nossas ideias, o que nos define, a possível estética que define esse momento. Está tudo bem heterogêneo, não existe uma sonoridade pontual. Gosto que as canções vão pulando de um clima diferente para outro. Acho que terminamos de gravar tudo, faltam só minhas vozes, e devo gravá-las em janeiro, junto com o Eduardo Bergallo, que foi o responsável pela gravação e pela mixagem. Mas já queremos adiantar alguma coisa, começar a mostrar pras pessoas o que andamos fazendo.

Todos os discos e EPs do El Mató têm uma sonoridade que, aparentemente, pode ser reproduzida ao vivo. Já o seu álbum solo tem arranjos muito mais variados. Pensando nisso, e nessa experiência mais livre, mais solta, na gravação do disco que está por vir, não pintou uma vontade de explorar ainda mais as possibilidades do estúdio e dos arranjos para fazer algo diferente? Ou essa sonoridade de banda é realmente uma insígnia forte para vocês?
Bom, acho que sempre foi assim como você disse, mas só até “La Sintesis O’Konor”, porque ali teve uma mudança, ele já foi feito sem que a gente pensasse que ele podia ser executado ao vivo. Não estávamos preocupados com isso. Evidentemente, nos demos conta disso depois, e somamos um percussionista para a turnê, porque o álbum tem um lugar de protagonismo para a percussão. Houve uma mudança no paradigma de som, com planos diferentes nos quais fomos colocando os instrumentos, tem muito mais presença de sintetizadores, a guitarra acompanha mais em arpeggios (nota: execuções sucessivas das notas de um acorde), em climas. Os discos anteriores eram muito mais garageiros, mais bagunçados, mais simples. Eram muito mais simples de executar ao vivo. “La Sintesis O’Konor” teve mais complexidade, e acredito que o próximo está assim também. Pensamos o disco como se fosse um filme em que vale tudo, e depois ao vivo a gente vê como vamos trabalhá-las, se vamos ter que mudar a forma delas ou não. E existe um desafio novo: tem muitas coisas de bases eletrônicas, pré-programações, até baixos programados. Tem algumas coisas que têm essa linguagem de synth pop, mas eu não penso muito nisso. Me gera alguma preocupação para o futuro (risos), mas eu gosto do desafio. Nesses processos que fomos atravessando, aprendemos muitas coisas, fomos nos adaptando às mudanças, e isso é sempre para o melhor, né? Vai contra nossas limitações. Não gostaria que fizéssemos sempre a mesma coisa, isso me parece muito chato.

Uma coisa que sempre me chamou atenção é que, por maior que fosse a popularidade que vocês fossem conquistando, vocês sempre expuseram a música, e não a vocês mesmos. Nunca tiveram uma atitude de pop stars ou “estrelas do underground”. Por outro lado, existe uma expectativa e uma admiração grande do público quanto ao que vocês fazem. E não só deles, mas também de outros músicos. Entrevistei artistas grandes, como Señor Flavio e Fito Páez, que disseram que El Mató era a banda recente preferida deles, e nomes mais underground quase sempre citam vocês como exemplo. Há toda uma cena na Argentina e no Uruguai que é referida pela imprensa como “pós-El Mató”, ou seja, toda uma cena que nasceu inspirada por vocês. Ter tanto holofote apontado para vocês tem algum impacto, seja no pessoal ou no criativo?
Olha, eu tenho uma sensação… (hesita) Me encanta que existam esses comentários, que existam bandas novas que se inspiraram em nós, ou que existam artistas consagrados que sentem algo com nossas canções. Para mim, isso é incrível. Por um lado, eu penso: “que esquisito”. Mas por outro, isso me alegra e me motiva. Mas essas coisas não mudam nada em nosso dia a dia. O que sinto sempre é que… Me faziam perguntas parecidas quando fomos indicados ao Grammy, e isso sempre foi algo em que nunca vi muito sentido. Não quero ser um estraga-prazeres: sei que é uma festa, que é um reconhecimento aos músicos, mas tratar a arte como competição me parece uma bobagem.

