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Antológicas
Saiu o pirata do ano! Ache quem puder!
por
Pepe Escobar
Título
On Strike (Em Greve)
Subtítulo,
na contracapa: ...Or Songs The Lord Taught Us (...Ou
as canções que o Senhor nos Ensinou)
Banda:
Echo & The Bunnymen, os mestres de Liverpool, a maior banda
do planeta
(depois dos Doors e Velvet, claro)
Gravadora:
Psychedelic Moose Records
Gravação:
em "qualquer cidade, qualquer lugar, qualquer tempo", segundo
os "créditos".
Sim,
é pirataria, e da braba. E, numa votação
através dos tempos, desde o primeiro pirata de Buddy
Holly pelos backyards da América, está decretado:
este é o melhor já aparecido na Inglaterra, pelo
menos nessa década. Onde
achá-lo? Não tem. Se tiver, vai custar o preço
de uma discoteca.
Possibilidade
de encontrar: o mercadinho de sábado da Portobello Road,
Londres, na pracinha debaixo do viaduto. Lá e pelas
redondezas estão entre cinco e seis banquinhas especializadas
em pirataria. Desde fitas de shows com diversas qualidades de
gravação (do mixing desk até microfone
de walkman) a álbuns duplos com altas fotos de capa,
vinil de primeira e dolby stereo. Esse pirata do Echo foi comprado
de um hippie remanescente, em cuja banquinha havia pelo menos
vinte edições diferentes do Cure, adarkalhações
mirabolantes do Sisters of Mercy, uns cincoenta Bruce Springsteen,
um duplo dos Cramps de abrir tumba na Transilvânia e uma
fartíssima seção heavy. O
Echo era o último e, segundo o hippie, quase inincontrolável.
Seu preço no mercado logo passaria para 50 libras, cerca
de 80 dolares.
É,
sem dúvida, ou um show ao vivo. Mas impossível
saber onde. A gravação é excepcional para
um pirata sem dúvida de uma boa mesa digital. Deve
ser de 85, época durante a qual Big Mac e seus coelhinhos
estão tocando o que tocam. E o que tocam, pelas barbas
do patrono da Guinness, é de se provocar romaria a Liverpool. Nesse
vinil das esferas está simplesmente reunida toda a constelação
à qual os Bunnymen prestam homenagem e crédito
desde que nasceram. Tudo em cima: formação original,
com Pete de Freitas destruindo na bateria e Big Mac infernal
na guitarra rítmica.
Temos
Friction do Television (álbum: Marquee Moon),
o tributo de Mac a Tom Verlaine. Selvagem, uma versão
de corar Verlaine, com Mac puxando no sotaque melancólico
de cerveja preta. Temos In The Midnight Hour, clássico
soul de Wilson "Wicked" Picket, cover dos Bunnymen há
pelo menos três anos, regularmente. Temos The Big Country,
tributo ao Talking Heads.
Temos
uma bomba, linha Abu Nidal: a dylanesca It's All Over Now
Baby Blue, onde Mac só falta fazer o céu desabar
na terra. Sofre, dilacera-se, o fio de voz escapa ao final de
casa verso, para dylanescamente anasalar-se no seguinte e tonitroar
quase com um sotaque francês quando ele articula "baby
bleeeeeeeeuu". Will Sargeant pontua como um som de caixinha
de bailarina e Les Pattinson carrega tudo no baixo. De Freitas,
não é preciso dizer, confirma que é o melhor
baterista das ilhas. Brilhante.
Tem
mais. É uma infecção. Tributo ao Doors.
Começa com Soul Kitchen. Big Mac não tenta
imitar Morrison. Sussura enquanto Sargeant psicodeliza, e se
atracam "stormig on the neon floor...", com uma sombra de digital
delay. Passamos para Thorn of Crows embora o corpo
ainda continue suingando com Kitchen, demonstração
irrepreensível do mix "black and white" dos Bunnymen.
"Thorn" é Bo Diddley viajando de LSD, e só pode
desabar em The End. Baixou o Espirito Santo em Big Mac:
ele recria o pesadelo psico-edipiano de Big Jim (deve ter tomado
uma fábrica de Guinness), apenas para estourar o final
de "Thorn", onde grita como um elfo ensandecido.
E
o Velvet? Ah, junkerie, é claro. Em duas versões:
Run Run Run, orientalizante, e There She Goes Again,
com clima de garage band tocando em salão de debutante.
Sargeant faz o som John Cale (deve ter treinado anos no seu
quartinho) e o final tem tudo para desembarcar em I'm Waiting
For My Man. Loulou, fase negra, aprovaria.
A
tempestade em alto mar conclui-se com Action Woman
que não consigo lembrar de quem é, mas parece
Blue Cher em São Francisco, 1967. Os Bunnymens são
capazes de tudo: e garage a funk, de junkação
terminal a balada countrizada. Acabou? Não. Ainda falta
mencionar Paint It Black, de uns certos Rolling Qualquer
Coisa, com o qual os Bunnymen encerram todos os seus shows.
A
vida pode ser negra, o mundo pode ser negro, mas, graças
ao Senhor das Profundezas, ainda existem piratarias como esta.
Bizz
Nº 17 Dezembro de 1986. Pepe Escobar
Leia
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1998 em SP, por Marcelo Costa
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Site Oficial Echo and The
Bunnymen
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