48ª Mostra de Cinema de São Paulo: 21 recomendações e apostas

texto de Leandro Luz

De 17 a 30 de outubro, habitantes e frequentadores da cidade poderão maratonar uma quantidade indecente de filmes oferecidos pela 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Tal programação, 417 títulos disponíveis oriundos de 82 países, poderá ser saboreada de várias maneiras, e vai de cada espectador descobrir a melhor maneira de aproveitá-la. Para ajudar nesse desafio, o Scream & Yell preparou, assim como fez durante a 26ª edição do Festival do Rio, uma lista com indicações e apostas para que você, leitor, não tenha que se planejar do zero.

Em 2024, a 48ª Mostra traz uma boa leva de novidades e realiza homenagens que merecem a sua atenção. Além de trazer os filmes mais recentes de cineastas como David Cronenberg, Mohsen Makhmalbaf, Tsai Ming-liang, Lav Diaz, Hong Sang-soo, Miguel Gomes, Sandra Kogut, Patricia Mazuy, Guillaume Brac e Mati Diop, o evento faz uma retrospectiva do cinema de Satyajit Ray (diretor indiano fundamental para a história do cinema cujo trabalho está presente também no pôster desta edição da Mostra), homenageia dois grandes cineastas, Raoul Peck (que apresenta “Ernest Cole: Achados e Perdidos”, seu mais recente filme premiado como melhor documentário no Festival de Cannes) e Francis Ford Coppola (que traz o seu “Megalópolis” para a noite de encerramento), apresenta um recorte de filmes em função do centenário do ator Marcello Mastroianni (em filmes de Manoel de Oliveira, Raúl Ruiz, Theo Angelopoulos, Jacques Demy e Nikita Mikhalkov) e, por fim, exibe cópias restauradas de memoráveis filmes brasileiros como “Também Somos Irmãos” (1949), estrelado por Grande Otelo e dirigido por José Carlos Burle, e “Abismu” (1977), de Rogério Sganzerla.

Importante ressaltar outros dois destaques oferecidos pela curadoria da Mostra. Um deles é o Encontro de Ideias Audiovisuais, realizado pelo quarto ano consecutivo, com o objetivo de oferecer um espaço de encontro para discutir o audiovisual nos seus aspectos artísticos, mercadológicos e políticos. O último e não menos importante é a exibição da retrospectiva Michel Khleifi, responsável por garantir espaço ao cinema palestino neste momento histórico tão urgente. De acordo com o próprio release da mostra: “Filmar histórias de palestinos, na Palestina, significa não somente um modo de resistir ao apagamento de um território e de seu povo. Trata-se de, pelo cinema, mostrar o que outros modos de imagem não deixam ver”.

Preâmbulo feito, vamos às indicações.

7 filmes que eu já assisti e que merecem atenção

Entre clássicos e lançamentos na programação da Mostra, esses são os títulos dos quais eu já assisti e recomendo. “Malu” e “Apocalipse nos Trópicos” fizeram um burburinho grande no Festival do Rio e as sessões devem estar bastante disputadas na Mostra também, por isso recomendo não perder tempo e garantir logo o ingresso. “I Saw the TV Glow” já está disponível há um tempo via pirataria, mas eu acho que é um filme que merece muito ser visto na sala escura. “Para Lota” eu vi no Festival Ecrã, em uma sessão de tirar o fôlego na Cinemateca do MAM (é uma obra “pandêmica”, de ritmo bem dilatado, feita no e sobre um território bem específico do Rio de Janeiro – foi uma das sessões mais marcantes do ano para mim). Por fim, “Abismu”, “Também Somos Irmãos” e “A Canção da Estrada” são clássicos absolutos que merecem ser vistos e revistos.

Abismu
Rogério Sganzerla | Brasil | 1977 | 83′
Inscrições em algumas das cavernas da Pedra da Gávea que remontam ao período pré-colonial são o ponto de partida para este tributo a Jimi Hendrix e ao poder de Mu, divindade fenícia celebrada por um fanatizado e intergaláctico Zé Bonitinho. Com acento experimental, trilha sonora de Hendrix e atuação de José Mojica Marins no papel de um cientista egocêntrico. “Abismu” foi telecinado/digitalizado e preservado graças aos recursos financeiros e esforços da Mercúrio Produções e de Sinai Sganzerla. A nova cópia do filme foi exibida no Festival de Locarno em 2023.


