"Rock and Roll, Drogas e Sexo, nessa ordem" - Ian McCulloch
Por
Marcelo Costa
Fotos: Scream & Yell
Novembro de 2001
Vivemos em uma época carente de rock stars. As paradas
de sucesso estão recheadas de garotos que mais parecem
ter saído do caixa de um banco do que de uma banda de
rock. Ou então são garotos de 20 anos que pensam
e agem como se tivessem 7. Delicadeza de um lado, escracho do
outro. A inteligência e o inconformismo se perderam.
Ok,
vamos tirar Liam Gallagher, do Oasis, dessa turma. Liam encarna
perfeitamente o espírito "sexo, drogas e rock and roll",
unindo-o a atitudes provocativas. O único senão
é que a atitude do vocalista do Oasis é copiada
milimetricamente, até no jeito de andar, de um outro
inglês, de Liverpool: Ian McCulloch. Liam até contentou-se
em fazer um backing vocal inaudível no single de volta
do Echo & The Bunnymen, em 1997, Nothing Lasts Forever.
O crédito está lá, a voz de Liam...
Ian
McCulloch é a voz, a poesia, e o sexo, drogas e rock
and roll do Echo & The Bunnymem (o outro membro da formação
original é o guitarrista Will Sargeant). Os Bunnymen
são uma das principais bandas do mundo e seus quatro
primeiros álbuns (Crocodiles, Heaven Up Here, Porcupine
e Ocean Rain) são figurinhas fáceis em
qualquer lista de melhores de todos os tempos. A fórmula
musical era um resumo do movimento pós-punk: traduzir
as grandes bandas dos anos 60 e 70 (no caso deles, Doors, Velvet,
Stones e Beatles) para o público dos anos 80, sem aquela
encheção de lingüiça que era o rock
de arena e progressivo da primeira metade dos anos 70. "No More
Heroes", como cantavam os Stranglers.
É
difícil pensar que não existem mais heróis
quando se está frente a frente com Ian McCulloch. O cara
representa tudo aquilo que uma pessoa que gosta de rock and
roll admira. Ele é o responsável por algumas das
mais belas canções da língua inglesa (ele
quem diz), fez dezenas de shows memoráveis (os do Brasil,
em 1987, são apontados por muitos, até hoje, como
os melhores shows de rock em solo pátrio) e pulou fora
do barco quando o Echo & The Bunnymen estava prestes a virar
super banda, daquelas que são mais conhecidas do que
Jesus Cristo.
A
banda acabou logo em seguida, isso em 1989, e retornou em 1997
com o elogiado "Evergreen" (após brincar de ser grunge
no projeto Electrafixion). Após exercitar sua paixão
por Burt Bacharah e baladas orquestradas no álbum seguinte,
What Are You Going To Do With Your Life?, Ian volta com
Flowers, que mais parece a vingança do guitarrista
Will Sargeant.
"Em
Flowers fizemos o inverso do que aconteceu em What
Are You Going. Will apareceu com as canções
e eu fui levado pelo fluxo. Por isso tem muitas guitarras. Não
interferi muito", conta o vocalista.
Ian
veio ao Brasil divulgar o novo álbum e acertar shows
da banda para fevereiro de 2002. Entre muita bebida, tietagem
feminina e atitude rock and roll, conseguimos uma hora e meia
"face to face" com o vocalista que já esfregou bifes
de carne na cara de Morrissey, já detonou metade do showbiz
mundial e é torcedor fanático do Liverpool. Com
vocês, o Sr. Modéstia em pessoa, Ian McCulloch.
Ian,
é a sua terceira vinda ao Brasil. O que mais te agrada
e o que mais te assusta aqui? Ian
McCulloch - O que mais gostei foram das pessoas, tanto em 1987
quanto em 1999. Quando eu gosto de um lugar, é sempre
porque as pessoas desse lugar são legais. Assim acontece
também em Nova York, em Liverpool. Quando eu gosto das
pessoas acabo gostando do lugar. Aqui no Brasil, as pessoas
vêm em primeiro lugar. Depois a caipirinha e o futebol.
Acho que gosto das pessoas daqui porque elas sempre estão
felizes, apesar de todos os problemas. É bem diferente
do que acontece na Inglaterra.
E o que te assusta? Nada
me assusta. Sinto-me bem aqui, me sinto em casa.
Quando
você tinha 13 anos, em 1973, você já ouvia
rock? Já pensava em ter uma banda de rock?
Sim,
mas eu fui pensar nisso (ter uma banda) um pouco depois, quando
vi David Bowie na televisão, no Top of The Tops
(programa de música da TV Inglesa, muito semelhante ao
extinto Globo de Ouro). Foi a primeira vez que fui atraído
pela música e pensei: é isso que eu quero ser.