Aqui no Brasil o El Mató tem uma posição incomum de ser uma banda cult, mas de ser grande dentro desse culto. Na sua percepção, por que essa conexão tão rara por aqui aconteceu de forma tão sólida como foi com vocês?
Antes de mais nada, eu fico feliz demais que exista essa conexão. Entendo que não é comum, e isso obviamente faz dela algo ainda mais lindo. A explicação de tudo é sempre algo que acontece por causa das canções. É difícil explicar de maneira literal. Mas talvez tenha também algo a ver com uma viagem que fizemos ao Brasil em 2006. São 16 anos! Fomos a São Paulo, e para nós já era uma loucura que estivéssemos saindo da Argentina. E isso por si só já era estranho, porque uma banda argentina normalmente começa uma carreira internacional no Uruguai, Chile, Peru… Mas nossa primeira viagem pra fora foi para o Brasil. Me lembro que chegamos, tocamos num local chamado Inferno (finada casa de show na capital paulista), e na passagem de som, alguém da casa nos disse que iam tocar outras três bandas brasileiras e nós iríamos fechar a noite. Nós dissemos: “não!” (risos) Isso nos parecia um erro! Dissemos que começaríamos a noite, tocaríamos primeiro e estava tudo bem. “Não, não, vocês vão fechar a noite”. Tudo parecia uma loucura: não tínhamos discos lançados no Brasil (nota: e não havia plataformas de streaming na época, mesmo o Youtube era mais precário), não tínhamos esse pouco mais de renome que talvez tenhamos agora. Mas bem, eles nos trouxeram, estavam pagando tudo, e acatamos (risos). E foi uma grande surpresa subir ao palco crentes de que iríamos ver a pista vazia, e então encontrar o lugar lotado, todas as pessoas vibrando, celebrando, pedindo canções, cantando… Era época de MySpace, mas havia muito menos plataformas do que temos agora. Então as pessoas que você encontrava era gente que tinha outro tipo de conexão, talvez mais intensa. Nessa época, a explicação que eu dava era que as letras eram muito breves. Na Argentina, eu comentei com meus amigos que tinha sido uma loucura tocar no Brasil, que as pessoas conheciam as canções, cantavam “Chica Rutera” inteira. E aí um amigo me disse: “claro, porque ‘Chica Rutera’ é muito breve” (risos – nota: a letra se resume a dois versos). E sim, é verdade, é uma letra fácil de traduzir. Apesar da proximidade, o idioma sempre foi uma distância para as bandas que cantam em espanhol no Brasil. Ainda assim, cada vez que íamos se dava uma ligação ainda mais forte com o público. Era tudo muito afetivo, carinhoso para com a banda. Alguns amigos meus que iam de férias pro Brasil voltavam me contando que, quando falavam de música com brasileiros e perguntava o que eles conheciam da Argentina, respondiam que só Fito Páez e El Mató a Un Policía Motorizado (risos). Essas coisas me dão um orgulho e uma felicidade! Porque, né, estamos falando do Brasil, um dos melhores países do mundo, e gerar essa conexão com o público daí me parece maravilhoso.

Olha, eu produzi um disco chamado “Somos Todos Latinos”, em que dois artistas gravaram versões do El Mató
(empolgado) Sim, sim! Me lembro!

