Entrevista: Dinâmica de Grupo

por Leonardo Vinhas

Você é aquilo que faz, reza a cartilha existencial do capitalismo. Mas se é assim, quem você é quando não faz nada? Onde está seu deus quando seu crachá não passa na catraca? Por que ser freelancer quando os Jobs pagam tão pouco?

Essas e outras inquietações do tipo são respondidas pela Dinâmica de Grupo, não a odiosa prática coletiva conduzida em muitas empresas, mas uma banda dotada de um agudo senso de observação, que é usado com humor safado para compor “crônicas musicais” de apelo popular e dançante.

Se a frase final fez você pensar em um baile, acertou. “Holerite” (2014), o disco de estreia, foi pensado “como se fosse um carnaval na Vila Olímpia”, diz o tecladista Monstro, citando o bairro paulistano onde muitas grandes empresas escolheram estabelecer seus escritórios e sedes – um bairro tão aberrante em seu gigantismo que chegou a ter mais helipontos que paradas de ônibus no início da década, e que hoje registra congestionamentos até mesmo nos estacionamentos dos condomínios empresariais na hora do rush.

Mazelas de cidade grande e referências geográficas à parte, a Dinâmica de Grupo canta sobre um universo compartilhado por muita gente: o dos escritórios e repartições, com alguma atenção especial para o sempre autorreferente mundo da comunicação social (você sabe, agências de publicidade, redações de jornal, essas coisas). Mas o melhor é que faz isso sem que o humor vire piada: a música é, sim, importante, e o apreço pelos gêneros mais populares da música brasileira garante a festa.

Na verdade, os seis integrantes – Monstro, Jussara Gomes (voz), Pedro Falcão (bateria), Hurso Ambrifi (baixo), Habacuque Lima e Lulina (guitarras) – estão longe de serem estreantes, tendo passado por (ou ainda fazendo parte de) várias bandas, ou tocando projetos solo. Monstro, Jussara, Lulina e a cantora Juliana R. em breve sairão com o Mulher Molhada; Lulina é velha conhecida dos leitores do Scream&Yell e, assim como Monstro e Pedro Falcão, tem carreira solista; Habacuque é integrante do Ludov e já tocou nos Pullovers; Hurso e Pedro são dois terços da banda 3cruzeiros.

Ainda em seus primeiros passos, a Dinâmica de Grupo fez poucos shows, tem escasso material promocional e atualiza timidamente sua divertida página no Facebook, na qual cabem até mensagens sacanamente “motivacionais”, links para matérias publicadas na revista sMeio & Mensagem, e as fotos 3×4 dos integrantes, retiradas de seus crachás funcionais…

O breve passado e o promissor futuro do sexteto foram o centro dessa conversa com o Scream & Yell. A entrevista foi realizada por Skype a altas horas da noite (e seguindo madrugada adentro), porque a Dinâmica de Grupo tem “atitude”, ou seja, vive as letras de suas músicas: Jussara Gomes e Monstro tinham trabalhado até tarde, e os outros integrantes nem participaram porque estavam sem tempo…

Pesquisando sobre vocês, descobri que seu marketing não é muito bom para fazer fixação da marca nem para contar história. Então vamos voltar ao tempo em que vocês ainda eram Jussara Gomes e A Banda que se Exploda Foda.
Monstro: O projeto todo começou como uma brincadeira minha e da Lulina, imaginando uma personagem que circulasse ali pelos lados da Vila Olímpia, em meio a executivo, bares de happy hour, empresários e tal – alguém que cantasse músicas inspiradas por isso. Quando vi a Jussara ao vivo, foi a materialização dessa visão (risos). Juntamos todo o pessoal – Jussara, eu, Lulina, Pedro, Hurso e Haba – e fomos compondo. A primeira coisa que surgiu foi “Ela Roubou Meu Job”, depois vieram outras, e a coisa foi ficando grande, já estávamos logo pensando em fazer um show, gravar um álbum… Era até uma coisa de focar em um mercado, de tocar em festas de firma mesmo, comemorações de fim de ano, fazer canções fossem crônicas divertidas desse universo. Aí algumas pessoas do meio, que organizam esse tipo de evento, nos disseram que o nome era muito agressivo, que com esse nome não daria certo… No fim, tudo isso nos levou a entender que tínhamos uma banda mesmo, e que poderíamos agir como tal, sem esse “compromisso” [de fazer shows em empresas], mas acabamos por mudar o nome mesmo assim, para deixar algo mais leve, já que é tudo uma grande brincadeira.

