Três HQs: “Espiga”, “O Soldador Subaquático” e “American Flagg!”

por Adriano Mello Costa

“Espiga”, de Felipe Portugal (Independente)
Histórias em quadrinhos com tons de autobiografia já renderam obras magníficas no decorrer dos anos, exemplos não faltam disso. Mesmo que tenha virado uma espécie de “febre” e, por conta da quantidade, apareçam coisas com nível bem baixo, vez ou outra nos surpreendemos com álbuns interessantes nesse quesito. Esse é o caso de “Espiga”, HQ do brazuca Felipe Portugal. O autor – que tem várias tiras publicadas na página do Facebook chamada “Quadrinhos Insones” (do Diego Sanchez) – se aventura em uma história mais longa usando fatos da própria vida como material. “Espiga” teve lançamento no final de 2015, conta com 64 páginas e foi feito de maneira independente. Mostra Felipe tendo que lidar com questões rotineiras da vida enquanto tenta assimilar o fim de um namoro e voltar a ser produtivo no trabalho. No meio disso surge uma “visita” inesperada que passa a habitar o mesmo espaço físico e serve para redirecionar algumas questões, como também dar uma revigorada no ar. O protagonista está naquele momento da vida que falta ambição, vontade, coragem, falta tudo. Em menor ou maior proporção todos já passamos por algo assim em determinado momento da vida, aquela falta de querer que assume e fica difícil ir em frente já que você acaba não vendo sentido em coisa nenhuma. Com uma paleta de cores e formato dos quadros que remete diretamente a excelente “Asterios Polyp”, de David Mazzucchelli (lançada aqui no Brasil em 2011), Felipe Portugal esquiva-se dos habituais lugares comuns e cria uma obra divertida, mas que também discute a solidão da vida urbana e o peso do mundo sobre as costas.

Nota: 7

“O Soldador Subaquático”, Jeff Lemire (Editora Mino)
Jeff Lemire é um nome que dentro dos quadrinhos quase sempre é sinônimo de boa qualidade. Principalmente nas suas obras autorais, já que o trabalho dele na Marvel e na DC Comics tem alternado bons momentos e outros apenas razoáveis. Esse canadense que logo de estreia produziu “Essex County” (ainda inédita no Brasil, infelizmente) e engatou na sequencia a ótima “Sweet Tooth” (publicada aqui pela Panini). 2016 marcou a oportunidade de ver mais uma criação dele chamada “O Soldador Subaquático” (“The Underwater Welder”, no original), que chega aqui no Brasil pela editora Mino com 224 páginas. Em preto e branco, o autor conta a história de Jack, que mora em uma região remota do Canadá onde exerce a profissão que dá nome a graphic novel em plataformas petrolíferas. Em um dos mergulhos ele tem de ser resgatado pelos companheiros que o salvam da morte e o encaminham para casa para ficar ao lado da mulher que está grávida de 9 meses. Só que Jack não consegue ficar quieto e parece ausente, distraído e preocupado com questões que nem mesmo sabe ao certo quais são. Apesar de não entender bem o que está acontecendo, o personagem parte novamente para o mar deixando uma esposa furiosa para trás e, nesse momento, tem uma aventura pessoal intrigante e complexa. Jeff Lemire cria em “O Soldador Subaquático” uma história sobre paternidade, casamento, dor e culpa. Uma história sobre o amor de um filho para o pai, ao mesmo tempo em que descobre que existem imperfeições nessa figura que busca não cometer os mesmos erros. Um assunto delicado, mas tocado com extrema sutileza por Lemire, que aposta no traço meio caricato que já nos habituamos, olhares expressivos e precisos enquadramentos, adicionando assim mais um belo trabalho a carreira.

Nota: 8

“American Flagg! – Vol. 1”, Howard Chaykin (Editora Mythos)
Tem artistas que são inconfundíveis, basta ver um desenho que já se sabe quem é o responsável por aquele traço. Howard Chaykin é um desses. O norte-americano nascido em Newark tem anos e mais anos de labuta e bons serviços prestados aos quadrinhos. No final de 2015 a Mythos decidiu publicar o início de um dos seus maiores trabalhos novamente por aqui. “American Flagg! – Vol. 1” tem capa dura, aparato requintado e 392 páginas. Reúne as 12 primeiras edições originais da série lançadas entre os anos de 1983 e 1984, além de uma nova história escrita em 2008 para o lançamento dessa coletânea nos EUA. A edição nacional aparece devidamente restaurada e conta com uma bela introdução do escritor vencedor do prêmio Pulitzer, Michael Chabon. O personagem principal é Reuben Flagg, um ator nascido na colônia americana do planeta Marte, que volta para ser um Ranger, membro da força mantenedora da paz comandada por governos e empresas. Ao chegar a Terra, ele se depara com um planeta onde os céus estão cobertos de fuligem e as planícies frutíferas estão apodrecidas. Além disso, o espírito de solidariedade, honra e honestidade que tanto ouvira falar está castrado da população em geral, com grandes empresas usando o povo como bem entende e a mídia se divertindo em jogos diários de manipulação. Nessa distopia iniciada no ano de 2030, Howard Chaykin promove ficção científica exemplar (com um pé no cyberpunk) e convida o leitor para entrar em um mundo vil, sem escrúpulos, onde até mocinhos cometem graves erros e tem decisões não muito distintas. “American Flagg! – Vol. 1” é daquelas obras que valem completamente o investimento, apresentando um dos ases da nona arte em um voo brilhante, sagaz, ácido e crítico.

Nota: 9

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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