Entrevista: Graveola e o Lixo Polifônico

por Pedro Salgado, de Lisboa

Presença habitual em salas de espetáculos lisboetas, o Graveola e o Lixo Polifônico desenvolve desde há quatro anos uma relação muito estreita com a música portuguesa, fazendo a ponte cultural entre Belo Horizonte e Lisboa. No passado dia 3 de agosto, a banda mineira encerrou a sua nova turnê europeia com uma show na Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, em sinal de gratidão pelo acolhimento e gratidão de um público que sempre acompanhou o grupo.

A integração plena dos novos elementos – Luiza Brina (percussão, voz e instrumentos de corda) e Ygor Rajao (trompete e teclado) – tem sido evidente e consolidou a sonoridade do Graveola. No segundo semestre de 2013, a banda mineira planeja lançar o DVD do álbum “Eu Preciso De Um Liquidificador” (2011) e um mini álbum, “Vozes Invisíveis”, mais orgânico, caseiro e experimental, dentro do espírito da coletânea “Um e Meio”, de 2010.

“Vozes Invisíveis” é também uma das canções mais recentes que o grupo tem apresentado ao vivo. De acordo com o compositor José Luis Braga (voz e violão), “a canção é apenas um manifesto da condição geral e social e um reflexo de que as consciências vão ter de ser ouvidas”. Outra faixa de destaque é “Maquinário”, que utiliza elementos percussivos da música brasileira avançando para uma contemplação estética e poética.

Oriundo da emergente cena musical de Minas Gerais (e confiando no seu potencial artístico) o grupo de Belo Horizonte acredita que “o movimento ganharia mais força inspirando-se no exemplo da cena de Pernambuco, que criou um nicho e uma estrutura independente de consumo pelo público brasileiro”. Sobre os mais recentes episódios da carreira do Graveola, os acontecimentos políticos no Brasil e a relação com Portugal, José Luis Braga falou com Pedro Salgado, colaborador lisboeta do Scream & Yell:

Que balanço vocês fazem da recente turnê europeia do Graveola?
Fazemos um balanço muito positivo. Começámos a turnê com um show em Lisboa, no Musicbox, 19 de Julho, e daí partimos para Londres onde fizemos dois festivais de renome. Nos eventos londrinos, as pessoas acamparam num espaço grande, interagindo com a natureza e com muitas atrações musicais. Participamos do Latitude Festival (a convite da BBC) e ainda fizemos um programa com a cantora Cerys Matthews (ex Catatonia) e depois tocamos no palco da BBC. A adesão do público foi surpreendente tendo em conta a dificuldade da língua. Mas o inglês é um grande consumidor de cultura e nós percebemos que eles estão atentos à World Music e querem conhecer as novidades. Eles gostam de assimilar e contemplar a diversidade que a música brasileira e o Graveola lhes proporcionam. Destaco também o Secret Garden Party, em Huntingdon, que é uma festa mais voltada para a música eletrônica. Embora não fosse um público tão dedicado (esperavam algo mais ligado à música de dança), conseguimos juntar um grupo de pessoas que gostaram muito da nossa apresentação. Para além disso, houve um circuito de dois shows agenciado pelo Barbican Centre e pelo nosso produtor local, Lewis Robinson, do selo Mais Um Disco (que edita os discos do Graveola na Europa). Em parceria com eles fizemos dois concertos: Bristol (Colston Hall) e Londres (Village Underground), com a participação de dois artistas conceituados no Brasil, a Gaby Amarantos e o Lucas Santtana. Foram duas noites espetaculares, com muito público e bons shows. O Lewis conseguiu apresentar uma perspectiva muito interessante da cena musical brasileira sem precisar recorrer ao eixo principal (Rio de Janeiro e São Paulo). A Gaby Amarantos, por mais que esteja consolidada no mainstream, é paraense e apresenta a sua música de Belém, O Lucas Santtana é um compositor baiano e o Graveola é de Minas Gerais. De volta a Portugal, fizemos um show em Coimbra, num espaço maravilhoso (Salão Brasil), 30 de Julho, com uma ótima participação, embora não esperássemos muito público já que é um local universitário e as pessoas estavam em período de férias. O concerto foi bom, adoramos a cidade e ficamos com vontade de voltar. E agora aqui estamos para fechar a turnê, em Lisboa, na Fábrica do Braço de Prata.