Apocalipse nos Trópicos
Petra Costa | Brasil | 2024 | 110′
Quando uma democracia termina e uma teocracia começa? O filme investiga o crescente controle exercido por lideranças evangélicas sobre a política brasileira. A diretora obtém acesso aos principais líderes políticos do país, incluindo o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro, bem como um dos pastores mais famosos do Brasil —uma figura proeminente que parece manipular certos mandatários como fantoches. Aos poucos, observamos o papel crucial que setores fundamentalistas desempenharam na política nacional recente, revelando a teologia apocalíptica que impulsiona esses protagonistas. Exibido no Festival de Veneza.


I Saw the TV Glow
Jane Schoenbrun | Estados Unidos da América | 2024 | 100′
Owen é um adolescente que está tentando sobreviver à vida nos subúrbios quando uma colega de classe apresenta a ele um misterioso programa televisivo noturno —uma visão de um mundo sobrenatural abaixo do deles. No brilho pálido da TV, a perspectiva de Owen sobre a realidade começa a se desfazer. Exibido nos festivais de Sundance, Berlim e San Sebastián, além do SXSW.


Malu
Pedro Freire | Brasil | 2024 | 100′
Malu é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. A complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma. Exibido no Festival de Sundance e vencedor do Troféu Redentor de Melhor Longa-Metragem de Ficção, Melhor Roteiro (Pedro Freire), Melhor Atriz (Yara de Novaes) e Melhor Atriz Coadjuvante (Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha) no Festival do Rio.


Para Lota
Ricardo Pretti e Bruno Safadi | Brasil | 2024 | 85`
Nos anos 1950, no Rio de Janeiro, a arquiteta Lota Macedo Soares se casa com a poeta norte-americana Elizabeth Bishop. Poucos anos mais tarde, Carlos Lacerda, amigo de Lota e governador do estado da Guanabara, a convida para criar um parque onde havia sido feito um aterro de sete quilômetros de extensão. O Parque do Flamengo viria a se tornar o segundo maior parque urbano do mundo. Exibido no Festival Ecrã.


A Canção da Estrada / Pather Panchali
Satyajit Ray | Índia | 1955 | 125′
A história de Apu, um garoto que vive em uma pequena vila bengali na zona rural da Índia no começo do século 20. Seu pai ganha a vida como pujari, uma espécie de sacerdote, mas sonha com uma carreira como poeta e dramaturgo. A mãe do menino cuida dos filhos e da prima mais velha. Com a falta de perspectivas no local, o pai viaja para a cidade em busca de um emprego melhor, mas acaba ficando fora por mais tempo do que o esperado. Enquanto isso, a matriarca tentará manter a família unida.


Também Somos Irmãos
José Carlos Burle | Brasil | 1949 | 85′
Requião é um viúvo de 50 anos que não pode ter filhos e decide adotar quatro crianças: duas brancas e duas negras. Durante a infância do quarteto, tudo corre bem, mas as limitações impostas aos negros no Brasil se acentuam, transformando-se em verdadeiras humilhações. Renato se submete a qualquer coisa, enquanto Miro abandona sai de casa e vai viver no morro. O filme, dirigido por um homem branco, é considerado um dos marcos inaugurais na discussão do racismo e da luta de classes no cinema brasileiro. A restauração de “Também Somos Irmãos” foi feita pela Cinemateca Brasileira a partir de materiais remanescentes em 16mm.




7 novidades para mergulhar de coração aberto

Não vou chover no molhado e tirar um filme menos badalado dessa lista para indicar “Ainda Estou Aqui” (Walter Salles, 2024) e “Anora” (Sean Baker, 2024), até porque no momento em que você está lendo essas palavras os ingressos para as sessões desses filmes na Mostra certamente já estão todos esgotados. No entanto, cabe a menção aos desavisados de que o primeiro tem estreia marcada para o dia 7 de novembro, enquanto o segundo entrará no circuito comercial em 23 de janeiro. Dito isso, dentre veteranos e jovens realizadores, grandes nomes do cinema mundial e novas apostas, que tal experimentarmos outras novidades?


Através do Fluxo / Suyoocheon
Hong Sang-soo | Coreia do Sul | 2024 | 111′
Uma professora chamada Jeonim pede ao tio para dirigir uma esquete teatral que será apresentada pelo departamento da universidade onde ela leciona. Todos os dias, Jeonim vai até um riacho próximo para fazer esboços e tentar compreender os padrões do fluxo de água. Seu tio aceita assumir o espetáculo por causa das lembranças de já ter dirigido uma dramatização assim na mesma universidade, 40 anos atrás. Um escândalo surge entre os estudantes, e Jeonim e o tio acabam se vendo envolvidos. Vencedor do prêmio de melhor performance — para Kim Min-hee — no Festival de Locarno.


