Boteco: 10 cervejas nacionais acima dos 10% de álcool

por Marcelo Costa

Começando uma série de cervejas extremas por Fortaleza com duas variáveis da sensacional Abyssal, Russian Imperial Stout portentosa da cervejaria 5Elementos. A primeira é a Abyssal Coffee Edition, cuja receita (malte de cevada, malte de centeio, aveia, cacau, lúpulo e levedura) recebe adição de cold brew com café produzido pelo Café Novo de Mulungu, da Serra de Mulungu (CE). De coloração marrom escura praticamente preta com creme bege de baixa formação, praticamente uma linha de espuma, e boa retenção, a 5 Elementos Abyssal Coffee Edition apresenta um aroma com percepção de malte torrado em destaque além de cacau, chocolate amargo e menos café do que o freguês espera (a sensação é de que a versão original até traz mais café do que a Coffee Edition). Os 12% só dão o ar da graça, sutilmente, quando a cerveja aquece na taça. Na boca, a presença de torra (e, quem sabe, café) no primeiro toque é mais intensa do que na versão original, em que o chocolate predomina. Na sequencia, cacau e, dai em diante, intensidade de torra e muito amargor (a casa adianta 100 IBUs, e não duvide). A textura é sedosa, quase licorosa, e dai pra frente segue-se uma RIS… abissal, aparentemente mais pegada que a versão original, ainda que o cold brew não traga tanta café na forma que se espera. No final, amargor e torra. No retrogosto, mais torra, chocolate amargo e álcool surpreendentemente distante. Uou!

A segunda variável da Abyssal da 5Elementos recebe adição de coco queimado mantendo a receita com as mesmas características visuais da anterior, a saber: coloração marrom escura praticamente preta com creme bege de baixa formação, praticamente uma linha de espuma, e boa retenção. A diferença, porém, começa a ser percebida no aroma, com o coco queimado tomando espaço quase total, mas deixando uma frestazinha para se perceber chocolate, leve presença de torra e algo que remete muito levemente a jabuticaba (?). Na boca, chocolate suave no primeiro toque com o coco surgindo logo depois e atropelando tudo de maneira absolutamente deliciosa. A sensação da pancada de 100 IBUs é aparentemente mais suave aqui do que na anterior, já a textura permanece sedosa, quase licorosa, ainda que não permita percepção dos 12% de álcool (como na base e na versão com café). Dai pra frente, uma RIS abissal e absolutamente incrível. O que acaba tendendo mais a torra e ao amargor na anterior, com café, aqui valoriza o cacau, acrescenta o coco e um toque incrível de doçura. No final, doçura e coco. No retrogosto, coco, chocolate, jabuticaba, doçura, amor, calor…

Mantendo-se em Fortaleza com duas pastry stouts da Bold Brewing derivadas de sua maravilhosa Russian Imperial Stout, a Noda, produzidas na fábrica da Dádiva, em Várzea Paulista, interior de São Paulo. A primeira é a Dulce de Leche Noda, uma Russian Imperial Stout (com aveia, centeio e cevada) que recebe adição de lactose e doce de leite. De coloração marrom praticamente preta, opaca, escura e com creme bege de excelente formação e média alta retenção, a Bold Dulce de Leche Noda apresenta um aroma com deliciosas sugestões de chocolate ao leite e chocolate amargo e leve caramelo tostado além de doce de leite caramelado em álcool (11% incrivelmente distantes) e remetendo a conhaque. Na boca, chocolate no primeiro toque e caramelização em conhaque suave na sequencia. Há, ainda, a mesma divisão de chocolate amargo e ao leite, doce de leite e caramelo tostado além de um leve toque que remete a cappuccino (mas mais pra chocolate do que para café). A textura é suave, mas vai se tornando suavemente licorosa (aqui se percebe o álcool, e também a lactose, numa combinação foda). Dai pra frente surge uma pastry stout deliciosamente alcoólica. No final, cappuccino com doce de leite, sensação que se estende ao retrogosto com acrescido de rubor nas faces e calor alcoólico.

A segunda Bold é a Churros Noda, que pega a mesma base da anterior (a Dulce de Leche) e acrescenta canela. De coloração marrom praticamente preta, opaca, escura e com creme de excelente formação e média alta retenção mais para o marrom do que para o bege, a Bold Churros Noda apresenta um aroma que traz mais sensação de doce de leite do que anterior, num perfil que mantém chocolate ao leite, mas não traz nada de chocolate amargo, e assim distancia o conjunto de cappuccino, deixando o doce de leite brilhar mais à vontade. A caramelação em álcool notada na anterior também desaparece aqui, então nada de conhaque, e mais doçura. Na boca, doce de leite no primeiro toque, que aumenta a percepção e intensidade na sequencia, abrindo levemente para canela (que, enfim, aparece) além de chocolate (com um tracinho de amargor, inferior a versão anterior, mas presente). A textura é suave, e vai se tornando suavemente licorosa (aqui se percebe o álcool, e também a lactose, numa combinação foda). Dai pra frente surge uma pastry stout aparentemente mais arredondada do que a anterior, mais pastry, menos stout, ainda que um tracinho de amargor marque o final junto a doce de leite. No retrogosto, doce de leite, chocolate ao leite, chocolate meio amargo, rubor nas faces, alegria.

