por Leonardo Vinhas
O que, afinal, acontece com o Uruguai? O país parece capturar, por diferentes razões, os anseios de uma parcela da população que acha que a grama do vizinho não é exatamente “mais verde”, e sim “mais azul”. As praias, o modo de vida, algumas políticas públicas – todos esses itens saltam aos olhos de brasileiros que acham que o país austral está muito à frente de seu próprio país.
Claro que, aos olhos do turista ou mesmo do visitante ocasional, a realidade sempre ganha tons mais vibrantes e sabores mais edulcorados. É algo praticamente inevitável, e compreensível, mas não cabe pintar o Uruguai como um Eldorado moderno – seria um desrespeito ao próprio país. Ainda assim, é difícil não se render a algumas hipérboles, como a de afirmar que não existe produção musical como a uruguaia.
Não existe produção musical como a uruguaia – principalmente dentro do que entendemos como “rock” (a não ser que você seja aquele tipo de pessoa que acha que rock só é definido por uma caricatura de guitarra distorcida e bandas “clássicas”, claro). A cena local é pequena – como toda a indústria musical do país, e como o próprio país, que tem uma população total de quase 3 milhões e 500 mil pessoas – mas a pluralidade e a profundidade do que é produzido por lá é de fazer o turismo musical independente colocar o país como rota obrigatória no mapa latino.
E é aí que entra em cena Mauro Correa. Ele é o fundador da Little Butterfly Records, um selo que se dedica tanto a lançar artistas novos como também a reapresentar grandes álbuns da música uruguaia. Mauro acredita no formato físico (tanto que a sede do selo é a loja Discomoda, da qual é coproprietário), entregando tanto CDs como vinis, mas, acima de tudo, acredita na música. Na força que uma canção, ou uma coleção delas, pode trazer.
É uma crença compartilhada pelo Scream & Yell (que também gosta bastante de formatos físicos, vale dizer). E é por isso que a aproximação entre os dois selos veio naturalmente. Para ser mais preciso, quando me dei conta que a maior parte dos novos artistas uruguaios que me surpreendiam vinham do selo, criei coragem e propus a ideia de uma compilação ao Mauro. E ele, e toda a equipe e cast do selo, acolheram a ideia com entusiasmo.
A ideia inicial era trazer apenas faixas autorais e de 2018 para a frente, mas acabamos abrindo duas exceções (veja no Faixa a Faixa). Para esse compilado, foram escolhidas apenas faixas dos lançamentos originais do selo. Os álbuns que são relançamentos – de artistas como Gustavo El Principe Pena, Totem, Alucinaciones en Familia e tantos outros apreciados pela casa – ficam para uma possível próxima ocasião. Mas se um dia você passar pelo número 1614 da avenida Tristán Narvaja, em Montevidéu, não pense duas vezes e vá garimpar o catálogo do selo.
O título “Bajo Un Cielo Uruguayo” faz referência a uma dessas mitologias pessoais que o Uruguai permite construir. Desde a primeira vez que visitei o país, há mais de 10 anos, fiquei fascinado pelo céu visto da rambla. Com as visitas seguintes, o fascínio passou a comportar muitos outros céus do país. E outras experiências de cura, paixões, trabalho e alegria foram vividas ali, todas colaborando para criar um ambiente afetivo celestial. Por isso, a coletânea teve esse batismo (“sob um céu uruguaio”), já que, em meio a tantos céus, não caberia um artigo definido.
Que esse disco abra portas celestiais – ou, ao menos, celestes – para seus ouvidos.
¡Gracías, Uruguay! Gracías, Little Butterfly Records!
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BAJO UN CIELO URUGUAYO
Capa: Fabricio Berti
Curadoria: Leonardo Vinhas
Produção executiva: Leonardo Vinhas e Mauro Correa
Apoio técnico: Andrés Coutinho
Distribuição digital: Tratore
Lançamento: Scream & Yell / Little Butterfly Records
Agradecimentos: Mauro Correa e Andrés Coutinho, gênios inspiradores; Fabricio Berti, um artista completo (e generoso); Romina Peluffo, Pedro Dalton, Fede Morosini e todos os artistas que participaram desse disco; Daniel Ferraz e André Pagnossim, Helena Brigido, Ana Soares, Rodrigo Stradiotto, Mauricio Bussab, Marcus Losanoff e Mauricio Gouveia.
Bajo Un Cielo Uruguayo
Faixa a faixa por Leonardo Vinhas
01) “Vemos Ahí”, Los Nuevos Creyentes
Do álbum “Planta Musical” (2021)
“Planta Musical”, o segundo álbum desse sexteto, é uma joia de psicodelia pop. Bebendo mais na lisergia sessentista que em revisões posteriores, entregam canções de apelo imediato, apesar (ou por causa) de sua leve estranheza. “Vemos Ahí” seria um hit dançante se ainda houvesse bares de rock para dançar.