… e outros participantes pediram para gravar canções de vocês! Em dado momento eu tive que barrar, porque não era um tributo ao El Mató!
(risos)

Se bem que essa seria uma ótima ideia! (mais risos) Mas enfim, você escutou essa e outras versões? Porque existem algumas, e queria saber se essas versões soam bem para vocês, ou se as entendem como um carinho, uma homenagem…
Ah, a mim me dá um baita orgulho! Uma coisa é que façam um cover de uma canção tua, outra é que façam uma versão em que mudam a letra ou a traduzem. Algumas respeitam bastante as versões originais, mas me parece que todos os artistas que pegaram canções nossa somaram um “plus” a elas. Isso me fascina! A versão do Superguidis (para “Navidad En Los Santos”) é, para mim, muito melhor que a original. Mas todas têm essa ligação muito calorosa com as palavras, com o musical, e têm sua pegada própria. Várias vezes postamos nas redes sociais vários links com essas versões feitas por artistas brasileiros. Todas as versões que fazem da gente nos dão orgulho, mas essas brasileiras me enchem de felicidade.

Uma lembrança que tenho bem forte do El Mató no Brasil foi o show da banda na Célula Showcase, em Florianópolis, em 2014 (como parte do festival Floripa Noise). Você havia quebrado a perna, e acabou subindo ao palco engessado, assumindo exclusivamente o papel de cantor. Foi o show mais intenso do El Mató que eu já vi – e já os vi ao vivo algumas vezes, inclusive na Argentina. As canções tiveram uma execução, mais forte, com um sentimento diferente nas canções, tudo muito poderoso. O que você se lembra dessa época?
(sorrindo) Gostei muito dessa época. Eu estava com a perna quebrada por causa de uma partida de futebol. Gostei muito de estar com a cabeça concentrada apenas na voz. É muito diferente de levar o baixo junto, porque o baixo é um instrumento rítmico, e não dá para deixar a voz 100% livre, é preciso estar com metade do cérebro levando o ritmo e a outra metade deixando que a voz flua com a melodia da canção. Tenho grandes memórias disso, também porque gosto muito de como o Agustín, nosso tecladista, toca baixo. Ele é um grande baixista, inclusive gravou alguns dos baixos em nossos discos. É uma combinação que aconteceu por acidente, mas é algo que eu sempre tenho em mente e que eu gostaria de rever um pouco. Foi por obrigação que tive que ser frontman, mas se tenho que me fazer de frontman agora, não sei se estou pronto. Não é fácil, né? Mas eu gostaria. Talvez não o show todo, mas uma parte dele. Quando toco sozinho, tenho mais espaço para isso: algumas canções são só piano e voz nos shows solo, então me animo a ficar só com o microfone e cantar. Mas talvez com o próximo disco do El Mató eu também tenha espaço. Quando começarmos a montar os shows desse próximo disco, vai ser um desafio e talvez isso seja algo para levar em consideração.

Falando nesse seu disco solo: ele tem muitos convidados, mas um em especial me chama muito a atenção, que é o Jorge Serrano (vocalista e principal compositor da veterana banda Los Autenticos Decadentes). Ele é um dos maiores referentes da canção popular argentina, transita por um universo musical muito amplo e muito pop, que pode ir da murga ao bolero. Não que seu disco tenha algo a ver com os Decadentes diretamente, mas me parece que você procurou, nesse seu álbum solo, a mesma coisa que o Jorge: buscar a canção popular de um jeito muito pop, com uma comunicação muito clara. Alguma história com ele que você queira compartilhar?
Foi incrível. Ele é um ídolo, e estou de acordo com tudo que você disse. Às vezes sinto que falta reconhecimento para ele, porque o Jorge é realmente um gigante da canção, que fez grandes obras e percorreu muitos estilos, como você disse, E fez isso sempre com uma vibração muito sensível, com muita profundidade, com graça, com muito carinho. É um gigante, sem dúvida, e que tenha aceitado o convite para cantar comigo foi algo espetacular. Não pude estar fisicamente ao lado dele durante a gravação, porque eram dias de pandemia, e além disso, ele mora longe, na praia. Ele gravou as pistas na casa dele mesmo, mas muito comprometido com a canção, me mandou várias tomadas de voz. A única coisa que me lembro desse intercâmbio é de ele ter dito que ficou espantado de ver o quanto nosso registro de voz é parecido, que temos um tom grave, um pouco arenoso, e que ele realmente achava parecido. Eu só dizia: “tomara!” (risos) Mas volta e meia a gente se cruza em algum aeroporto ou algum festival, e espero que um dia a gente possa ter um espaço maior para conversar, porque ele deve ter umas histórias divertidíssimas para contar.

