Entrevista: Giovani Cidreira

por Renan Guerra

O baiano Giovani Cidreira é um veterano da cena local: em 2006 ele já se apresentava a frente da banda Velotroz. Mas foi só em 2015 que ele decidiu se aventurar na carreira solo com um EP homônimo. De lá para cá, Giovani conseguiu o patrocínio da Natura Musical e veio trabalhando meticulosamente em seu disco de estreia, “Japanese Food” (2017). Recém-lançado em parceria com a Balaclava Records, o trabalho tem como título o nome de uma banda imaginária da infância de sua namorada, o que confere um ar nonsense para o projeto.

De caráter nostálgico, porém atento ao nosso tempo, Giovani Cidreira cria um disco extremamente sólido, que não se perde em seu universo amplo, versando sobre temas diversos, desde o vazio de nossas vidas até a complexidade de se viver nas cidades nos tempos atuais. De referências que vão de Clube da Esquina a Mac DeMarco, “Japanese Food” é um álbum de camadas, que vai envolvendo o ouvinte, que quando menos percebe descobre novos sentidos para uma determinada canção. O próprio artista já revelou que ele mesmo ainda descobre aos poucos o significado daquilo que escreveu.

Gravado no estúdio Casa das Máquinas, em Salvador, o álbum é dirigido por Tadeu Mascarenhas, Filipe Castro e pelo próprio Giovani, e conta com a mixagem do carioca Diogo Strausz. Disponível para download gratuito no site do artista, “Japanese Food” é, desde já, um dos grandes lançamentos nacionais de 2017, aquele tipo de disco que você ouve e, na hora, já separa para sua listinha de melhores do ano. Para falar sobre a produção do disco, a cena baiana e suas influências, Giovani Cidreira conversou por telefone com o Scream & Yell e o bate papo você confere abaixo.

O “Japanese Food” foi gravado com o patrocínio da Natura. Como foi esse processo?
Um amigo meu, o Tadeu Mascarenhas, me falou do edital. Eu estava fazendo shows aqui em Salvador e tinha lançado um EP. Fui ao estúdio dele procurando-o para uma gravação, eu estava com um repertório para gravar talvez um (outro) EP, e ele me falou do edital. Com a ajuda de mais dois amigos escrevi o projeto, mandei e foi assim, uma coisa inesperada e maravilhosa. Eu estava com as músicas ali guardadas há um tempo, tocando elas nos shows, então veio numa hora perfeita. E o Tadeu Mascarenhas acabou dirigindo o disco.

Você acredita que esse tipo de patrocínio de empresas, como a Natura e a Skol fazem, é um caminho positivo para a música independente?
Com certeza, porque na internet, em nosso campo de trabalho, há muita informação, muita dispersão. A gente não tem ideia do tamanho e da quantidade de artistas que todo dia vai chegando. Acho que esse tipo de projeto traça um tipo de panorama, então dá pra levantar pessoas assim como eu, que nunca teriam a possibilidade de gravar um CD, sabe? Acho que deveriam existir mais 20 projetos desses; muito mais!

Além do Natura Musical, seu disco está sendo lançado pela Balaclava Records. Como se deu esse contato com o pessoal de São Paulo?
Isso aí foi a vida! [risos] No final de 2016 fui a São Paulo, era a minha segunda vez lá. Eu tinha ido mixar o disco com o Diogo Strausz, e como eu já estava no Rio, pensei: “Vou pra São Paulo, é pertinho”. Eu não teria outra oportunidade para ir a São Paulo se não fosse naquela hora. E fui sem grana, sem nada, fazer uns shows. Fiquei hospedado na casa dos meninos do Maglore, que são meus conterrâneos e amigos há muito tempo. Nessa onda de procurar bandas acabei conhecendo o Rubens Adati, que toca com o Ale Sater, do Terno Rei. A gente armou um show juntos, convidei eles pra tocar comigo no Breve, uma casa que é da Balaclava, no bairro da Pompeia. Fiz esse show e acabei conhecendo os meninos, o [Rafael] Farah ficou super interessado nas músicas e me disse que se eu precisasse de alguma ajuda, eles estavam por aí. Quando cheguei a Salvador, a gente começou a trocar mensagens no Facebook, trocando figurinhas. A coisa se desenrolou assim. A gente vai conhecendo as pessoas que gostam tanto quanto a gente e as coisas vão acontecendo.

