Música: “Get Up EP”, da banda adolescente sul-coreana NewJeans, é quase perfeito, e ainda conta com uma obra prima do “pining”

texto por Ana Clara Matta

Se você procurar a tradução do conceito de “pining” em um tradutor, ele lhe entregará com resposta o termo “anseio”, uma palavra negativa que se relaciona com ânsia, ansiedade. Uma sensação ruim na barriga, uma palpitação no coração. Algo positivo se perdeu na tradução. O lado bom das borboletas no estômago, o acelerar agradável do coração. “Pining” é nada mais do que a sensação que mais define o ser adolescente, e o termo que mais se aplica ao novo EP da banda adolescente NewJeans, o “Get Up EP” (2023).

O ser adolescente está em constante antecipação – de um encontro, de uma declaração, de uma conversa no corredor, do seu futuro e tudo que ele pode trazer. “Pining” é gostar de alguém e não saber como externalizar esse sentimento, é imaginar até tarde da noite como será sua vida após o fim do colégio. Até certo ponto, um período tão definido por esse sentimento é inevitavelmente solitário, ele se passa todo em um constante diálogo dentro de sua própria cabeça, dominado por uma constante sensação de “ah, eles não entenderiam”.

Com cinco vozes impecáveis de timbres relativamente similares (incomum em um grupo vocal, no qual ranges e tons diferentes são normalmente valorizados como composição de um todo), a sensação nas canções dessa nova fase do NewJeans é a de ouvir um monólogo da mente de uma adolescente, com pensamentos se sobrepondo, ideias contraditórias coexistindo, por vezes em harmonia, por vezes sincopadas como se partes da sua personalidade não estivessem em fase.

Capa de “Get Up EP”, do girl group sul-coreano NewJeans

A música eletrônica tem algo de “pining” inscrito em sua fórmula. Quando surgiu, como disco music, foi o primeiro gênero musical a libertar o dançarino da necessidade de um parceiro na pista de dança. Você finalmente podia se perder nas batidas no seu próprio universo, cercado por letras sobre amor romântico e realização, mas sem a necessidade da concretização na forma de um convite para dançar junto. O breakbeat, a quebra das batidas desse gênero, tornou mais turbulenta e frenética essa espera, como o coração ansioso de quem espera por um drop, pela libertação da batida, pela realização do crush.

O eletrônico surge em muitas de suas formas mais “low tempo” neste EP. É interessante como que gêneros que nasceram da comunidade gay dos anos 70 e 80 como a UK Garage, Jungle, House e High Energy, uma comunidade que em tempos de homofobia extrema era restrita em espaços públicos aos olhares e ao flerte sutil, hoje ressurgem tão fortemente como o gênero de adolescentes tímidas navegando a tensão solitária do primeiro amor.

“Super Shy”, principal single do álbum do NewJeans, é um exemplo sublime de UK Garage, com a maior taxa de batidas por minuto da carreira do grupo, uma batida 4×4 persistente e hi hats freneticamente sincopados – um coração batendo agitado enquanto a voz reafirma que se é tímido demais para dizer o que sente. Enquanto isso a ansiedade de “ETA” é mais noturna, olhos ansiosos que esperam uma amiga dar notícias em um app de mensagens sobrepostos a uma batida de inspiração Funk Carioca e metais esgarçados na mixagem.

O NewJeans começa lentamente a ganhar um impacto que transcende o universo KPop, mas enquanto isso acontece, a ilusão de que o jogo de gêneros feito pelas meninas é sem precedentes na indústria musical coreana, com muitos apontando que “NewJeans não soa como KPop”. O DNA do NewJeans no KPop é fortíssimo, e em uma relação imediata é impossível não citar duas bandas que dividem com o quinteto de meninas o papel de diretora criativa, a viciada em controvérsias Min Heejin: Shinee, especialmente em seu momento de maior influência deep house no single “View” (2015), e especialmente o f(x), girlgroup experimental da SM Records, que trazia uma paleta ainda mais ampla de influências eletrônicas. Traços do que é feito agora pelo NewJeans estão nas batidas indie/synthpop em uma subunit do Loona, a Odd Eye Circle, nas harmonias r&b do Red Velvet e nas influências dream pop/synthgaze do Tomorrow X Together. Não é uma reinvenção da roda – é um exemplo de execução quase perfeita de uma somatória que está sendo produzida há anos em uma cena musical.

Ainda mais interessante é que essa execução quase perfeita inclui os esforços criativos das jovens membros do NewJeans, com créditos de composição em todos os trabalhos da banda até agora. Na produção um dos principais responsáveis pelo som do NewJeans é 250, que lançou em 2022 um brilhante álbum pessoal inspirado em gêneros tradicionais coreanos chamado “PPONG”, e que antes de produzir para o NewJeans já havia trabalhado com o BTS no funk pop “Look Here” (com um loop irresistível de violão) e com o NCT 127 na moderna “Chain”.

Se o “Get Up EP” é apenas quase perfeito, o quase fica por conta do sequenciamento das músicas. A faixa-título, uma balada eletrônica sutil e melancólica, funcionaria melhor como uma intro a “Cool With You”, faixa mais contemplativa dentre os singles do EP. Por outro lado, uma sequência de “ETA” e “ASAP” não só traria um diálogo interessante de títulos (“Tempo estimado de chegada” e “assim que possível”) como também terminaram o disco com batidas mais fragmentadas e o pulso de um relógio impiedoso.

Os dois clipes de “Cool With You” (lado A e lado B) resumem muito o espírito do EP. Em um quase curta metragem, com um elenco de peso que inclui Jung Hoyeon da série “Squid Game” e o ícone Tony Leung, astro do cinema de Hong Kong conhecido por, dentre outras obras, seus trabalhos com Wong Kar Wai, o NewJeans observa como um coro grego (as vozes) a história de Psiquê e Eros se desenrolar. Assim como os filmes de Kar Wai, “Cool With You” é uma obra prima do “pining” – de uma beleza apenas observada, de uma solidão contemplativa, dessa tal super timidez, e da arte, que no fim das contas, é sempre “pining”, por uma cena em um quadro de museu, por diversas coisas intangíveis, pela juventude e pela promessa que se esconde no contraponto de cada batida sincopada.

– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do  Ovo de Fantasma e escreve para o Scream & Yell desde 2016.

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