Das novas canções, gosto particularmente de “Maquinário”. De que trata a canção?
É uma canção do Luiz Gabriel Lopes (voz e guitarra do Graveola). O arranjo me atrai bastante, ao utilizar elementos percussivos da música brasileira (boi, maracatu e baião), e trabalhar um pouco essas linguagens de uma forma interessante. E tem estrofes de contemplação estética. Talvez não faça tanto sentido como uma proposição ou ideia clara. Mas a letra é muito poética e utiliza signos como a borboleta, o vagalume e a Lua. São temas da natureza que se transformam em algo pictórico. Na minha leitura, é algo contemplativo.

No próximo trabalho vocês pretendem utilizar o formato acústico ou manter a orientação sonora habitual?
Um mini álbum se seguirá ao nosso segundo disco contando com canções que não entraram no repertório do Graveola (entre o primeiro e o segundo álbuns, o Graveola já havia lançamento um projeto semelhante, “Um e Meio”, liberado para download aqui). Terá um caráter acústico, embora mais experimental. É uma proposta que valorizamos desde o trabalho citado, com o objetivo de produzir em casa e autonomamente (sem a pressão do estúdio). E, partindo desse pressuposto, fazer um apanhado geral com um espírito muito plural. O álbum vai ter o nome de “Vozes Invisíveis”, que dá o nome a uma das músicas novas e que já foi integrada no repertório dos nossos shows. No disco, a faixa vai ter um arranjo completamente diferente e ganhou mais força com a formação atual do Graveola. É possível que a canção entre no terceiro álbum oficial da banda. Gostamos da experiência e o lançamento do próximo trabalho será no segundo semestre de 2013.

O Brasil viveu recentemente um período de grande agitação social e política. Qual é a sua leitura dos acontecimentos?
É uma situação em que o Brasil está sendo visto globalmente (fruto da organização da Copa das Confederações, Mundial de Futebol e das Olimpíadas), com uma orientação geral do Governo em transformar o país, mas que não se reflete numa mudança social. É uma tentativa de elevar certas estruturas das cidades e que acaba por beneficiar alguns grupos – como os empreiteiros. O metrô de Belo Horizonte foi prometido para o Mundial de Futebol de 2014 e ainda não foi concretizado. E o que se tem feito são muitas construções rodoviárias. Para além disso, há uma política de limpar as cidades para que o turista fique com uma boa impressão do Brasil. Acaba por ser uma maquilhagem das várias áreas (e elas enfrentam problemas graves), envolvendo muito dinheiro e recursos. A FIFA também tem um grande poder sobre a nossa política. Não é por acaso que tantas pessoas manifestaram nas ruas as suas reivindicações, começando pela questão dos transportes públicos (em São Paulo), e espalhando-se pelo país todo. O Brasil hoje é um país caro para se viver, independentemente do fortalecimento de algumas classes sociais e das prestações (chegando ao ponto de se pagar 40 anos por um imóvel). Como contraponto, conseguimos o fortalecimento da sociedade civil e os governantes já perceberam que as coisas não podem continuar da mesma forma. Os brasileiros dificilmente serão passivos perante a situação atual e começam a sentir que têm um potencial de cidadania e ela terá de ser exercida. Um dos aspectos mais bonitos de Belo Horizonte, hoje em dia, é o incremento dos movimentos sociais e de novas lideranças que pretendem fazer outro tipo de política. Julgo que estamos perante um momento de diálogo, interrogações e transformação para uma melhor sociedade.