No caso do Diogo Strausz também foi por esses caminhos distintos que você acabou conhecendo e trabalhando com ele, não?
Teve um determinado momento da produção do disco que achei que a gente já estava muito submerso nele. Havíamos submergido muito nas músicas e, para mim, devíamos ter uma visão de alguém de fora trazendo novos ares para o CD. Sou fã do trabalho do Diogo, tanto do disco da Alice [Caymmi] que ele gravou quanto do disco solo dele, que é muito bom e eu estava ouvindo muito na época. Então mandei uma mensagem: “Pô, e aí cara, vamos mixar esse disco?”. Mandei as músicas e ele gostou e topou. Fui pro Rio, na casa dele, e foi ai que a gente se conheceu pessoalmente. Foi tudo assim.

As suas influências são bem amplas e algumas bem notáveis no trabalho, como o Clube da Esquina, por exemplo. O que mais te influenciou nesse processo todo?
Acho que fiz meio que uma volta pra mim mesmo, porque na época comecei a visitar umas coisas que eu não ouvia fazia um tempo, tipo Prince, Legião Urbana, Madonna. Acho que são coisas que apareceram em timbres no disco. E Clube da Esquina é um negócio que sempre ouço, Milton Nascimento para mim é o maior cantor do planeta! E isso faz parte da minha formação musical mesmo. Na adolescência, era o que eu consumia. Meus amigos estavam ouvindo, sei lá… o rock que estava rolando na época e eu estava comprando vinil do Roberto Carlos, do [Gilberto] Gil, da Elizete Cardoso, da Elis Regina, do [João] Bosco, do Belchior, do Fagner, do Itamar [Assumpção], do João [Gilberto]. E hoje em dia isso é uma coisa meio intrínseca em mim, foi um negócio que consumi tanto que nem preciso estar ouvindo pra fazer algo que remeta. É algo que está bem enraizado.

A banda que te acompanhou nesse processo de gravação é formada por baianos, né?
Tenho uma banda em Salvador e outra em São Paulo. Aqui em Salvador toco com dois meninos da Maglore, que é o Felipe [Dieder], o baterista, e o Lelo [Brandão], que é a guitarra, mas pela agenda dos caras não dá pra gente alinhar todos os shows, isto é, os meus shows e os deles. Meu plano é fazer uma banda em cada lugar do país. É um caminho para mim, fica mais fácil. Agora mesmo vou pra São Paulo em maio, e aí já estou formando outra banda diferente. O Ale Sater vai tocar o baixo comigo, o Rubens Adati vai continuar tocando guitarra e estamos em busca de um baterista.

Você acredita que ainda há essa dificuldade de produzir música para quem está fora do eixo Rio – São Paulo?
Não sei… Acho que o Rio não tá mais nesse eixo tanto assim. Achei o Rio parecido com Salvador. Parece que tem muita coisa fervilhando, mas não tem lugar pra tocar. É mais dificultoso… e é tão dificultoso quanto Salvador. São Paulo é, para mim, a melhor cidade para trabalhar com música hoje. Enquanto o Rio sofreu com essa falência da indústria das grandes gravadoras, parece que a galera de São Paulo nunca precisou disso e está se virando sozinha há um tempo. Tenho a impressão de que isso está mais estruturado na cabeça das pessoas lá.

Como você vê a cena alternativa da Bahia? Ainda há aquela dicotomia entre rock e axé, de que os dois não se misturam?
Sim, sim, aqui o que não falta é gente pensando isso. Eu nunca disse isso, nunca pensei em dizer isso. Mas hoje é a melhor fase que Salvador atravessou nos últimos tempos em questão de música. BaianaSystem é um grande exemplo. Livia Nery é outra cantora porreta daqui. Tem rolado várias bandas legais. Fazia tempo que eu não gostava tanto das coisas que estão sendo produzidas aqui. O Ifá lançou um disco foda pela Natura também dia desses. Acho que a gente vive um bom momento, mas aí também é aquela velha história da atuação econômica da cidade, toda essa situação que fica difícil trabalhar mesmo, pois aqui não há lugar pra tocar. Até temos algumas casas e tal, mas não é o suficiente para a quantidade de gente que está fazendo coisas aqui.

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Azevedo Lobo / Divulgação

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