entrevista por Homero Pivotto Jr.
O que mantém o Asphyx respirando é o gosto pela música, a empolgação de reunir os integrantes para tocar e, principalmente, a conexão com o público por meio de um som extremo. É isso que afirma o vocalista Martin van Drunen nesta entrevista.
O quarteto holandês nunca se deixou asfixiar por modismos, nem pelas adversidades do caminho. Chegou a desfalecer por um período de sete anos (entre 2000 e 2007), mas recobrou a consciência em 2007, quando van Drunen voltou ao posto de frontman após 15 anos afastado da função. Morte, por ora, só como tema para as composições ou no nome dos discos. Criativamente, o grupo segue bem vivo — mesmo padecendo com a saudade de tocar ao vivo devido à pandemia que paralisou o mercado de eventos, conforme van Drunen.
O Asphyx é dessas bandas que carrega ares do death metal às antigas, colocando em seu som ainda as já tradicionais pitadas de doom. Agora, ganha novo fôlego com o furioso “Necroceros” (2021), petardo com lançamento marcado para 22 de janeiro. O novo álbum mostra uma musicalidade brutal e cativante, com riffs marcantes e linhas vocais capazes de grudar na memória sem perder a agressividade. Aquela vibe death’n’roll de quem curte desgraceira sem esquecer os clássicos.
A formação estável desde 2014 ajuda a criar uma química interna que se reflete em composições inspiradas. Isso, sem falar na experiência de quase um quarto de século na indústria vital da música extrema e da trajetória de 10 álbuns em estúdio — seis deles com van Drunen, sendo os dois primeiros e os quatro mais atuais.
Trocamos ideia por skype com um simpático e educado vocalista. Aliás, o próprio entrevistado se diz um cara de boas, que deixa a agressividade para extravasar na música, pois considera que ser raivoso no cotidiano é perda de tempo. Risonho, respondeu questões sobre o cenário death metal, o retorno ao Asphyx, influência do Venom e, claro, o trabalho atual.
Poderia nos contar como se deu sua volta ao Asphyx após 15 anos (Martin saiu em 1992 e retornou em 2007)?
Foi por causa do festival Party San Metal Open Air (em Thüringen, na Alemanha) basicamente, pois eles nos convidaram diversas vezes para tocar. Era feita uma votação ao fim de cada edição, perguntando para as pessoas qual banda elas gostariam de ver no próximo ano, e os frequentadores pediam Asphyx direto. Então, eles tentaram chamar a gente algumas vezes. Eric (Daniels, guitarrista original) tinha alguma questão pessoal e disse que não queria participar. Então, Bob (Bagchus, bateria) disse que não iria acontecer. Não sem o Eric. Então, o Hail of Bullets (outra banda de Martin) teve origem e nos encontramos em algum bar para beber e nos conhecermos melhor. Daí, o Paul (Baayens, guitarrista), acho que meio bêbado, me perguntou sobre o Asphyx e disse que poderia tocar. Eu disse: “Ok, vou ver com o Bob”. No dia seguinte ou dois dias depois, eu questionei o Bob e ele voltou a dizer que não sem o Eric. Uns três dias depois ele falou que talvez pudéssemos tentar. E o Paul confessou, anos depois, que ele acordou no outro dia depois de comentar sobre tocar no Asphyx e pensou: “Caralho, o que eu fiz! Disse para o Martin que poderia tocar guitarra no Asphyx. Estou louco de falar isso!”. Rolou que o Paul veio ao local de ensaio comigo e Bob, plugou a guitarra e estava tão alto e soando muito bem que pensamos: “isso vai funcionar”. Eu e Bob nos olhamos espantados. Precisávamos saber se eu faria o baixo, pois não tocava há anos e gosto de ser só o vocalista. Resolvemos chamar o Wannes (Gubbels) de volta, já que ele fez um excelente trabalho no disco do Soulburn (projeto originado quando o Asphyx se separou, na metade dos anos 1990, com Bob e Eric na formação) e também no álbum “On the Wings of Inferno” (2000), do Asphyx. Aqui estamos desde 2007. E a festa continua!
E quais diferenças você notou no Asphyx, comparando o tempo em que foi vocalista na década de 1990 e depois da volta?
A grande mudança é que, de repente, estávamos em um palco gigante pela primeira vez diante de 10 ou 15 mil pessoas. Talvez não seja assim tão grande, mas essa quantidade de gente é bastante para nós. Éramos o headliner e acho que todo mundo estava um pouco nervoso. Foi fantástico. Foram muitos anos sem tocar as músicas juntos. Principalmente para mim, pois o Bob continuou até 2000, se não me engano. Mas o principal é que a atmosfera seguia como no passado. Todos curtimos muito fazer o que fazemos. Claro, há uma mudança na formação, mas não no clima da banda. Exceto que nos demos conta de que, com o passar dos anos, ganhamos uma espécie de status cult ou o que seja. Então, foi mais interessante do que costumava ser no passado quando éramos bem pequenos.
