5 artistas acima dos 60, 5 belos discos

por Tiago Ferreira

Tom Waits tem 61 anos, Ry Cooder tem 64, Booker T. Jones tem 67, Steve Cropper tem 70 e Lee ‘Scratch’ Perry tem 75. Ok, mas o que eles têm em comum além de serem músicos extremamente competentes e experientes? Todos eles lançaram álbuns em 2011. E – o que os aproxima ainda mais – ótimos álbuns.

Certa vez, o músico Beck comentou: “Quando vi o Grammy este ano, fiquei sabendo que cada nomeado tinha uma idade abaixo de 30 anos”. Nas listas de melhores discos do ano, sempre surgem unanimidades, com muita atenção às novidades musicais. Quer dizer então que somente o que é novo deve estar no topo das listas?

Os gêneros se renovam, sempre. E os artistas também. É necessário ouvir a música – qualquer música – com um ar de novidade, assim como muitos fazem ao observar novas bandas e artistas. O senso crítico deve ser mantido, mas o reconhecimento tem que ser explícito.

Abaixo listamos cinco discos de artistas na melhor idade – termo politicamente correto para “batizar” os vovôs –, gente consagrada que, mesmo no século XXI, ainda esbanja inventividade, seja na musicalidade, na poesia, na busca de novos temas, na atualização ou reciclagem do gênero… Inúmeros fatores pesam. Observar e se deliciar com tudo isso é a grande graça do negócio. Confira:

“Dedicated: A Salute to the 5 Royales”, Steve Crooper (429 Records)
O guitarrista Steve Cropper – um dos maiores vivos – foi um dos músicos que ajudaram a formatar o som clássico da gravadora Stax, utilizando mais o instrumento como uma força rítmica do que uma sonoridade à parte. Assim, ele criou o melhor método de destacar a voz de soulmans como Otis Redding e Wilson Pickett. Mas também mostrou que, pelo ritmo, é possível ouvir requintes de virtuosidade: no grupo Booker T. & the MGs deitou e rolou em clássicos como “Green Onions” e “Time is Tight”.

Em “Dedicated: A Salute to the 5 Royales” o músico presta tributo a um grupo imprescindível para o surgimento da soul music: o The 5 Royales. Todo o repertório do álbum vem de hits dos anos 50 e 60, e aqui Cropper não foi nem um pouco pomposo ao chamar o time de convidados: Sharon Jones canta com exuberância em “Messin’ Up” e “Come On & Save Me” e Steve Winwood entra no clima dançante do soul sulista em “Thirty Second Lover”. Até o blueseiro BB King cai na dança em “Baby Don’t Do It”, junto com Shemekia Copeland.

Sabe aquela clássica “Dedicated to the One I Love”, que ficou bem conhecida nas versões do The Mamas and the Papas e The Shirelles? Então, ela é de autoria do The 5 Royales. E quem relembra esta bela canção aqui é Lucinda Williams, em um dueto com um parceiro das antigas de Cropper: Dan Penn, um dos grandes gênios da gravadora Muscle Shoals.

O soul é a grande praia de Cropper, mas aqui vemos um flerte mais aproximado com o rockabilly e o R&B. Dessas faíscas sai muito rock and roll, como a acelerada “I Do”, parceria com Brian May, e o agito dançante de “Right Around the Corner” (com Delbert McClinton), que vai deixar você na dúvida entre o que ouvir em seguida: Elvis Presley ou Chuck Berry?

“Rise Again”, Lee ‘Scratch’ Perry (M.O.D. Technologies)
Lee ‘Scratch’ Perry é o revolucionário produtor que inventou o dub enquanto realizava experimentos com o reggae no Black Ark Studios, um dos grandes redutos da música jamaicana nos anos 1970. Lee Perry, inclusive, chegou a produzir alguns hits de Bob Marley, como as excelentes “Sun is Shining” e “Punky Reggae Party”, só para citar duas.

Toda a habilidade de produção do músico se encaixou ordenadamente no álbum “Rise Again”, lançado neste ano pelo selo M.O.D. Technologies e produzido por Bill Laswell (que já trabalhou com Iggy Pop e Herbie Hancock).

O fascínio por bombas, fogos e explosões nas produções sonoras aparece aqui, aliado à sua voz decadente que não poderia suscitar outro contexto que não o apocalíptico. “Scratch Message” é a canção que melhor reflete tal atitude incendiária, mas a secura do rocksteady mantém um eixo firme com os efeitos do sax de Peter Apfelbaum.

