Três shows em SP: Anna Tréa, Josyara e Jadsa

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Anna Tréa no Sesc Pompeia (30/05/2024)
Os primeiros registros da multiartista Anna Tréa na web datam de pouco mais de 10 anos e ela viveu esse período intensamente tocando ao vivo com Emicida (e participando ativamente das gravações de “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…”, de 2015), Arrigo Barnabé e Gaby Amarantos, lançando-se em carreira solo (com o álbum “Clareia”, de 2016), integrando a banda do programa Conversa com Bial e apaixonando-se por Barcelona, cidade para a qual mudou-se de mala e guitarras em 2019 (e a agraciou com um convite para o The Voice Espanha – isso daqui é de arrepiar). De volta ao Brasil para uma turnê, Anna pousou na choperia do Sesc Pompeia em pleno feriadão com um novo single a tiracolo (“Axé de Ouro”, que abriu a noite) e acompanhada de Alana Ananias (bateria), Danilo Moura (percussão), Rodrigo Wesley (baixo) e Martché (teclado). Anna é uma guitarrista incrível, uma excelente vocalista e uma entertainer de mão cheia, mas tudo isso parece surgir de maneira um tiquinho excessiva ao vivo, seja nos constantes pedidos pelo coro da plateia, seja pelas muitas notas da guitarra, seja pelo som do teclado, que preenchendo todo o espaço deixava pouco silêncio para as canções respirarem. É nítido que Anna é uma musicista espetacular, mas, muitas vezes, é preciso chegar ao amago da canção, onde menos pode ser mais (Lianne Las Havas demonstrou um pouco disso quando defendeu seu repertório com voz e guitarra diante de 1000 sortudos no Cine Joia, num dos grandes shows de 2023). No Sesc Pompeia, Anna parecia transbordar de emoção, algo que contagiou uma plateia que sabia de cor singles como “Sejamos” e “De Onde Vem?” e se encantou com as versões de “September” (Earth, Wind & Fire) e “Wannabe” (Spice Girls), canções que ela defendeu no programa espanhol. As coisas foram se ajeitando conforme a noite transcorria, e o show chegou ao auge quase ao final, como uma intensa versão de mais de 10 minutos de “Abras Asas”, que abre seu debute solo, deixando a certeza de que Anna Tréa é daquelas artistas que a gente precisa acompanhar de perto, porque coisa boa sempre pode surgir vindo dela. Fique atento.


Josyara no Itaú Cultural (01/06/2024)
A axé music virou febre no Brasil na segunda metade dos anos 1980 invadindo os anos 1990 e arrastando multidões de foliões (com coreografias decoradas) para o carnaval em Salvador. Formada em 1991 por Carlinhos Brown na capital soteropolitana, a Timbalada cravou diversos hinos no coração do público, e especialmente no de uma fã especial: Josyara. Nome forte da nova música brasileira, que lançou dois discaços nos últimos anos (“Mansa Fúria” de 2018 e “ÀdeusdarÁ” de 2022), Josyara decidiu homenagear a sua banda do coração com “Mandinga Multiplicação – Josyara Canta Timbalada”, um EP (lançado às vésperas do carnaval) de sete faixas ancorado apenas em voz e guitarras desnudando aquelas canções marcadas pela percussão com o poder de fazer o ouvinte flutuar e sonhar. Acompanhada apenas de Felipe Guedes (alternando-se entre violão e guitarra), Josyara abriu a noite mostrando números como “Ralê” (unida a “ladoAlado”, canção que ela lançou com Margareth Menezes), “U-maracá” e o emocionante trio “Meia Hora”, “Mimar Você” e “Namoro a Dois”. Antes de “Margarida Perfumada”, com o público auxiliando no coro no refrão, ela confessou aos presentes, que lotaram o aconchegante auditório Itaú Cultural, na Avenida Paulista, com um som excelente: “Timbalada é tudo pra mim. As músicas me tocam, falam de amor, são políticas, falam da cultura do lugar, dos sotaques rítmicos e tudo mais. É muita complexidade”. E ainda que sucessos do repertório da Timbalada tenham povoado o repertório do show (“Tá na Mulher”, o dub irresistível “Ginga de Balé” mais “Você Perguntou”, “Naná” e “Sambaê”) ao lado de canções que o grupo resgatou de nomes ilustres da Bahia como Os Tincoãs (“Ashansú”) e Edson Gomes (“Perdida de Amor”), o grande momento da noite se deu com uma música autoral de Josyara sobre saudade, “ÀdeusdarÁ” (que dá título a seu segundo álbum), unida com o hit “Beija Flor”, num daqueles momentos que a gente agradece pela existência da música na vida de todos nós. Emocionante! Viva Timbalada, viva Josyara!


Jadsa no Itaú Cultural (02/06/2024)
“Jadsa é guitarra, é distorção, é experimentação, mas também é diálogo, carinho e aconchego”, avisava o amigo Renan Guerra na introdução a sua entrevista com a artista em 2021, celebrando o lançamento do maravilhoso “Olho de Vidro” (2021), que está prestes a ser reeditado em vinil. Renan também explicava: “O álbum ‘Olho de Vidro’ celebra nomes como Itamar Assumpção, Gal Costa, Tulipa Ruiz e Luiza Lian, tudo na mesma medida em que mira o futuro”. E tudo isso, sem tirar nem por, esteve presente de maneira poderosa no palco do Itaú Cultural no primeiro sábado de junho. Acompanhada de uma banda realmente POWER (Pedro Bienemann no baixo, Bianca Predieri na bateria, Felipe Castro na percussão, Felipe Galli nos efeitos mais Loreta Colucci e Marina Melo nos backings – as duas já entrevistadas pelo Scream & Yell), Jadsa inverteu de maneira especial o cronograma entrando em meio a plateia enquanto a banda mastigava o arranjo da canção “POWER”, que bateu nos 11 minutos intensos com a artista regendo o grupo e apresentando os músicos no início do show. Com a plateia nas mãos após uma aberta incendiária, Jadsa seguiu encantando com versões que recriavam as músicas de “Olho de Vidro”, como se o álbum fosse um registro de um determinado momento do arranjo das canções, e elas seguissem se recriando e ganhando vida a cada ensaio, a cada show, a cada cair de noite, a cada amanhecer de dia. “A Ginga do Nêgo”, a contagiante “Já Ri”, as mântricas “Lian” e “Raio de Sol”, mas o melhor exemplo talvez seja “Mergulho”, que registrada numa versão delicada na abertura de “Olho de Vidro”, ao vivo se transforma numa epopeia psicodélica que ganha ainda mais impacto com a citação / incorporação de “Diversões Eletrônicas”, clássico do álbum “Clara Crocodilo” (1980), de Arrigo Barnabé, no arranjo. Daquelas coisas que não se descreve, é preciso ver ao vivo. Se a noite já estava especial, ficou ainda mais com a entrada de Tulipa Ruiz na deliciosa “Sem Edição”, estendendo-se com versões de “Kamikae Total” e “É”. Que momento! Acompanhe Jadsa e, se estiver por perto, não perca seu próximo show! Não perca! É de lavar a alma!

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

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