Falando em diferenças: percebe alguma alteração em fazer parte de uma banda death metal hoje em dia se comparado com os velhos tempos?
A grande mudança é que agora tratam você melhor. Porque antigamente era preciso pegar um carro e você tinha sorte se pagavam a gasolina. Agora organizam tudo para você. Há boa comida, cerveja e ainda te pagam. E isso é, com certeza, uma grande diferença. Talvez não para bandas iniciantes, que sempre têm de começar de algum lugar que costuma ser mais difícil. Para nós, quando fazíamos shows, não sabíamos o que esperar. E, do nada, você está em grandes eventos com pessoas correndo por você. Tipo: “tudo bem com vocês?”, “quer isso ou aquilo?”. É uma grande mudança se comparado ao passado. Mas, honestamente, o boom do old school death metal — algo bem legal por sinal, especialmente com bandas novas — tem o mesmo espírito que tínhamos. Talvez soe estranho, mas grupos desse estilo das antigas, e até os novos de agora, fazem isso porque se divertem tocando tal tipo de som. E depois curtem momentos de diversão, tomando umas cervejas com todo mundo. Isso segue a mesma coisa. Muito legal.
E como era a cena na Holanda no fim dos 1980/começo dos 1990? Tem até um documentário prestes a sair em breve sobre o cenário holandês, certo?
Isso, deve ser o “METAAL”, do Mike Redman. Recebi um e-mail dele, acho que finalizou o material. Ele me entrevistou no começo da pandemia em uma casa de shows perto de onde moro. Ainda tenho de conferir isso. É interessante a ideia de documentar a cena holandesa. Há muitas pessoas que não entendem de onde começamos. Mal havia uma cena death. Não apenas aqui, mas no mundo todo. Mesmo a Suécia tinha poucas bandas. Tinha o Nihilist, que deu origem ao Entombed. A maioria das bandas vinha dos Estados Unidos. Um dos primeiros álbuns do gênero, se não o primeiro, foi o “Seven Churches”, do Possessed. Um clássico absoluto. Durante esse tempo rolavam muitas demos, como o Mantas, que virou Death — com Kam Lee (Massacre) e Chuck Schuldiner juntos —, as fitas de ensaio do Morbid Angel. O estilo estava crescendo mundialmente, inclusive na Holanda. Naquele tempo, aqui na Holanda, tinha a gente (Asphyx), por volta de 1987. Claro, havia boas bandas antes. Uma das primeiras foi o Thanatos, que era mais death/thrash. Eles foram a primeira banda extrema da Holanda. Na sequência, a cena começou a crescer com outros nomes, como Gorefest, Dead Head (que é da nossa área). Então, o circuito começou a crescer lentamente até explodir. No começo dos 1990 tinha Sinister e God Dethroned também. E foi aí que a cena holandesa realmente começou a ficar maior.
Você tem um estilo de vocal distinto. Ao mesmo tempo em que é gutural, é gritado. Talvez não tão grave quanto outras vozes do gênero. E isso meio que dá uma profundidade, passa certo desespero. Como você desenvolveu e aprimorou suas habilidades vocais? Tem algum cuidado especial com a voz?
Um pouco de cada. Eu tenho certo cuidado e pratico. Posso fazer meus vocais aqui em casa para mantê-los em forma. Mas é isso, não sou do tipo que não bebe ou não fuma. Gosto de tomar umas cervejas e pitar meu cigarro (depois da 40 anos fumando). Sei que é um mau hábito, mas é um dos meus vícios. Então, deixa assim. Não costumo perder a voz ou algo do tipo. Basicamente, tento me manter em forma e o resto é do jeito que é. Minha voz mudou um pouco com o passar do tempo. Por exemplo, as notas mais altas que faço no álbum “The Rack” (1991), eu não alcanço mais. Só que é apenas idade. É isso que as cervejas e os cigarros fazem (risos).
Qual sua idade?
Tenho 54. Quatro anos a mais que metade de um século (risos).
Desde que você está de volta ao Asphyx, todo álbum lançado tem “death” (morte) no título. No trabalho mais recente, a palavra foi substituída por outra de significado parecido, que é “necro”. Alguma razão para essa, digamos, fixação pela morte? E por que não usar o termo explícito desta vez?
