Três livros: Bruce Dickinson, Badi Assad e Bruce Springsteen

por Marcelo Costa

“Para Que Serve Esse Botão? Uma Autobiografia”, de Bruce Dickinson (Intrínseca)
O inglês Paul Bruce Dickinson é o vocalista mais famoso de uma das bandas mais famosas de heavy metal da história, o Iron Maiden. Mas não só isso: ele também é piloto oficial de avião de companhias aéreas (transportando pelos ares pessoas que, muitas vezes, não tem a mínima ideia de que há um rock star mundial na cabine) e um esgrimista nato que durante muitas turnês da Donzela de Ferro preferiu buscar uma academia local (em diversas cidades do globo pelo qual sua banda passou) para praticar esgrima com desconhecidos a ficar enchendo a cara no bar do hotel ou se drogando no banheiro. Ou seja, um personagem bastante peculiar que lançou três discos (com o Samson) antes de assumir o vocal do Iron (em 1982), seis álbuns solo (alguns no intervalo em deixou a Donzela, entre 1993 e 1999) e ainda arranjou tempo para escrever dois livros (“The Adventures of Lord Iffy Boatrace”, de 1990, e “The Missionary Position”, de 1992) além desta autobiografia, que mostra um homem com total controle de sua carreira, e que lida com os fatos de sua história muitas vezes de maneira cômica. “Para Que Serve Esse Botão” não é completista (Bruce deixou de fora vida pessoal, casamentos, filhos), mas é bem divertida. Cobre desde a infância difícil em Nottinghamshire, passa pelas memórias marcantes do colégio interno (cujo auge é uma mijada na sopa dos padres que “tinham autoridade legal para bater”), suas primeiras experiências com música e chega até o câncer na língua em 2015 que necessitou de 31 sessões de radiação para ser vencido (com o corpo em frangalhos, Bruce certo dia viu pela janela Mick Jagger passando em frente a sua casa, em King’s Road: “Estou quase tão magro quanto você, pensei, sorrindo”). É um passatempo divertido que revela ainda alguns momentos emocionantes como uma dolorosa visita a uma creche em Sarajevo no meio da guerra e outra a Auschwitz (“Chorei muito depois. Senti raiva e ?quei em silêncio”, conta) num livro que soa um apêndice importante à obra da Donzela de Ferro.

Nota: 7.5 (leia um trecho)

“Volta ao Mundo em 80 Artistas”, de Badi Assad (Editora Polén)
Mariângela Assad Simão começou no violão aos 14 anos numa família cujos irmãos mais velhos eram considerados um dos melhores duos do mundo. Aos 15 começou a colecionar prêmios e aos 23 debutou com “Dança dos Tons” (1989) – relançado internacionalmente em 2003 com novo nome, “Dança das Ondas”. Sua música, uma combinação de experimentos percussivos vocais com um exímio dom no violão, viajou mundo afora e os álbuns “Solo” (1994), “Rhythms” (1995) e “Echoes of Brazil” (1997), lançados pelo selo nova-iorquino Chesky Records, sedimentaram sua carreira internacional. Cidadã do mundo, Badi levou sua música aos mais diversos lugares, e teve acesso a um grande número de artistas não tão acessíveis do lado debaixo do Equador. Neste livro, ela leva o leitor por novos territórios musicais. Passa por Urkult, festival no norte da Suécia, e se encanta com o show de Amina Annabi, cantora franco tunisiana que faz algo conhecido como Ethno Techno. Reverencia Angélique Kidjo, cantora nascida em Benim, na África, que canta em línguas nativas, e Miriam Makeba, “que nasceu quando praticamente tudo se tornava proibido aos negros em seu país – a África do Sul”. Das Américas, lança luz sobre Ani DiFranco, relembra um dos concertos mais lindos de sua vida (Astor Piazolla no Rio em 1985), passa por Cuba (Bola de Nieve), Trinidad Tobago (Calypso Rose), Chile (Camila Moreno), Peru (Yma Sumac) além de Brasil, Europa, Ásia e Oceania, onde homenageia a neozolandesa Lorde, o paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan e a mongólica Urna (“Sua voz alcança quatro oitavas e é uma de uma pureza cristalina”, descreve). A grande maioria dos artistas presentes aqui é desconhecida do grande público brasileiro (calma: há nomes como Sting, Tori Amos, Mumford & Sons, Zeca Baleiro e Ed Sheeran na lista), o que atiça o prazer da novidade numa escrita doce e apaixonada, de quem vive a música de uma maneira sem fronteiras. O resultado é uma interessante aula de música mundial que deve ser acompanhada com sua playlist no Spotify.

Nota: 9

“Born To Run – Autobiografia”, de Bruce Springsteen (Editora Leya)
Bruce coleciona 20 Grammys, quatro American Music Awards e um Oscar além de ter colocado 11 discos no topo da parada estadunidense. Esses números, porém, não sensibilizam o público brasileiro, que nunca deu muito bola para o Chefão – não foi à toa que seu show de 2013 em São Paulo teve o menor público de toda aquela turnê. E quer saber: não será com esta dedicada autobiografia que ele irá conquistar mais adeptos, principalmente porque este livro (que comoveu até o escritor Philip Roth) parte da aceitação de que alguns dos maiores “defeitos” do artista são também suas maiores virtudes. O próprio Bruce percebeu isso em 1975, após arremessar um dos “test pressing” do álbum que o catapultaria a fama na piscina do hotel: “Sentado nos fundos da loja, me sentia cada vez mais aflito à medida que o disco tocava. Eu ainda não podia lança-lo. Não conseguia ouvir mais nada a não ser aquilo que entendia serem as falhas do disco: o bombástico som do rock de arena e a cantoria estilo Pavarotti de New Jersey encontra Roy Orbison, exatamente as mesmas coisas que davam ao disco magia, poder e beleza. Era um quebra-cabeças: parecia que não podíamos ter um sem o outro. O produtor Jon Landau tentou me explicar pacientemente que, muitas vezes, a ‘arte’ funciona de formas misteriosas. O que faz algo grandioso também pode ser uma de suas fraquezas. Tal como acontece com as pessoas. Deixei que lançassem o disco”. Numa narrativa que remete a um diário em que Bruce, primeiramente, conversa consigo mesmo, ele rememora a infância pobre com riqueza de detalhes e debate quase que infinitamente questões polêmicas de sua carreira procurando sempre se sair bem com o personagem (muitas vezes sacana) do outro lado da mesa (como, por exemplo, o manager Mike Appel, que o levou aos tribunais e o impediu de gravar durante três anos), o que em alguns momentos pode incomodar o leitor, mas, no final, ganha pontos pelo aroma de honestidade (esse termo batido e fora de moda) que o livro deixa no ar ao reforçar a imagem “gente como a gente” de Bruce.

Nota: 9 (leia um trecho do livro)

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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