“Orthodox” é um dueto regueiro de Lee Perry com a cantora egípcia Gigi Shibabaw, traçando um elo com a música popular africana, mais marcadamente o pop. Os teclados são costurados e formam efeitos nebulosos em “Wake The Dead”, enquanto Lee Perry surge aos fundos evocando um “fiiireeeeee!!!” vigoroso – mas não tanto, já que estamos falando de um músico de mais de sete décadas de idade. Esta é, talvez, a melhor faixa de todo o disco.

Mas a música mais surpreendente é “E.T.”, que forma uma conexão entre ficção científica, dub, música africana e psicodelia, sem fugir da órbita musical que paira nas ideias de Lee ‘Scratch’ Perry (ouça no final).

Além de falar de espaço, comida japonesa (“Inakaya”), fogo, incêndio, vida e morte, o produtor também fala de kung-fu recorrendo ao ragga murphy em “Dancehall Kung Fu”. Nada convencional.

“Bad as Me”, Tom Waits (Anti/Epitaph)
Quando o single de mesmo nome do álbum foi lançado, provavelmente a maioria dos fãs do bardo deve ter ficado surpreendida com as inúmeras tonalidades vocais exploradas: Tom Waits se despe como um fracassado para dar um conselho de boteco a algum ser inexistente, dizendo que o mal é algo normal. A prova dos nove aparece quando surge uma voz endiabrada, estabelecendo um diálogo com o cantor desesperado que diz que “você é o mesmo tipo de mau que eu”.

O álbum “Bad as Me” tem um balanço equilibrado de baladas e canções agitadas. Começa pesado com as guitarras blueseiras de Keith Richards aceleradas a todo o vapor em “Chicago”. Mas o grande triunfo no instrumento fica a cargo de Marc Ribot, eterno parceiro de Waits, que cria um ambiente esfuziante em “Get Lost”, uma polka animada que mostra o bardo bem alegre e convincente ao tentar te levar para a trilha da perdição.

Outro colaborador conhecido aqui é Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers, que deixa o rock-funk de lado para explorar uma linha de baixo mais obscura em “Raised Right Men”.

O potencial do compositor nas baladas ganha ainda mais potência: “Face to the Highway” e “Kiss Me” seguem o protocolo, mas faixas como “Back in the Crowd” – uma balada que transpira Bourbon – e “Last Leaf”, um verdadeiro dueto de anciãos que mostra a intrépida parceria entre Waits e Richards nos vocais, denotam que a tristeza é apenas um caminho que o bardo domina muito bem, sem precisar ser engolido por ela (ouça no final).

“Pull Up Some Dust and Sit Down”, Ry Cooder (Nonesuch)
Outro dos maiores guitarristas vivos é também um dos músicos mais versáteis de que se tem notícia. Ouça “Pull Up Some Dust and Sit Down” e comprove: ele explora a country music, o blues, folk de protesto, o rock e a música texana, com muita acentuação de solos crus. Tudo bem que todos esses ritmos são correlatos, mas exibir maestria e domínio em todos eles de uma talagada só, é algo de dar inveja.

Neste álbum, o músico explora a ironia em canções que denunciam a divisão que perdura entre ricos e pobres numa América devastada por seus ideais utópicos de soberania. Não há nenhuma outra composição tão inteligente para retratar a queda dos bancários nos EUA como “No Banker Left Behind”, que mostra os próprios entrando em farra após “roubar uma nação cega” (ouça no final).

“Humpty Dumpty World” tem uma pegada reggae, e Ry Cooder cria um entrelaçamento surpreendente com uma guitarra rítmica e solista ao mesmo tempo. Aqui, vemos um músico inspirado nos temas revolucionários, tal qual um Woodie Goothrie do século XXI que ainda não se desprendeu totalmente de suas raízes musicais. Meio reggae, meio folk, meio rocksteady.

“Christmas Time This Year” é folclórica até o ultimo talo; Cooder toca banjo e se baseia em um ritmo alegre mexicano para falar – sarcasticamente, é claro – da dependência que nós temos em relação às armas, para encontrar alguma segurança. Talvez ele tivesse se referindo a um pai de família conservador de estados sulistas, que mantêm revólveres e espingardas para se “protegerem”. Mas a mensagem fica bem direcionada a todos os ouvintes.