Imagino que todos vocês façam parte desse meio que vocês retratam nas letras…
Monstro: A gente faz de tudo. Eu sou freelancer, mas acabo trabalhando muito para empresas que estão nessa região da Vila Olímpia, Jussara e Lulina já trabalharam por lá…

Jussara: Na verdade, as músicas são sobre as relações de trabalho, e a gente vai desde a secretária até questões de crachás. Aliás, a do crachá (“Desmagnetizada”) é bem filosófica, na primeira vez que a escutei ela refletia como eu estava me sentindo. Engraçado: justo eu, a hippie-mor, estava desse jeito… Mas enfim, achei demais a ideia toda de falar de trabalho, esse negócio que domina o dia da gente. Temos que sobreviver, mas como dizia Bob Marley, a gente é escravo moderno. Talvez seja meio pesado falar isso… (hesita) Mas temos que questionar, o tempo todo, o jeito como as coisas estão acontecendo. Isso é importante.

Para esse conceito virar uma “banda de sátira”, ou “banda de uma piada só”, não é difícil. Então me parece que vocês cuidam muito do lado musical, e assumem a busca do popular, ainda que em uma pluralidade de gêneros. Na verdade, se ignorarmos as letras, Dinâmica de Grupo soa totalmente como uma banda de baile, mesmo.
Monstro: Total. A gente não quis fazer um negócio chato. Uma coisa que ajuda também é que não queremos convencer ninguém de nada. São crônicas musicais, a gente só está mostrando alguns retratos do âmbito em que a gente trabalha. Mas colocamos outras coisas na roda também. De qualquer maneira, todo mundo que trabalha tem o que se identificar com o que a gente fala.

Jussara: Na questão do ritmo, a gente nunca se aprendeu a um específico. Tudo foi sendo criado espontaneamente.

Monstro: O disco todo foi feito em esquema freelancer (risos). Pedro gravou as baterias na casa dele, mandamos para o Hurso e ele fez os baixos no estúdio dele, aí Habacuque e Lulina gravaram as guitarras no estúdio do Haba; Jussara fez as vozes lá também, só que em outro dia; e aí tudo chegou para eu colocar os teclados na minha casa. Mixamos e mandamos para o Pedro Pena finalizar tudo. Foi uma criação coletiva – cada um do seu “home office”.

Vocês já fizeram shows para o público-alvo original, esse povo da Vila Olímpia, Berrini?
Monstro: A gente tentou bastante, mas não rolou exatamente isso…

Jussara: É que no fim todo mundo trabalha, né? Então fizemos uns shows que não foram no ambiente de trabalho propriamente dito, mas a gente sabe em que boa parte do público vive nesse mundo sobre o qual a gente fala. Sobrevivência, né? Mas falando dos shows, a real é que a gente fez bem pouco trabalho de divulgação. Como você disse, nosso marketing é bem ruim (risos), mas vou dizer também que “a culpa é das estrelas”. 2014 foi um ano típico em todos os aspectos, todo mundo ficou muito enrolado com trabalho e outras coisas. Mas apesar de não ter chegado ao público, foi um trabalho muito prazeroso, e a gente já se sente no lucro com o que rolou.

Já que vocês falam tanto de todo mundo se identificar com essas agruras do trabalho em escritório, dá para dizer que o Dinâmica de Grupo é blues da vida laboriosa? O blues brasileiro do trabalhador moderno?
Jussara: (rindo) Olha, é um blues mais pra carimbó…

Monstro: Carimblues! (risos) Ou baião…

Jussara: (empolgada) Baião me representa!

Monstro: É a labuta mesmo. O dia a dia…

Jussara: Música de trabalho! (risos)

Eu acho bem curioso o quanto o DG difere dos demais trabalhos de vocês…
Monstro: É que juntos, por mais paradoxal que pareça, cada um tem liberdade de chegar mais com suas influências. O lance caminha desse jeito.

E apesar do branding ruim (risos), o disco ainda parece ter bastante a render. E vocês como banda, mais ainda. O que me faz pensar: essa abordagem desse universo de trabalho vai continuar sendo a tônica do Dinâmica de Grupo? Ou pode chegar uma hora em que a música vai transcender isso? Porque no tributo “Somos Todos Latinos” vocês já foram para outro lado, escolhendo “Loca”, do Chico Trujillo, que é uma canção de amor.
Monstro: Essa é uma questão difícil, Precisava ter uma reunião de pauta com todos presentes (risos). Mas acho que o principal é a gente estar se divertindo. Vamos continuar tentando nessa linha, mas não sabemos se ela é inesgotável. Talvez seja, porque todo mundo passa por novas situações todo dia. A gente usa até nossa página do Facebook para isso: se você quiser ir lá e postar uma história pela qual você passou, a gente pode tentar fazer uma música sobre isso. Porque é tudo uma grande crônica. E sendo assim, todo dia pode ter uma crônica nova, até do mesmo assunto.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Download gratuito: baixe a coletânea “Somos Todos Latinos” (aqui)
– “Somos Todos Latinos”: compare as versões originais com as da coletânea (aqui)
– Lulina: “É difícil descrever esse negócio de cena estando inserido” (aqui)
– Ludov comprova que a cena independente sobrevive com “Miragem” (aqui)

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