Quantos
livros cabem em uma pessoa?
Flávia
Dalcin Ballvé
Quantos
livros cabem dentro de uma pessoa ? Eu quase não li os clássicos,
mas funciono como uma esponja: lembro sempre dos nomes e contextos de todos
os lances culturais dos quais ouço falar. Tem o lado poesia, o lado
irônico, o lado holofote onde eu quero só contar as viagens
ma-ra-vi-lho-sas que fiz uma. Eu vivi muito
vivi muito?
Vejamos : experimentei maconha, fiz
mochilão, beijei 70 e poucos caras, transei com quase 10. Tenho
um amigo bicha, um poeta que namorei pela internet e morreu num acidente
de moto, uma paixão canadense que morreu de Aids acho, porque
sumiu. Meu pai morreu e eu não estava do lado dele; estava fazendo
intercâmbio na Franca. Meu avô morreu também na mesma
semana e quase que essas duas mortes tão repentinas e estúpidas
levaram a família toda pro buraco.
Mas aí o destino deu outro
piparote na gente (adoro « piparote » desde a época
da Emília no Sítio do Pica-pau Amarelo) e casei ! Tô
casada há uma semana, e como ainda não arranjei emprego aqui
meu maridao é francês e cá estamos ando lendo Machado
de Assis e a vontade de escrever reacendeu.
Não dá pra negar que
eu sou cria dessa geração Rio de Janeiro que tem 25 anos
agora. Estudei no marketing que somos a tal geração X. Que
bobagem. Nunca fui rata de praia, não consigo perceber nenhuma diferença
entre essas cantorinhas todas americanas que surgem de vez em quando. Conheço
algumas boates da moda, também conheço alguns cantos alternativos
do Rio, vou construindo minhas referências pescadas em zines submundo
do interior de Sao Paulo e de Vogues nova-iorquinas. E adoro ser essa contradição
leve leio os poemas da Ana Cristina César com a mesma naturalidade
e paixão com que discuto os últimos desenhos do South Park.
Tanta gente inteligente passando pelo
meu caminho, por tantos me apaixonei; e agora estou aqui na França,
sendo chamada de Madame e tudo. A vida é uma bola mesmo, o que eu
posso colocar no papel pra escrever ?
Pensei na história do Juliano.
Na verdade, na época que comecei a escrever a história dele,
estava afogada por algumas referências o onipresente Apanhador
no campo de centeio (que estabelece uma espécie de santíssima
trindade na minha cabeça com «Zen e a arte de manutenção
de motocicletas» e «On the road», acompanhados de perto
por «Kitchen», «Bridget Jones», «High Fidelity»
eu nunca disse que nao era pop !!!), uma igrejinha na França onde
assisti um concerto de música barroca, Saint Julien-le-Pauvre, e
o menino pelo qual eu era apaixonada na época.
Tudo isso se misturou numa idéia
de história pesada, uma espécie de ciclo onde Juliano (que
não teria nome no livro, só eu e um amigo sabíamos),
meio que dentro do « After Hours » do Scorcese, passava por
uma porrada de coisa dentro de 11 horas numa mesma noite, enfrentando seu
tigre interior e chegando a conclusão, no final, que « aquela
hora ainda é a mesma hora » (grande título,que me foi
passado pela Tália uma vez, ao telefone). O Léo, o tal inspirador
do Juliano, leu tudo na época claro, eu colocando mil mensagens
subliminares pra forçá-lo a se apaixonar por mim disse
que ele não gostou de ler o livro, mas que no final gostou de tê-lo
lido. E isso faz toda a diferenca.
É muita prepotência minha,
mas azar dos outros, se o livro for publicado e alguém ler já
tá bom. Adoraria ser entrevistada no programa do Jô Soares;
reportagem na New Woman (a inglesa, claro) seria a glória suprema.
Eu preciso de um palco, só que não consigo me decidir se
vou chegar lá, e ficar por esse sub-livrinho pop, por me transformar
numa super executiva que vai conclamar as multidões na sua empresa,
ou uma professora intelectual inteligentérrima falando sobre antropologia
pra uma turma embasbacada.
O fato é que eu preciso dar
um jeito em todo esse tempo que tenho agora.
Flavia
Ballve B, 25 anos, congelando na França e com saudades de comer
doce de leite. |