Gosto de brincar com essas palavras. “Deathhammer” é uma invenção, por exemplo. E eu não sabia o que fazer com a palavra desta vez. Então, tínhamos necro, do grego, que, como você disse, é a mesma coisa. Apenas acrescentei nela um pedaço de rhinoceros (rinoceronte), o animal furioso. Algo que, se vem em sua direção, é melhor sair de perto porque, se não, você vai morrer. Então, fiz essa combinação e criei a palavra “Necroceros” e falei para os caras da banda. Ainda tem a expressão death, mas não de um jeito tradicional. Eles disseram: “legal Martin! Podemos usar”. Então, se tornou o título de trabalho. Mas, até então, eu não sabia o que fazer com a expressão. Eu tinha o título, restava saber o que fazer com ele. Mas você está certo, meio que substitui a palavra “death”.
Há algum tema principal no disco novo? Caso sim, tem a ver com morte?
Acho que em qualquer som que fazemos o mote é meio sempre que a morte. Mesmo que em tópicos diferentes. Seja a guerra ou algum evento histórico. Não, peraí! Em “Botox Implosion” o mundo não vai acabar. Mas tem mutilação. Então, pode ser coisas assim também. Que o mundo é um lugar fodido, essas coisas todas (risos), eu falo também. É estranho, mas é verdade.
A formação do Asphyx é a mesma desde 2014. Pode-se dizer que trabalhar com pessoas que já estão há um tempo com você é mais fácil na hora de criar do que quando se junta com gente nova? E como as trocas na formação afetam o processo de composição?
Desde que nos juntamos para “Death…The Brutal Way” (2009) calhou que o Paul (Baayens, guitarrista) é um ótimo compositor. E, claro, nós nos aprimoramos meio que da mesma maneira que ele. Também sempre queremos manter um estilo específico que temos. Não desejamos perder isso. Mesmo com as mudanças de integrantes, as guitarras são o mais importante quando criamos as músicas. E isso não mudou, essencialmente. Algumas faixas soam diferentes de outras, mas o estilo é basicamente o mesmo. Isso não foi alterado. Mas devo dizer que agora, com formação estabelecida por alguns anos, tudo funciona mais facilmente. Porque você entende o outro muito melhor depois de um tempo juntos. Para o disco novo, fomos ao estúdio por dois fins de semanas e começamos a praticar com coisas antigas que tínhamos. Alguns sons ainda não estavam prontos, então os finalizamos. Assim, percebo o quanto os outros caras são bons tocando juntos. Apenas nos olhamos e sabemos o que o outro vai fazer. É algo fantástico de observar. Ainda mais para mim, que não lido com nenhum instrumento, apenas presto atenção. Algumas vezes digo para algum dos caras tentar fazer isso ou aquilo, ou que vou fazer de tal jeito em determinado trecho e é preciso deixar esse trecho duas vezes maior. Mas são alterações pequenas. E assim começamos a gravar, basicamente das trilhas de bateria, depois as guitarras do jeito que pensamos que devem ser. Há uma química excelente entre todos da banda. E mesmo ao vivo, em momentos nos quais os amplificadores são extremamente altos e você não consegue escutar a si mesmo, conseguimos nos entender. Aquele lance: “em que parte da porra da música estou?”. Nos olhamos e conseguimos nos achar rapidamente e cair de volta na parte correta. As pessoas, muitas vezes, nem percebem. Isso é parte da batalha.
Tipo: “te vejo no refrão”.
(risos) Isso ainda não aconteceu com a gente, na verdade. Mas lembro do Hüskens (bateria) não estar bem certo de o que fazer, e ele fica no lugar onde o som costuma ser pior. Aí, Paul aumenta o volume da guitarra e coloca o pé no praticável e mostra pro Hüskens: “Tô aqui”! (mais risos). E aí seguimos a todo vapor como se nada tivesse acontecido. E isso só é possível porque nos conhecemos bem e sabemos como lidar. Estamos juntos desde 2014. Algumas bandas nem duram esse tempo.
Considerando que algumas bandas antigas ou músicos da cena extrema não estão mais em atividade, e você e o Asphyx seguem no jogo, o que diria que é necessário para perseverar na cena extrema?
Para nós, o mais importante é que gostamos muito do que fazemos, principalmente tocar ao vivo. Infelizmente, 2020 foi terrível nesse sentido. Certo, fizemos um belo álbum, mas não poder estar no palco é uma tortura. Essa é a razão pela qual tocamos. Encontrar as pessoas, depois do show, mesmo cansado, andar pela plateia, falar com as pessoas, assinar os discos, tirar fotos e por aí vai. É uma merda não poder fazer isso. O metal tem de estar nas suas entranhas e precisa ser uma música que funciona ao vivo. Se você não tem paixão para fazer, não deve nem estar em uma banda. Isso é nossa maior motivação. E também a razão pela qual seguimos fazendo álbuns, pois daí as pessoas podem ver sua banda ao vivo tocando sons que elas ainda não conhecem. E contanto que consigamos nos aturar enquanto banda, vamos seguir. Não há razão para parar. É como um sonho, sabe? Quando eu era um garoto nunca pensei que estaria fazendo o mesmo que os caras que estava ouvindo na época.