Basileia
Isabella Torre | Itália, Suécia | 2024 | 90′
Nas montanhas envoltas em neblina de Aspromonte, na Itália, um arqueólogo e seus assistentes estão em busca de um antigo tesouro. Porém, as escavações do grupo liberam misteriosas criaturas mitológicas, que transformarão para sempre a vida dos habitantes que moram no remoto vilarejo próximo ao local. Exibido na Jornada dos Autores do Festival de Veneza.



Dahomey
Mati Diop | Senegal, Benim, França | 2024 | 70′
Novembro de 2021. Vinte e seis relíquias do Reino do Daomé estão prestes a deixar Paris para regressar ao seu país de origem, a atual República do Benim. Os artefatos, assim como milhares de outras peças, foram saqueados pelas tropas coloniais francesas em 1892. Mas qual postura adotar em relação ao retorno dessas obras ancestrais a uma nação que precisou se construir na ausência delas? Enquanto o espírito desses itens é libertado, o debate sobre o tema se intensifica entre os estudantes da Universidade de Abomey-Calavi. Vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim.


É Apenas um Adeus / Ce N’Est Qu’Un au Revoir
Guillaume Brac | França | 2024 | 64′
As amizades do colégio podem durar uma vida inteira? A única certeza é que em breve Aurore, Nours, Jeanne, Diane e outros estudantes se despedirão dos quartos que dividem, dos dias nadando no Drôme e das festas nas montanhas. Louison cortará os dreads e essa pequena família terá que se desfazer. Para alguns deles, não é a primeira vez, o que deixa tudo ainda pior… Exibido na seção ACID do Festival de Cannes.



Flathead
Jaydon Martin | Austrália | 2024 | 89′
Apesar da saúde debilitada, Cass deixa Sydney e pega a estrada em direção a Bundaberg, sua cidade natal, um lugar esquecido na região de Queensland. Conforme ele redescobre aquele local, suas memórias e seus traumas são reavivados, fazendo-o embarcar em uma exploração espiritual com a comunidade. Cass conhece Andrew, um chinês-australiano de segunda geração que trabalha em uma lanchonete e que, de repente, precisa enfrentar a morte do pai. As histórias e experiências de Cass e Andrew se entrelaçam, fazendo com que encontrem algum conforto na companhia um do outro durante esses momentos turbulentos. Essa combinação de ficção com eventos reais revela uma parte da cultura australiana moderna raramente representada no cinema. Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Roterdã.


Grand Tour
Miguel Gomes | Portugal, Itália, França | 2024 | 129′
Rangum, Birmânia, 1918. Edward, um funcionário público do Império Britânico, foge da noiva, Molly, no dia em que ela chega para o casamento. Durante suas viagens, porém, o pânico dá lugar à melancolia. Contemplando um vazio existencial, o covarde Edward questiona-se sobre o que terá acontecido com Molly. Desafiada pelo desaparecimento de Edward e decidida a se casar com ele, Molly segue o rastro do noivo em fuga em um grand tour asiático. Vencedor do prêmio de melhor direção no Festival de Cannes.


O Senhor dos Mortos / The Shrouds
David Cronenberg | França, Canadá | 2024 | 116′
Karsh tem 50 anos e é um empresário renomado. Inconsolável desde a morte da esposa, ele inventa a GraveTech, uma tecnologia revolucionária e controversa que permite aos vivos monitorar entes queridos em suas mortalhas. Certa noite, vários túmulos são violados, incluindo o da companheira falecida de Karsh. Ele então sai à procura dos culpados. Exibido no Festival de Cannes.




7 lançamentos brasileiros para vasculhar na Mostra

Por mais que o nosso apetite frequentemente privilegie filmes de outras nacionalidades, sobretudo quando acompanhamos festivais e mostras que se propõem a mostrar um panorama do que aconteceu no mundo do cinema ao longo da temporada, considero muito importante também abrir um espaço para o cinema brasileiro. Se alguns poucos desses filmes conseguem estrear com brevidade no circuito comercial, outros muitos demoram dois, três, às vezes cinco anos para estrear, isso quando conseguem uma distribuição mínima. Daí a relevância desta lista.