02) “Tormentas”, Hermanos Laser
Do álbum “El Problema de la Forma” (2018)
O quarteto montevideano, que completou 10 anos em 2021, é o único dessa compilação a ter discos lançados no Brasil (pelo selo Imã Records) – inclusive, já tocaram em Porto Alegre. “Tormentas” é a canção que melhor sintetiza sua proposta de misturar indie rock, alt.country e pop de guitarras.
03) “Nada”, Romina Peluffo
Do álbum “Piel Fina” (2020)
Romina Peluffo chamou atenção com seu álbum de estreia, “Obsesa” (2018), e superou-se com seu sucessor, o excelente “Piel Fina” (2020). “Nada” é uma pérola niilista, que em pouco mais de três minutos consegue negar pensamento positivo, meritocracia e outros chavões, tudo isso em uma embalagem power pop eletroacústica viciante.
04) “Decís que No”, Niña Lobo
Do EP “Migrar” (2019)
Niña Lobo faz parte da segunda geração de bandas influenciadas por El Mató a Um Polícia Motorizado – uma banda que marcou um “antes” e depois” no indie latino-americano. Suas canções combinam a lassidão punk com um espírito mais intimista, onde nem sempre a velocidade é para dançar.
05) “Lazos”, Cacciatore
Do single “Lazos” (2020)
Cacciatore é a identidade musical do artista Fabricio Berti, e é sob essa alcunha que ele tenta filtrar suas influências de tecnopop, synth pop, eletrônica e rock para o universo moderno. E como se vê por esse single, ele cumpre esse propósito com gosto.
06) “Tinguiñazo al Alma”, Federico Deutsch (feat. Pedro Dalton)
Do álbum “Terrorista Emocional” (2018)
Federico Deutsch é um pioneiro da eletrônica na cena rock uruguaia. Integrou a banda Colectivo Innova, montou o projeto Maverick e também fez registros solo. O álbum “Terrorista Emocional” foi assinado com seu nome, mas traz participação de vários conterrâneos notáveis, entre eles Pedro Dalton (Buenos Muchachos, 2Daltons), que canta nessa faixa.
07) “Funeraria”, Julen y La Gente Sola
Do álbum “Para Siempre” (2020)
Capitaneado pelo incansável Federico Morosini, Julen y La Gente Sola é uma daquelas bandas para pessoas que se sentem solitárias e esquisitas, e não querem deixar de sê-lo – só querem encontrar outras pessoas parecidas. Liricamente, é quase um herdeiro espiritual do Belle and Sebastian, mas a exploração musical é bem mais ampla, com mais ruído, velocidade e estranheza.
08) “Viaje Perverso”, Wild Guri
Do álbum “Wild Guri” (2020)
Wild Guri é um tributo a Joe Visconti, um artista italiano que… nunca existiu. Na verdade, é uma banda que une Sebastián Teysera (La Vela Puerca), o supracitado Fede Morosini, Ernesto Tabárez (de Eté & Los Problems), Pedro Dalton e outros grandes da cena uruguaia. A banda nasceu de encontros despretensiosos, e o álbum que leva seu nome traz esse frescor em nove rocks diretos e aditivos.
09) “Velocidad”, Camila Sapin e Pedro Dalton
Do álbum “Isla de Encanta” (2020)
Isla de Encanta é um programa de rádio da Emisora del Sur conduzido por Pedro Dalton e pelo jornalista veterano Nelson Barceló (que já conversaram com o Scream & Yell). Dalton costuma executar canções de improviso com seus convidados, e o resultado é tão marcante para a cena local que virou disco. “Velocidad” é uma canção de Camila Sapin, cantora pop que, apesar de jovem, tem uma longa carreira (começou a cantar aos nove anos), e já gravou com artistas de rock, candombe e reggae, além de manter uma carreira solo.
10) “Objetos Perdidos”, Eté & Los Problems
Do álbum “El Éxodo” (2014)
Eté & Los Problems talvez seja a banda de rock que mais cresceu em popularidade na última década no Uruguai. Seus três álbuns de estúdio geraram vários hits, e o segundo, “El Éxodo”, foi considerado Disco da Década pelo El País do Uruguai. No disco, podem ir da delicadeza de “Objetos Perdidos” à crueza juvenil de “El Incendio” sem se descaracterizar.
11) “Hoy Me Acordé de Vos”, Maxi Angelieri & Casi Exilio Psíquico
Do álbum “Sertralina Mon Amour” (2020)
O italiano Maxi Angelieri ganhou fama cult em Montevidéu com a banda Exilio Psíquico na década de 1990. Voltou a seu país natal em 2003, e depois de 15 anos, regressou à cidade das ramblas, e chamou Riki Musso (ex-El Cuarteto de Nos), Andrés Coutinho (Eté & Los Problems), Orlando Fernandez e Javier Depauli (ambos dos Buitres) para registrar novas canções, agora sob o nome Casi Exilio Psíquico. Suas composições exploram os formatos clássicos do rock, combinando reverência e uma certa excentricidade.
