A angústia
do não vivido
por
Flávia Ballve B.
Talvez só eu tenha essa sensação
esquisita – embora a estatística seja cruel com megalômanos
como eu. Eu estou indo viajar – digo, morar fora do país por 4 meses
– e viver algo totalmente diferente do que minha vida é – que é
minha casa, em casa, com os pais, na minha cidade, aqueles amigos que eu
já conheço e nunca consigo encontrar etc. Todas as alegrias
e pequenas dores já bem conhecidas e classificadas. Sei que por
aqui tudo vai estar bem, meus pais vão continuar vivendo como sempre,
meus amigos vão continuar com seus trabalhos e namoros e dúvidas.
Todo mundo que eu amo estará
bem e em segurança, e se ocorresse algum perigo sei que não
poderia fazer nada de sobre-humano para salvá-los se eu estivesse
por aqui. Mas mesmo assim me dá uma certa angústia, de que
eles estarão todos experimentando sensações das quais
eu não estarei participando. Claro que eu também terei, lá,
experiências inéditas que não teria aqui e que eles
também não poderão participar. Mas é diferente:
a vida deles continuará aqui, e a minha lá será tão
nova que é como se fosse em outra dimensão; não uma
vida de verdade, mas um sonho ou algo assim. Era para eu ir vivendo lá
e aqui eu conseguir dar stop na vida de todo mundo, para que todos me esperassem
voltar para continuarem a viver, para que eu não perdesse nada.
Não é inveja, não
é que eu não quisesse viajar, é só que eu não
quero perder nada. Essa minha "ansiosidade" é que me mata. Esse
sentimento é como aquela angústia quando seu namorado vai
sair para um churrasco com a turma dele, por exemplo. Não é
ciúme, você confia nele, mas ele vai estar vivendo um pedaço
de vida legal que você não estará, você ficou
no trabalho, sei lá, e ele viveu coisas tão bacanas das quais
você não pôde participar. Ou sabe quando você
fica em casa num sábado à noite? A vontade que dá
é de que todo o resto do mundo fique em casa também, só
para você saber que não perdeu nada, que nada interessante
aconteceu pra ninguém.
Acho que no fundo isso é uma
grande insegurança. Parece que está todo mundo crescendo
e se divertindo e você na mesma; que todos os meus amigos vão
ter vidas legais e esquecer de mim, lá atrás, toda pequenininha.
Só que esse é um pensamento meio bobo mesmo, porque no fundo
a gente não esquece os amigos de verdade só porque estamos
vivendo outras coisas legais com outras pessoas. E essa insegurança
pode ser driblada por vários métodos aí que as revistas
tradicionais (essas Cláudias e Exames da vida) e os "livros" de
auto-ajuda não cansam de mostrar ("Controle sua insegurança!").
Mas eu não estou aqui no zine para falar das curas. Eu queria mesmo
era só falar desse sentimentozinho.
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