Todos na banda ganham a vida com música ou alguém tem empregos regulares?
Todos os outros caras tem empregos mais normais, mas eu não. E agora está bem difícil. Não é algo que vai fazer alguém ficar rico, mas me faz viver com o necessário. O mais importante é que sou livre. Livre para fazer tudo que quiser junto com a música que toco. A liberdade é algo que o dinheiro não pode comprar. Não tenho um padrão alto de vida. Desde que eu tenha uma TV e um PC ou laptop que funcionem, alguma mobília, está bom. Não me importo com outras coisas mais caras.
O que ou quem você gostaria de esmagar com o Deathhammer (martelo da morte)?
(risos) Deixe-me ver… Acho que o cara se chama Hudson Byne (na verdade é Paul Breitner). Ele foi o jogador alemão que nos fez perder o campeonato mundial de futebol em 1974, pois ele fingiu cair e ganhou um pênalti. Mas não foi! Ele estava apenas encenando. Então perdemos a final. Maldição! Esse cara eu definitivamente queria esmagar com o martelo da morte. Desgraçado!
Uma curiosidade: para mim, há algo na música “Deathhammer” que remete a “Black Metal” do Venom. Sei lá, talvez a melodia do vocal. É possível que haja alguma influência da clássica faixa-título dos ingleses na composição que batiza o oitavo disco do Asphyx?
(risos) Acho que escrevi a letra de “Deathhammer” não por causa da “Black Metal”, mas pela “Too Loud for the Crowd” (do disco “Possessed”, do Venom). A letra é um pouco parecida. Eu curto fazer o que Venom faz com as letras. Eu disse para o Paul: “são dois riffs, o quer que eu faça?”. Então escrevi uma parte e o refrão, era isso. Acho que escrevi a letra toda em 10 minutos. Você está certo, há uma abordagem meio Venom, que é uma banda que curto bastante. Não é coincidência.
Para mim, toda vez que escuto o refrão “deathhammer”, “deathhammer”, parece que vai vir “Lay down your souls to the gods rock ‘n roll!” (trecho de “Black Metal”).
Ooooooooooooohhhh! Boa! É um ótimo complemento, valeu mesmo!
Aliás, a letra desse som (‘Deathhammer’) é uma crítica ao cenário death metal, não?
É uma crítica a várias bandas que parecem não entender sobre o que se trata. Em algumas situações, em festivais, assistimos bandas tocar, mas eles não parecem estar curtindo no palco. Ficam lá parados, olhando para os calçados. Os guitarristas não se mexem. Vamos lá, isso é um insulto! Há pessoas que pagaram para ver você, então é melhor fazer algo. Mostre às pessoas sua paixão pela música. Mostre sua raiva, sua fúria. E esses caras estão enchendo os bolsos, por isso fiz a música. “Estamos sendo bem pagos, mas não gostaríamos de estar no palco”… Ah, por favor, vão embora. Então, em 10 minutos, coloquei minha raiva e frustração com isso no papel. Se algum desses caras leu a letra e sacou o recado, já valeu.
Você se considera uma pessoa raivosa?
Não, na verdade. Eu continuo ficando com raiva se vejo algo injustiças sendo feitas. E às vezes você não tem poder para mudar a situação, apenas assistir. Tudo que se pode fazer é olhar e ficar com raiva. E talvez colocar isso nas músicas. Mas não sou uma pessoa brava no cotidiano, isso é uma perda de tempo. Mas há situações em que injustiças sociais e coisas assim acontecem e são horríveis.
Acredita que a música pode nos ajudar a canalizar a raiva em algo positivo?
Definitivamente. Se eu comparar eu mesmo quando era garoto, um adolescente, quando se tem aquele monte de hormônios fluindo e fervilhando internamente, e há muita frustração, o metal é um jeito fantástico de liberar isso. Em vez de sair para a rua e começar a brigar ou destruir a propriedade alheia, você fica batendo cabeça e libera as energias negativas. Depois de uma hora, está cansado, colocou sentimentos ruins para fora e está bem. O mesmo rola quando se vai a shows. As pessoas voltam para a casa e vão para a cama. É melhor do que uma torcida de futebol violenta, que cortar alguém na rua e coisas do tipo.
Será que a música extrema está tomando um rumo da “incoming death” (entrada da morte, nome do nono disco do Asphyx)?
Não, não ainda. Enquanto houver essa atmosfera e bandas novas surgindo, há vários talentos por aí. Há uma vibe positiva entre as bandas do mesmo gênero que se destaca. Eu vejo um futuro bem positivo neste sentido.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.