12) “Despedida”, Hablan por la Espalda
Do single “Versiones” (2018)
Estão na ativa desde os anos 1990. Foram pioneiros do hardcore no país, e ao longo dos anos, trouxeram influências de garage, candombe beat (uma espécie de rock afrouruguaio dos anos 1970), psicodelia e rock’n’roll para seu som. Eles têm ótimas canções, mas pensa: se uma banda uruguaia grava uma versão distorcidamente fiel do Figueroas, você não iria querer mostrá-la ao público brasileiro? Vale citar que a banda já tocou no país, e o guitarrista Valentín Guerreros chegou a passar boa parte dos seus anos de formação no Brasil.
13) “Un Millón de Amigos”, Romina Peluffo (BONUS TRACK EXCLUSIVO PARA DOWNLOAD)
Do single “Un Millón de Amigos” (2021)
A pedido do radialista Federico Medina, que queria uma música-tema para seu programa “Um Millón de Amigos”, Romina gravou esta versão para o clássico de Robertão. Assumidamente inspirada por Kurt Cobain e PJ Harvey (e talvez por Pixies também), a releitura deu tão certo que virou single.
CATÁLOGO COMPLETO DO SELO SCREAM & YELL
SY00 – “Canção para OAEOZ“, OAEOZ (2007) com De Inverno Records
SY01 – “O Tempo Vai Me Perdoar”, Terminal Guadalupe (2009)
SY02 – “AoVivo@Asteroid”, Walverdes (2011)
SY03 – “Ao vivo”, André Takeda (2011)
SY04 – “Projeto Visto: Brasil + Portugal” (2013)
SY05 – “EP Record Store Day”, Giancarlo Rufatto (2013)
SY06 – “Ensaio Sobre a Lealdade”, Rosablanca (2013)
SY07 – “Ainda Somos os Mesmos”, um tributo à Belchior (2014)
SY08 – “De Lá Não Ando Só”, Transmissor (2014)
SY09 – “Espelho Retrovisor”, um tributo aos Engenheiros do Hawaii (2014)
SY10 – “Projeto Visto 2: Brasil + Portugal” (2014)
SY11 – “Somos Todos Latinos” (2015)
SY12 – “Mil Tom”, um tributo a Milton Nascimento (2015)
SY13 – “Caleidoscópio”, um tributo aos Paralamas do Sucesso (2015)
SY14 – “Temperança” (2016)
SY15 – “Ainda Há Coração”, um tributo à Alceu Valença
SY16 – “Brasil También Es Latino” (2016)
SY17 – “Faixa Seis” (2017)
SY18 – “Sem Palavras I” (2017)
SY19 – “Dois Lados”, um tributo ao Skank (2017)
SY20 – “As Lembranças São Escolhas”, canções de Dary Jr. (2017)
SY21 – “O Velho Arsenal dos Lacraus”, Os Lacraus (2018)
SY22 – “Um Grito que se Espalha”, um tributo à Walter Franco (2018)
SY23 – “A Comida”, Os Cleggs (2018)
SY24 – “Conexão Latina” (2018)
SY25 – “Omnia”, Borealis (2019)
SY26 – “Sem Palavras II” (2019)
SY27 – “¡Estamos! – Canções da Quarentena” (2020)
SY28 – “Emerge el Zombie – En Vivo”, El Zombie (2020)
SY29 – “Canções de Inverno – Um songbook de Ivan Santos & Martinuci” (2020)
SY30 – “SIEMENSDREAM”, Borealis (2020)
SY31 – “Autoramas & The Tormentos EP”, Autoramas & The Tormentos (2020)
SY32 – “O Ponto Firme”, M.Takara (2021)
SY33 – “Sob a Influencia”, tributo a Tom Bloch (2021)
SY34 – “Pra Toda Superquadra Ouvir”, Beto Só (2021)
SY35 – “Bajo Un Cielo Uruguayo” (2021) com Little Butterfly Records
SY36 – “REWIND” (2021), Borealis
SY37 – “Pomar” (2021), Vivian Benford
SY38 – “Vizinhos” (2021), Catalina Ávila
SY39 – “Conexão Latina II” (2021), Vários artistas
SY40 – “Unan Todo” (2022), Vários artistas
SY41 – “Morphé” (2023), Rodrigo Stradiotto
SY42 – “Paranoar” (2023), YPU (com Monstro Discos)
SY43 – “NO GOD UP HERE” (2023), Borealis
SY44 – “Extras de “Vou Tirar Você Desse Lugar”, Cidadão Instigado & Plástico Lunar (2024) – Com Allegro Discos
SY45 – “Smoko” (2024), Smoko
SY46 – “Trilhas Sonoras para Corações Solitários” (2024), Hotel Avenida
Discos liberados para download gratuito no Scream & Yell:
01 – “Natália Matos”, Natália Matos (2014)
02 – “Gito”, Antônio Novaes (2015)
03 – “Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas”, de Leonardo Marques (2015)
04 – “Inverno”, de Marcelo Perdido (2015)
05 – “Primavera Punk”, de Gustavo Kaly e os Hóspedes do Chelsea feat. Frank Jorge (2016)
06 – “Consertos em Geral”, de Manoel Magalhães (2018)
07 – “Toda Forma de Adeus”, Jotadablio (2023)