De Fortaleza retornamos para Várzea Paulista, na fábrica da Dádiva, local em que a cigana Augustinus produziu essas duas versões de Barley Wine. A primeira Hordeum é uma receita que busca valorizar o malte e, ainda, trazer algo de madeira com a adição de lascas de carvalho americano na maturação. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar meio avermelhada, quase rubi, com creme bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, a potencia do malte da as cartas sugerindo doçura, caramelo, frutas secas, melaço e deixando perceber, sutilmente, a cacetada de álcool (11.5%) além de madeira, leve. Na boca, doçura de melaço no primeiro toque seguida de frutas secas embebidas em álcool, mais amadeirado leve. O amargor é baixo (40 IBUs), o calor alcoólico é alto (ainda que não se perceba o álcool). A textura é licorosa e picante (de álcool). Dai pra frente, uma Barley Wine maravilhosa que traz tudo aquilo que se espera do estilo, e detalhes deliciosos a mais como amadeirado e frutas secas. No final, doçura e frutas secas. No retrogosto, frutas secas, melaço e calor alcoólico. Uou!

A segunda Hordeum da Augustinus mantém a mesma receita da anterior com acréscimo de baunilha, muita baunilha, algo que se percebe assim que se abre a taça. De coloração âmbar meio avermelhada, quase rubi, com creme bege de boa formação e média alta retenção, a Augustinus Hordeum Vanilla apresenta um aroma de… baunilha, mas muita baunilha mesmo. Ainda assim é possível perceber as nuances de malte (doçura, caramelo) sutilmente assim como a presença da madeira (já o álcool parece ter desaparecido). Na boca, adivinha: sim, baunilha, muita baunilha no primeiro toque e na sequencia, atropelando tudo o mais que surge pela frente. Ou seja, as nuances de malte desaparecem ou marcam presença de maneira bem sutil (é possível perceber caramelado e melaço) tanto quanto a de madeira. Amargor? Isso daqui deve IBU positivo (tipo +10 IBUs). Já a textura soa um tiquinho mais licorosa que a anterior, e muito menos picante (a baunilha amacia a sensação de álcool). Dai pra frente, uma Barley Vanilla, já que a baunilha assume todos os destaques, e brilha, porque o resultado é uma cerveja incrível. No final, risos, baunilha. No retrogosto, mais baunilha, leve caramelo e muita felicidade.

Mantendo-se em Várzea Paulista, mas agora com duas cervejas colaborativas da própria dona do local, a Cervejaria Dadiva. A primeira é uma colab da Dádiva com os cariocas da 2Cabeças e atende pelo nome de Bioma. Trata-se de uma Russian Imperial Stout que recebe adição de baunilha do cerrado e castanha de baru. Na taça, ela apresenta coloração marrom escura praticamente preta e creme bege espesso de boa formação e média alta retenção. No nariz, chocolate amargo e chocolate ao leite, baunilha, café suave e amêndoas. É possível perceber sutilmente álcool, mas nada que chegue perto dos 10% da receita. Na boca, chocolate no primeiro toque (com um pouco de percepção de ao leite e de amargo, combinados) seguido de doçura de baunilha, café bastante suave, torra baixa e amêndoas. O amargor é médio para o estilo (uns 50 IBUs), há discreta percepção de defumado e praticamente nada de álcool. A textura é sedosa, um chocolate viscoso delicioso com leve presença de álcool sobre a língua. Dai pra frente segue-se uma RIS incrível e deliciosa, com chocolate e baunilha destacadas e incríveis. No final, doçura e chocolate ao leite. No retrogosto, baunilha, chocolate ao leite e chocolate amargo. Bela!

A segunda colab da Dádiva é com a dinamarquesa Amager, uma American Imperial Stout que leva o nome de Point of View e que foi lançada em duas versões: a primeira com goiabada e a segunda com goiabada e coco. Essa da foto (com capa escura) é a primeira e exibe uma coloração marrom bastante escura, praticamente preta, e creme bege de baixa formação e retenção. No nariz, bastante presença de goiaba além de notas de torra e café. Há, ainda, sugestão de ameixa em calda, chocolate amargo e cacau. Na boca, uma mordida em um pedaço de goiabada já no primeiro toque, com leve aceno de torra num primeiro momento para baixar a guarda e deixar a goiabada brilhar numa sequencia que ainda traz ameixa em calda, chocolate amargo e nada dos 10.6% de álcool. A doçura se sobressai ao amargor, mas nunca chega a enjoar. Já a textura é sedosa, cremosa e mesmo “descansando” sobre a língua, o álcool potente não chega a incomodar. Dai pra frente uma sobremesa liquida deliciosa com a goiabada brilhando, como deve ser. No final, doçura, goiabada e um calorzinho. No retrogosto, goiabada e felicidade!