Foi quando eu acordei para a música. Mas antes disso
eu queria mesmo era ser jogador de futebol. Se eu fosse jogador
de futebol seria como o holandês Davids, eu jogaria com
óculos iguais aos dele. Se eu não fosse músico,
certamente eu seria um jogador de futebol, claro, antigamente.
(risos) (Edgar Davids, um dos melhores jogadores de futebol
da atualidade, joga com uns óculos especiais devido a
um glaucoma).
Invertendo
a questão. Olhando para trás, quais as melhores
lembranças desses 20 anos? (um
longo suspiro). Eu teria que ficar 20 anos contando para você
as melhores lembranças... mas, bem, se eu fosse escolher
as cinco melhores... os shows do Brasil em 1987. Definitivamente
eu não imaginava que tivéssemos fãs aqui
e foi grande. Também a série de shows que fizemos
no Royal Albert Hall, na Inglaterra, um pouco antes...
Eu
me lembro de pequenas coisas, coisas simples, como, por exemplo,
um dia em que eu estava em casa, deprê, muito pra baixo.
Eu estava bebendo há semanas e estava mal, e um amigo
ligou me convidando para ver um jogo de futebol, mas eu não
estava com o mínimo saco para ir ao estádio. No
fim, ele acabou me convencendo e fomos. Chegando lá,
sentamos logo nas primeiras fileiras e havia um cara enorme,
super mal-encarado, com um boné com as cores de um time
de um lado, e as cores do outro time do outro. O cara começou
a me olhar e eu comecei a ficar com medo. Então ele começou
a vir em minha direção, e eu já estava
pensando que iria levar uma surra, mas ele me olhou e disse:
"Eu sou seu fã. Você mudou a minha vida, a sua
música mudou a minha vida. Eu amo o seu trabalho". Sabe,
eu adoro meus filhos, minha família, mas essa coisa de
sair de casa pra baixo e uma pessoa que você nunca viu
antes chegar e dizer "você mudou a minha vida", isso é
fantástico, é mágico.
Você
sabia que muitas pessoas no Brasil acham que você é
Deus? Eu
também me considero uma divindade. Durante muitos momentos
da minha carreira, eu tive a melhor voz do mundo. E eu ainda
faço algumas coisas bem melhor do que os outros. Compor,
por exemplo. Mas, você sabe, David Lee Roth faz as coisas
que ele se propõe a fazer bem melhor do que eu.
Você
leu o livro Alta Fidelidade, do Nick Hornby?
Alguém
comprou pra mim, mas eu não li. Eu não gosto muito
de ler. Meu irmão mais velho, de três em três
meses, aparece em casa com vários livros, dizendo: "esse
você precisa ler, Ian". Mas eu não tenho muita
paciência. Acho que é porque a história
dos livros nunca é a história real, por mais que
tente ser. É por isso que eu não gosto do U2.
Eu não acredito que o que eles falam é real. O
Alta Fidelidade talvez eu leia, porque sei que fala de
música e shows, mas eu não gosto de ler. Livros
são muitas palavras e palavra por palavra eu prefiro
palavras cruzadas.
O Alta Fidelidade é bem legal, e uma das coisas
bacanas do livro são as listas. Uma, muito comentada,
fala sobre as 5 melhores músicas de todos os tempos.
Ian, quais as suas cinco de todos os tempos? As
melhores músicas ou as de que eu mais gosto?
As
de que você mais gosta. Uhmmm,
essas coisas mudam sempre, e amanhã eu teria outra(lista)...
Changes,
David Bowie.
Pale Blue Eyes, Velvet Underground
I Just Can't Help Believe, Elvis Presley
Summer Wind, Frank Sinatra
Famous Blue Raincoat, Leonard Cohen
Você
não gostaria de saber quais os meus cinco times de futebol
prediletos?
Claro... Liverpool.
Liverpool reserva.
Liverpool dos anos noventa.
Liverpool de todos os tempos
Liverpool juvenil. (risos)
Você
foi ver Corinthians x Palmeiras ontem. O que achou do jogo?
Foram
muitos gols, mas o jogo foi mais ou menos. As defesas eram ruins
e os goleiros eram uma droga. E o campo não ajudava.
A bola quicava de um jeito diferente. E as torcidas inglesas
são mais alegres do que as torcidas daqui.
Trouxe
um presente para você...
Ahhh,
Corinthians... (Ian abre um sorriso e agradece em português).
Muito obrigado. A malha é boa, vou usar em Liverpool.
