“White Chalk”, de Polly Jean Harvey

por Marcelo Costa

A grande maioria das pessoas odeia mudanças em seu dia-a-dia. Estão de certa forma atoladas na rotina diária que se alguém tirar o cinzeiro do lugar de costume e colocar no lugar um copo de gasolina, é capaz que ele jogue as cinzas de cigarro no mesmo lugar sem notar nenhuma mudança. E depois beber o líquido – se ele já não estiver jogado tudo pelos ares – sem saber o que aquele copo estava fazendo ali. Na música pop, a palavra mudar é quase uma ofensa. Por mais contraditório que pareça ser, fãs não pagam para que o artista seja criativo, mas sim para que ele não ouse sair um milímetro que seja daquilo que eles aprenderam a admirar. O culto ao mais do mesmo.

Em seu oitavo disco numa carreira marcada pela atemporalidade, Polly Jean Harvey coloca o rock e os sons de guitarra distorcida – tão característicos de sua persona pop – em uma redoma de vidro para voltar no tempo, mais precisamente 1861, ano em que o pintor James Abbott McNeill Whistler desenhou o quadro “The White Girl”, inspiração da capa deste “White Chalk”. Com esse retorno, PJ deixa no futuro os sons de guitarra, baixo e bateria trocando os por harpa, banjo e gaita, mas quem comanda a usina de melodias do álbum é o piano (aliás, tema de outro quadro de Whistler, “At The Piano”, em que uma mulher de roupas negras toca uma canção para uma garotinha toda de branco).

A busca de PJ Harvey pelo isolamento no passado é explicitada em diversas letras de “White Chalk” que valorizam a solidão e o silêncio (ao contrário de “Uh Uhu Her”, em que ela dava sinais de esperar o verão). Em “Dear Darkness” (com backings de John Parish, um dos produtores do álbum ao lado de Flood e PJ) ela faz uma declaração de amor para a escuridão: “Cara escuridão, você não vai me cobrir novamente? Fui sua amiga durante anos, você não vai fazer isso para mim, caríssima escuridão, proteger-me do sol?”. Em “Before Departure” ela escreve uma carta de despedida: “Adeus meus caros amigos, perdoem a minha franqueza e lembrem-se de mim na primavera”.

Na volta ao passado PJ encontra sua mãe, e pede em “Grow Grow Grow”: “Mãe, me ensine a crescer”; em “”To Talk To You” ela tenta falar com o avô; em “Silence” ela se liberta da família, do trabalho e de si mesma; em “The Piano” diz que ninguém a escuta enquanto repete que se perdeu de Deus; em “Devil” avisa que o Diabo está divagando em sua alma; “When Under Eter”, primeiro single do disco, é sobre uma pessoa em coma: “a mente está viva, mas sem consciência de nada, ela quer sobreviver”; em “Mountain” ela já não está sentindo nada em sua alma, e faz uma pequena profecia: “A primeira árvore não irá dar flores / A segunda não irá crescer / A terceira quase cairá / Uma vez que você me traiu… assim”.

A atmosfera do disco é densa, sombria, renascentista. Polly Jean Harvey canta muito, mas rasga a voz em poucas passagens. A bateria também é rara em um álbum que não deve e nem pode ser consumido como se fosse um produto fast-pop-food (como acontece com grande parte do Novo Rock, que satisfaz o desejo por alguns milésimos de segundo até serem descartados e trocados por algo mais novo… e praticamente igual), mas requer atenção e calma. “Broken Harp” soa como um resumo da obra com PJ cantando a capella nos primeiros segundos: “Por favor, não me censure / Minha vida tornou-se vazia / Eu não sei realmente o que aconteceu / Prestei atenção a sua decepção / E estou sendo mal interpretada / Mas vos perdôo”. As almas pequenas – que passam a vida a remoer pequenas certezas – podem dormir em paz. A deusa Polly Jean Harvey os perdoa. Amém.

“White Chalk”, de PJ Harvey (Universal)
Lançamento nacional: R$ 25 (em media)

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

8 thoughts on ““White Chalk”, de Polly Jean Harvey

  1. harpa, banjo, gaita,,, humm, daria então pra colocar esse novo da PJ no escaninho ao lado dos da Joanna Newsom, ou nada q ver?,,,

  2. disco de muler malamada não dá pra aturar… muler tem que saber segurar hômi no meio de suas pernas, senão é muler sem atitude… ahahah

    sou mais sandy!

  3. hehe, realmente, ponto pra Poly Jean, então.

    Isso me lembra qdo eu fazia minhas fitinhas cassetes há uns anos, cortando as músicas com mais de 4 minutos pra ver se cabiam até 10 no mermo lado. hahahaha

    Fiquei perito nessas edições,,, hehe mas tbm admito ter cometido algumas heresias graves, como qdo cortei abruptamente “I am the Resurrection” do Stone Roses bem naquele respiro antes do solo de baixo genial q carregaria a música até o fim. Imperdoável!!!

  4. cara, não sei! pelo menos, emos são recém-pós-adolescentes, agora muler malamalamada nem a literatura salva…

    abraço,
    Marcus
    PS: vai baixar minha demo?

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