De Várzea Paulista para o bairro de Vila Buarque, na área de central de São Paulo, com duas cervejas produzidas no tap room da Dogma, uma das grandes pequenas cervejarias da capital paulista (e do país). A primeira é a Blanc, uma (Double) Saison envelhecida em barricas que antes maturaram vinho Cabernet. De coloração âmbar clara com traços dourados e creme branco de baixa formação e media retenção, a Dogma Blanc apresenta um aroma que oferece doçura, uva e álcool, os três de maneira intensa – sobra pouco da aridez do estilo base, mas a recriação vale a pena. Na boca, doçura e uva, juntos no primeiro toque, seguem adiante se abrindo de maneira deliciosa, com a fruta ganhando mais espaço (felizmente) que a doçura, e o álcool se embrenhando entre os dois e… “desaparecendo”. Não há sensação de amargor (percebe-se, no entanto, madeira) e a textura é viscosa e licorosa. Dai pra frente segue um perfil de Saison atropelada pela barrica, que sai vitoriosa e cria um novo conjunto, extremo e incrível. No final, secura e frutado. No retrogosto, madeira, uva, álcool e doçura.

Fechando o passeio com outra cerveja produzida pela Dogma em seu tap room no bairro de Vila Buarque, em São Paulo, desta vez uma colab com a norte-americana Mikerphone Brewing que atende pelo nome de Smells Like a Pepo Spirit e é uma Russian Imperial Stout com adição de mapple e café. De coloração marrom praticamente preta e creme bege escuro de baixa formação e curta retenção, a Smells Like a Pepo Spirit apresenta um aroma que remete a cafezão gelado, com café em primeiro plano e torra na base, discreta. O mapple também pode ser percebido, delicadamente. E nenhum sinal dos 11.5% de graduação alcoólica. Na boca, doses cavalares de mapple e café (desde o primeiro toque), muito bem inseridos e facilmente perceptíveis. A sensação de amargor é média (uns 60 IBUs), a textura, aveludada, sedosa, e nem sobre a língua o álcool mostra as caras (o mapple, no entanto, aparece ainda mais). Dai pra frente uma cerveja impressionante e incrível, uma combinação apaixonante de café e mapple. No final, café e mapple. No retrogosto, felicidade.

Balanço
A 5Elementos Abyssal Coffee Edition é uma baita RIS, mas esperava mais da adição de cold brew. Minha sensação é de que o café alavancou apenas a sensação de torra, com o cold brew passando quase despercebido. Já a 5Elementos Abyssal Coconut Edition soa um imenso acerto, com o coco muito bem inserido e trazendo ótimas nuances. Uma delicia sensacional. A Bold Dulce de Leche Noda é uma Pastry Stour deliciosa, ainda que me remeta mais a cappuccino do que necessariamente a doce de leite. Mas é uma baita cerveja. Por sua vez, a Bold Churros Noda parecia ter mais doce de leite, com a canela não marcando muito. Outra baita cerveja. Das melhores Barley Wine nacionais, a Augustinus Hordeum é uma cerveja incrível. E a Hordeum com baunilha e espetacular, ainda melhor que a versão original. A Dádiva e 2Cabeças Bioma capricha na baunilha do cerrado e na castanha de baru… e conquista. Já a Point of View, colab da Dádiva com a Amager, é… goiabada cascão liquida. Uou! Foda demais. Fechando, duas Dogmas. A primeira, Blanc, é uma Farmhouse Ale maturada em barricas de cabernet, e o resultado é chapante. Já a Smells Like a Pepo Spirit é um cafezão gelado com mapple absolutamente incrível.

5Elementos Abyssal Coffee Edition
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 3,89/5

5Elementos Abyssal Coconut Edition
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 4,31/5

Bold Dulce de Leche Noda
– Produto: Double Milk Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 3,99/5

Bold Churros Noda
– Produto: Double Milk Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4,02/5

Augustinus Hordeum
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 4,00/5

Augustinus Hordeum Vanilla
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 4,11/5

Dádiva e 2Cabeças Bioma
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4,01/5

Dádiva e Amager Point of View
– Produto: American Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10.5%
– Nota: 4,33/5

Dogma Blanc
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12.7%
– Nota: 4,10/5

Dogma Smells Like a Pepo Spirit
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 11.5%
– Nota: 4,50/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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