Eu sinto que as garotas de lá gostam dessas coisas (de
se usar camisas de times), mas meus amigos vão rir de
mim. (risos)
Essa é a camisa do time campeão do mundo pela
FIFA!
Não!
É o Liverpool. (muitos risos). Nós vencemos a
Copa da UEFA esse ano e já estamos em segundo lugar no
campeonato inglês. Vocês, campeões do mundo?
Tenha paciência (mais risos). Vocês não devem
nem ser um dos principais times do Brasil.
Somos
sim!!! É
muito legal isso no futebol, essa coisa de ser orgulhoso pelo
time, independente se ele é campeão ou não.
Isso é muito comum na Inglaterra e é fantástico.
Bem, a próxima pergunta é em três partes.
Eu gostaria que você comentasse "sexo, drogas e rock and
roll". Eu
comento, mas não nessa ordem. Tem que ser ao contrário:
rock and roll, drogas e sexo. (risos) Não é que
sejam as minhas preferências, mas é assim que funciona
a cronologia. Vou seguir essa cronologia.
Rock
and roll é bom, é o primeiro. Envolve muita gente,
e por isso aparece muita banda ruim. São muitas bandas,
não vejo sentido nisso. Se você quer ter uma banda,
que tenha uma banda que faça boa música. Hoje
em dia é uma infinidade de cds, bandas, muita música
ruim, e isso é uma pena.
Falar
o que sobre drogas... (apontando o copo de vinho ao lado). Drogas...
hummm, manager, ajude-me (risos). Eu seria hipócrita
ou estúpido se eu falasse algo contra as drogas. É
aquilo, depende da pessoa que usa, e como usa.
E
sexo... deve ser terrível com meu empresário...
nem quero imaginar (risos).
Anos
atrás você disse que fazia canções
buscando compor a melhor música de todos os tempos. Você
dizia que The Killing Moon chegava perto, mas não
era "a" música. Como está a busca?
Eu
encontrei as onze melhores músicas de todos os tempos
e estão todas reservadas para o meu próximo álbum
solo, que sai em maio (risos). Bem, talvez Ocean Rain
seja essa música. Toda vez que eu a toco, sinto algo
inexplicável, e muitos jornalistas falam isso também.
Mas The Killing Moon e Nothing Lasts Forever também
estão no páreo. Ah, e todas as canções
do álbum Flowers. (risos).
Como
surgiu The Killing Moon?
Boa pergunta. Foi como um sonho. Eu estava trabalhando há
algumas semanas na canção. Já tinha o riff
inicial, uns dois ou três acordes (cantarola a entrada
de Killing Moon), mas não conseguia desenvolvê-los.
Então eu acordei no meio da noite, do nada, com a canção
inteira na cabeça, como se Deus tivesse soprado ela para
mim. Eu peguei a guitarra e comecei a tocá-la. Eu tinha
toda a melodia... 'Fate / Up against your will'. No outro dia
cheguei para os outros caras da banda e mostrei as notas, os
acordes, e eles ficaram dando palpites de muda aqui, mexe ali,
mas eu disse que não iria mudar nada, que ela seria daquele
jeito. Essa acabou sendo a primeira canção no
Echo & The Bunnymen que eu fiz inteiramente sozinho. Eu
pensava, 'essa é a minha música, eu que fiz essa
música'. Orgulho-me muito de Killing Moon por
ter sido a primeira música que escrevi sozinho, dentro
da banda.
Outro
dia eu acordei com o joelho do Ronaldinho. (risos) Passei o
dia inteiro mancando e com dor no joelho. Veio do nada, da mesma
forma que Killing Moon... (risos)
O que mudou nas suas composições depois da volta
da banda?
Elas estão mais líricas, acredito. Apesar de não
existirem mais aquelas orquestrações e toda a
pompa que tínhamos em Ocean Rain e Porcupine.
Eu costumo falar mais das coisas reais, da minha vida, do agora.
Eu estou mais reflexivo. Antes eu confrontava as coisas. Acho
que é a idade. Mas agora eu consigo pensar nos melhores
títulos de álbuns de toda a minha carreira. Na
verdade, eu gostaria de voltar apenas como cantor. Acho que
sou o Frank Sinatra do século 21, mas melhor em alguns
pontos. (risos) Quero que pessoas escrevam músicas para
mim. Mas pessoas como Nick Cave, não Paul Weller.
S&Y:
O que os fãs podem esperar do Echo & The Bunnymen,
daqui pra frente?
O
melhor, que foi o que sempre demos a eles. Fantásticas
rock songs. Nós fazemos isso com uma naturalidade incrível.
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