Como surgiu a relação de vocês com Portugal?
Inicialmente, surgiu por acaso. No sentido em que há quatro anos atrás conseguimos alguns espaços para fazer shows em Portugal e obtivemos uma carta convite que nos permitiu vir à Europa (participando num festival em Bolonha). Através de alguns amigos portugueses, pudemos tocar aqui e, a partir daí, envolvemo-nos numa produção musical que fazia a ponte entre Lisboa e Belo Horizonte. Um dos responsáveis mais importantes foi João Pires (músico português radicado na capital de Minas Gerais), que desenvolveu um projeto de lusofonia com Luiz Gabriel Lopes, misturando música portuguesa e brasileira. A partir da experiência do Luiz, que gravou um disco em Portugal e absorveu a sua cultura durante uma estadia de três meses, ele e o Yuri Vellasco (baterista do Graveola) trouxeram muitas referências musicais para Belo Horizonte e a nossa relação foi se consolidando cada vez mais. No segundo ano, fizemos uma turnê por 12 cidades portuguesa e em 2011 tocamos no Festival Musicas do Mundo, em Sines, estreitando relações com Carlos Seixas (curador do evento). No ano passado contratamos uma assessoria de imprensa por intermédio de João Brilhante. Além disso, conseguimos a ligação da banda a alguns circuitos de mídia portugueses, participamos de alguns programas de rádio (RDP) e televisão (SIC) e fomos entrevistados pelo jornal Público. Independentemente da parte profissional, criamos uma relação de amor com Lisboa. Cada vez que visitamos a cidade temos vontade de prolongar a estadia e, devido à gastronomia, voltamos sempre um pouco mais gordinhos (risos).

A ponte musical luso-brasileira é apenas um sonho ou poderá ser concretizada?
Do meu ponto de vista, acho que já está acontecendo e deixou de ser um sonho. O Graveola e a Susana Travassos estão aí para prová-lo. Há uma série de artistas que estão fazendo a ponte, como é o caso de João Pires, que lançou um disco sensacional (“Caminhar”) – participei numa das canções do álbum e o Luiz Gabriel Lopes também. A ligação está feita e agora o importante é solidificar o caminho. É justo que a música contemporânea de Portugal seja mais consumida no Brasil, uma vez que os portugueses ouvem muita música brasileira. No Brasil, o público apropria-se demais das sonoridades nacionais e regionais, bem como do eixo Inglaterra-Estados Unidos. Mas as pessoas interessadas em pesquisar e que gostam de música diferente são potencialmente importantes para apreciar a nova cena musical portuguesa ou outra. No entanto, para o ouvinte comum, o Graveola nunca terá uma penetração como o Luan Santana (arauto do sertanejo universitário) ou Michel Teló. Devemos lutar pelo nosso espaço e fazer com que as coisas de bom gosto sejam mais escutadas (risos).

Em “Babulina´s Trip” encontra-se a síntese da sua forma de vida?
Sim! Mas de outras coisas também. É uma música que homenageia a nossa cidade e ao mesmo tempo está enraizada em algumas referências musicais (Jorge Ben Jor e Itamar Assumpção) e também tem uma esfera global ao tentar incorporar o mundo. Hoje em dia tanto podemos ser escutados no centro de Belo Horizonte como no Japão. As condições atuais da comunicação (fruto da Internet) possibilitam-nos o acesso a uma infinidade de possibilidades. A canção tem algo disso e talvez um pouco da nossa vida musical esteja retratada no tema. Não deixa de ser apenas uma imagem da nossa trajetória. São nove anos de banda, dos quais cinco anos em que o conjunto está mais estabelecido com produções mais coesas, discos e um show mais maduro. Existe uma possibilidade, no final do ano, através da Mais Um Discos, de fazermos um circuito que incluirá França, Bélgica, Holanda e uma passagem por Berlim. E cada vez mais pretendemos dedicar-nos ao mercado europeu, que é um nicho muito importante para a nossa música reverberar.

Qual é o maior objetivo artístico do Graveola?
A ideia é sermos ouvidos por um número cada vez maior de pessoas. Pensamos também em ultrapassar as barreiras da língua e levar a nossa música para o mundo. Outro aspecto passa por criar estratégias de sustentabilidade e conseguir viver só da música. Não falo só do Graveola, porque temos outros trabalhos e produções que acabam regressando à banda como referências. O mainstream e o comercialismo viral não são objetivos imediatos, uma vez que a nossa estética é outra. Nascemos independentes e autônomos e assim morreremos. Vamos continuar a fazer um número cada vez maior de shows (no cenário alternativo é esse o sustento de um grupo), entender a evolução artística dos integrantes do Graveola e produzir trabalhos que façam com que gostemos de nos divertir, tocar e apreciar a nossa música.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

Leia também:
– Graveola ao vivo em Lisboa, 2013: grande noite de boa música (aqui)
– Entrevista (2010): Graveola e o Lixo Polifônico, por Igor Lage (aqui)

One thought on “Entrevista: Graveola e o Lixo Polifônico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.