Só que grande destaque de “Pull Up Some Dust and Sit Down” é a sequência de “I Want My Crown” e “John Lee Hooker for President”: a primeira mostra Ry Cooder com uma voz endiabrada, lembrando incursões vocais de Tom Waits. Tem muita referência a Captain Beefheart e, se tivesse algum barulho similar a um uivo, diríamos que Howlin’ Wolf teria ressuscitado. As guitarras blueseiras entram em conexão com o sax alto de Arturo Gallardo. Já no tributo a John Lee Hooker, Ry Cooder imagina que o mundo provavelmente seria melhor se déssemos mais importância aos boêmios do que aos engravatados sérios. Lee Hooker se preocuparia com a nação: “Todos pegam um bourbon, um scotch, uma cerveja; três vezes por dia, se ficar legal”. Quem não queria viver assim?

“The Road From Memphis”, Booker T. Jones (Anti/Epitaph)
Em primeiro lugar tem o The Roots como banda de apoio. Segundo: Beck é o produtor (mas não interfere em muita coisa). Terceiro: há regravações instrumentais de “Crazy” (Gnarls Barkley) e “Everything is Everything” (Lauryn Hill). Quarto: tem participações de Sharon Jones, Yim Yames (My Morning Jacket) e Lou Reed. Não interessou?

“The Road From Memphis” é um álbum de soul instrumental levados pela habilidade excepcional do músico nos órgãos. Para quem não conhece, Booker T. Jones fincou sua história na soul music ao se destacar como um dos principais instrumentistas de estúdio da Stax Records, desde que ela realizava experimentos para se chegar ao som clássico que ficou muito bem prensado no disco “Green Onions”, de Booker T. and the MGs (que contava com Steve Cropper). Tudo isso aconteceu no longínquo ano de 1961 e, ainda hoje, dá para perceber o quanto sua presença ainda se faz necessária no gênero.

Tudo é puro, lindo, estupendo. Nem Lou Reed, que praticamente estragou a união com o Metallica em “Lulu”, chega perto de fazer isso em “The Bronx”, contornada por uma linda melodia nas guitarras e uma passagem nos órgãos que chega a emocionar. O fator voz ruim de Lou é um mero detalhe, porque ela combina perfeitamente com a divagação da música. É como se estivéssemos em um trem das maravilhas que, por mais que fiquemos sem saber o seu destino, reservará uma ótima surpresa.

O vocalista Matt Berninger, do The National, divide os vocais com a diva Sharon Jones em “Representing Memphis”, uma balada blueseira que mostra solos econômicos nos órgãos de Booker T. pontuados com perfeição (ouça abaixo). Mas não pense que é tudo maravilhas: em “The Hive”, o baterista QuestLove sugere a baderna com suas batidas jazzísticas, fazendo com que o organista entre desordenadamente, mas com a autoridade de quem ainda é o superior. Como se fosse o regente de uma orquestra cheia de músicos virtuosos.

“Rent Party” é um pouco mais tranquila e divaga exatamente por aquele som sessentista da Stax que revolucionou a soul music. O organista até chega a arriscar nos vocais em “Down in Memphis”, fazendo uma intersecção mais fervorosa com o The Roots ao trafegar por algo mais elétrico.

Se você acha que viajar de carro é gostoso, essa é a trilha sonora perfeita. Se é fã de soul music, então, “The Road From Memphis” é mais que um disco necessário: é uma obrigação!

– Tiago Ferreira (siga @namiradogroove) é jornalista e assina o blog Na Mira do Groove

9 thoughts on “5 artistas acima dos 60, 5 belos discos

  1. Não tava sabendo que esses caras – Steve Crooper, Booker T. Jones e Lee Perry – estavam com esses lançamentos.
    Pena o Lou Reed está no disco do Booker T. mas se vc diz que não atrapalha…
    Caso atrapalhe a gente deleta a participação dele.
    Valeu!

    PS: A indústria valoriza os mais novos(a máquina não pode parar) e os medalhões rentáveis.
    Como business tá certo. Como cultura é um crime.
    Coisas do capitalismo que de vez em quando deixa umas brechas.

  2. Zé Henrique era exatamente essa a minha intenção quando fiz o post: mostrar lançamentos de artistas que têm experiência, mas passam longe dos holofotes.

    Crime inafiançável deixar artistas talentosos como estes no limbo. E, Gabriel, Ry Cooder é fodão também!
    Valeu!!

  3. Fala, Tiagão, nem tinha ligado o nome a pessoa.
    Nunca mais dei uma passada no seu ótimo site…
    Vou lá depois.

    Abraço.

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