Vocês do El Mató são todos fãs de música, daqueles que vão a fundo em diferentes artistas, fuçando em obscuridades, ouvindo o máximo de discos, essas coisas. Se alguém for olhar na sua coleção de discos, qual seria a coisa mais inesperada que encontraria?
Uf… Não sei, eu gosto de tudo! Talvez seja justamente Los Autenticos Decadentes. Sou muito fã. Talvez um seguidor do El Mató não veja essa ligação, mas sou fãzaço, já fui vê-los ao vivo muitas vezes. Los Fabulosos Cadillacs é a mesma coisa: sou um grande fã, e me lembro que, nos primeiros anos, quando nos definimos e começamos a ter mais exposição, eu evitava falar sobre isso. Porque quando se é jovem, nos definimos dizendo coisas do tipo “queremos soar como Pixies”. Ou como Velvet Underground, Sonic Youth. E se você diz “eu gosto dos Fabulosos Cadillacs”, acaba desorientando o público, que não sabe o que esperar da banda. Hoje não tenho mais isso, um pouco porque o espectro do nosso som foi se ampliando. Em “La Sintesis O’Konor” tem bem mais percussão, e talvez seja coisa só da minha cabeça, mas acho que dá para dizer que uma parte dela remete aos Fabulosos Cadillacs, mesmo que seja um trecho breve. Tem artistas que me fascinam e de quem sou fanático, como Dean Martin, com essas baladas jazz antigas, e que são coisas que tenho muito presentes e sempre escuto, mas não sei se repercutem em algum ponto na música do El Mató.

Os espaços onde vocês tocam estão cada vez maiores, estão muito presentes em grandes festivais, tocam em salas maiores. E os setlists do El Mató têm momentos com canções mais intimistas, ou com detalhes que me parecem bem difíceis de transpor para esses palcos. Vi um show de vocês no Cosquín Rock de 2018 e foi um show um pouco estranho nesse sentido, muita coisa se perdia ou se dispersava naquele espaço imenso. Mas era o começo da turnê de “La Sintesis O’Konor”, e entendo que muita coisa pode ter mudado. Como vocês estão lidando com essa questão dos grandes espaços?
Isso é algo sobre o qual falamos com frequência na banda, mas sobre o qual é um pouco estranho de pensar a respeito. Porque é aquilo de “vocês estão prontos para isso?” Até que ponto alguém tem que ceder a esse tipo de pressão? Por outro lado, isso me interessa, porque vejo bandas que aumentam a aposta em termos de palco, que vão apresentando shows para grandes estádios, e são shows que me divertem. Cada momento de um show – seja no som, na letra, nos movimentos ou na cenografia – é também um momento para emplacar suas ideias, inclusive a de que o El Mató não nasceu muito para esse tipo de show. Nós temos nossas ideias sobre como deve ser esse tipo de show dentro da nossa personalidade, e isso também me diverte! Mas somos muito cabeças-duras, no sentido de que temos muitas ideias e no fim, não executamos nem a metade. Por isso temos tão poucos clipes: porque não temos tempo de executar esse tanto de ideias que temos. Mas sim, penso bastante nisso. Agora, também entendo que um pouco da essência do El Mató é ser uma banda tocando. Tenho um DVD do Ramones que é muito bom: é cronológico, começa com eles tocando muito mal no CBGB; passa a um show histórico em Londres, com eles já mais ajustados, só que é um show de rock’n’roll com o público enlouquecido; e depois dos anos, você os vê em um festival, totalmente desencaixados. Tem alguma coisa de belo nessa coisa esquisita, que me faz pensar: até que ponto os Ramones tinham que se adaptar a esse contexto de grandes palcos? Não seriam as pessoas que teriam que se conectar? E acho que é um pouco de cada coisa, porque nada é preto ou branco.