Enterre Seus Mortos
Marco Dutra | Brasil | 2024 | 128′
Na pequena cidade de Abalurdes, Edgar Wilson trabalha como recolhedor de animais mortos nas estradas para mantê-las funcionando. Junto dele, o colega de profissão Tomás, ex-padre excomungado que distribui extrema unção aos seres moribundos que cruzam seu caminho, e sua chefe Nete —com quem Edgar tem um relacionamento e um desejo de fugir de Abalurdes. Ao redor deles, o mundo parece dar sinais de que um arrebatamento final se aproxima. Exibido no Festival de Londres.



Kasa Branca
Luciano Vidigal | Brasil | 2024 | 95′
Dé é um adolescente negro da periferia da Chatuba, no Rio de Janeiro, que recebe a notícia de que a avó, Almerinda, está na fase terminal da doença de Alzheimer. Com a ajuda dos dois melhores amigos, Adrianin e Martins, o garoto enfrenta o mundo para aproveitar os últimos dias de vida da idosa. Vencedor do Troféu Redentor de Melhor Direção de Ficção (Luciano Vidigal), Melhor Ator Coadjuvante (Diego Francisco), Melhor Trilha Sonora Original (Fernando Aranha e Guga Bruno) e Melhor Fotografia (Arthur Sherman) no Festival do Rio.



No Céu da Pátria Nesse Instante
Sandra Kogut | Brasil | 2023 | 105′
Acompanhamos de perto os meses turbulentos do período eleitoral que culminaram na invasão do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF em 8 de janeiro de 2023. Por meio do olhar e da vivência de alguns personagens envolvidos no processo das eleições, mergulhamos num Brasil de tensão e expectativa, onde coexistem realidades paralelas que têm dificuldade de se enxergar mutuamente. Um registro de um momento da história do país em que a democracia esteve seriamente em jogo.



Oeste Outra Vez
Erico Rassi | Brasil | 2024 | 97′
No sertão de Goiás, homens brutos que não conseguem lidar com as próprias fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros. Vencedor do prêmio de Melhor Longa-metragem Brasileiro no Festival de Gramado.


Os Enforcados
Fernando Coimbra | Brasil | 2024 | 123′
Em um Rio de Janeiro tomado pelo crime, o casal Valério e Regina se vê envolvido em dívidas e traições herdadas da família de Valério. Uma noite, eles encontram o plano perfeito. Mas, ao executá-lo, são sugados por uma espiral de violência que parece não ter fim. Exibido no Festival de Toronto.


Praia Formosa
Julia De Simone | Brasil, Portugal | 2024 | 90′
Muanza, uma mulher natural do Reino do Congo, foi traficada para o Brasil em meados do século 19. Ao despertar nos dias de hoje, Muanza se depara com um Rio de Janeiro de tempos espiralados, onde figuras do passado e do presente são parte da busca por suas origens no território da cidade. Nesse entrelaçamento de tempos, o filme testemunha a vida que emerge dos espaços cariocas, os gestos de resistência frente à desterritorialização forçada e os afetos que sustentam as relações de irmandade. Exibido no Festival de Roterdã.


Retrato de um Certo Oriente
Marcelo Gomes | Brasil, Itália | 2024 | 92′
Em 1949, o Líbano enfrenta uma guerra iminente. Dois irmãos católicos, Emilie e Emir, embarcam para o Brasil em busca de dias melhores. Na viagem, Emilie se apaixona por Omar, um comerciante muçulmano. Tomado pelo ciúme, Emir tenta separar o casal, sempre ressaltando as diferenças religiosas. Quando estão quase chegando ao destino final, os homens se envolvem em uma briga, e Emir acaba ferido. A única opção de Emilie é descer em um vilarejo indígena, no meio da floresta, para buscar a cura para o irmão. Quando o rapaz melhora, os dois vão para Manaus, onde Emilie tomará uma decisão que terá consequências trágicas. Abordando temas como memória, paixão e preconceito, o filme retrata a saga de imigrantes libaneses no norte do Brasil. Exibido no Festival de Roterdã.

No Letterboxd, criei uma lista expandida com 50 indicações para ver na Mostra SP.
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– Leandro Luz (@leandro_luz) escreve e pesquisa sobre cinema desde 2010. Coordena os projetos de audiovisual do Sesc RJ desde 2019 e exerce atividades de crítica nos podcasts Plano-Sequência e 1 disco, 1 filme.

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