A última pergunta: rolou uma brincadeira entre os músicos de rock no começo dos anos 2000 aqui no Brasil, dizendo que rock tinha virado “opção de carreira”. Do tipo “ou eu faço arquitetura, ou monto uma banda”, uma coisa bem classe média mesmo (risos), bem insossa. Eu nunca percebi isso no El Mató, no sentido que sempre me pareceu uma banda que encampou essa questão de viver da música, de ser banda mesmo, pra valer. Em que momento bateu essa coisa em vocês, de que iriam seguir fizessem sucesso ou não? Porque com certeza não foi fácil.
Não, não foi mesmo. Quando o El Mató começou, era 2001, momento de crise total na Argentina, talvez a pior da história, o país rachou. A pior coisa naquele momento era dizer aos nossos pais que íamos tocar música. Eles não podiam acreditar nisso, mas era algo que não podíamos deixar de fazer. Não era um passatempo. Era algo que nos nutria, nutria nossa alma. Não sei nem como dizer. Era uma necessidade, de ter uma banda, fazer música, e estar fazendo o que fazíamos, sem pensar no que iria acontecer depois. Não tínhamos ambição nem objetivo, tudo foi aparecendo e obviamente tudo foi bem-vindo. Nos deu mais liberdade, nos deu mais tempo para o que gostamos de fazer, nos fez recorrer o mundo, e mais um montão de coisas mais. Mas sempre estava essa pulsão muito grande, muito pura, de fazer música, fazer arte, desenhar, pensar ideias, conceitos. Tudo isso entra na sua cabeça e não vai mais embora. Isso é o importante: ter essa ligação muito profunda com a arte, com as canções, com a música, porque isso vira um motor que não te deixa parar. Porque o mundo da arte é muito volátil: num dia tudo está bem, no outro já não está; às vezes você está tocando para 10 pessoas, outro dia para 1000, depois para 100. Eu falo pra garotada que está começando que, se você está tocando para 10 pessoas, são 10 pessoas que se conectaram com as suas canções. Isso é um dos maiores milagres do mundo! Se você estabelece uma conexão com alguém, não importa a quantidade de pessoas. O que acontece é que vivemos em um mundo cada vez mais superficial, em que tudo se mede com estatísticas: quantas meninas deram like nos apps de encontro, ou quantos likes você conseguiu no Twitter, quantos views tem o seu Stories… Tudo isso está quantificado, te carcome o cérebro, e se você mistura sua arte com esse mundo de estatísticas é muito pior, é um combo letal. É tentador, e não quero dizer que estou além disso, eu uso essas coisas. Mas tenho a sorte de ter vivido em um mundo onde não existia isso, e sinto que foi uma vantagem para me conectar com coisas mais importantes. Não digo que as pessoas hoje não se conectam, mas existem muitas interferências mais entre o autor e sua obra com todas essas coisas que são muito úteis para promover sua arte, mas têm também sua cota de engano e de traição. Sinto que existe essa coisa de querer o imediato, e isso está em todos os lados: na política, na sociedade, nas exigências que temos com nossos dirigentes… Mas os processos são muito longos, principalmente na arte. O processo para gerar uma obra, depois o processo para se conectar com ela, se conectar com outra pessoa, para compartilhar um momento especial com um amigo e formar uma banda, tudo isso tem seu tempo, e são todos processos muito bonitos. Vivemos cada vez mais na “não-experiência” que é a virtualidade, e esse mundo todo que é sair da sua casa e viver uma aventura porque você fez uma canção é algo que você tem que fazer o exercício de se concentrar, e viver isso a cada dia e emocionar-se com isso, para não se se tornar frio diante de tudo.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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