Três filmes: “Big Eyes”, “Wild”, “Deux Jours, Une Nuit”

por Marcelo Costa

“Big Eyes”, de Tim Burton (2014)
Assim como “O Jogo da Imitação”, dirigido por Morten Tyldum, “Grandes Olhos” padece do defeito de ser uma incrível história real que não consegue ser traduzida com eficiência na tela. Se no caso do primeiro filme, a inexperiência do diretor possa ter pesado na balança, “Grandes Olhos”, por sua vez, era uma história que nasceu para ser filmada pelo grande Tim Burton, e mesmo assim o resultado deixa a desejar. Na trama (acontecida nos EUA entre os anos de 50 e 60), Margaret Keane é uma pintora que vê seu segundo marido, Walter Keane, assumir a autoria de suas obras, como se ele as tivesse pintado. Vendedor nato, Walter faz fama com os quadros repletos de crianças com olhos grandes (que seria caçoado por Woody Allen em “Dorminhoco”, de 1973) e recebe a luz dos holofotes enquanto Margaret segue pintando confinada num quartinho. Tim Burton conduz a trama com destreza na primeira parte, em que o narrador em off, semelhante ao do inesquecível “Peixe Grande” (2003), indica a trilha para o espectador. Tudo segue certinho até o momento em que a tensão do domínio de Walter sobre Margaret cria um suspense interessante sem um clímax à altura. Dai em diante, com Christoph Waltz exagerando cada vez mais em sua interpretação do marido dominador, “Grandes Olhos” desce a ladeira em alta velocidade e se perde num abismo sem fim. Nem a atuação de Amy Adams como Margaret é tudo isso que a imprensa estrangeira dos EUA achou, a ponto de conceder-lhe um Globo de Ouro. Destino: Sessão da Tarde daqui uns 10 anos…

Nota: 4

“Wild”, de Jean-Marc Vallée (2014)
O canadense Jean-Marc Vallée chamou a atenção com seu quarto filme, o ótimo “Crazy” (2005), e ainda que tenha desperdiçado a oportunidade seguinte (Scorsese o contratou para dirigir “A Jovem Rainha Vitória”, de 2009, e o resultado deixou a desejar), viu uma nova chance surgir quando foi chamado para dirigir “Clube de Compras Dallas” (2013), sucesso ancorado nas atuações poderosas de Matthew McConaughey e Jared Leto. “Wild” (“Livre” no Brasil), seu novo filme, traz Nick Hornby assinando o roteiro baseado no livro “Livre – A Jornada de Uma Mulher Em Busca do Recomeço”, de Cheryl Strayed, e surge embalado (novamente) por boas atuações: Reese Witherspoon e Laura Dern foram (merecidamente) indicadas ao Oscar. A trama (real) conta a história de Cheryl (Reese, bastante convincente no papel), uma mulher que, aos 26 anos e sem nenhuma experiência com trilhas, caminhou cerca de 90 dias por mais de 1.800 quilômetros da lendária Pacific Crest Trail, saindo do deserto de Mojave, na Califórnia, e indo até a fronteira do estado do Oregon com Washington (a trilha completa tem mais de 4 mil quilômetros). A caminhada, como o leitor pode imaginar, foi a maneira de Cheryl encerrar um período de crises e dramas pessoais (que envolvem heroína, traição e câncer na família), e sua saga de auto-descoberta rende um filme correto e eficiente, que consegue escapar da pieguice (ainda que Jean-Marc pese a mão na dramatização em alguns momentos) e soa como um “Na Natureza Selvagem” (2007) com final feliz.

Nota: 6

“Deux Jours, Une Nuit”, de Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne (2014)
Da série “o grande cinema pode ser absolutamente e deliciosamente simples”. Logo nos primeiros 10 minutos da trama de “Dois Dias, Uma Noite”, o espectador já constrói em sua cabeça boa parte do cenário que irá se desenrolar nos 85 minutos seguintes, e essa proposta de reflexão antecipada é um dos grandes acertos desta pequena joia dos irmãos Dardenne, que ganha força com uma atuação sofrida de Marion Cotillard (indicada ao Oscar pelo papel). Ela interpreta Sandra, uma funcionária que pediu afastamento do trabalho por depressão, e que, ás vésperas de retomar a função, se vê enfrentando um dilema: com seu afastamento, a equipe de 16 funcionários deu conta do trabalho, e o patrão não vê necessidade em readmiti-la, mas deixa a decisão a cargo da equipe alegando corte de custos, e, por isso, ou readmite Sandra, ou paga o bônus dos funcionários. Um chefe promove uma votação (teoricamente manipulada – o roteiro amplia essa questão de forma interessante no final) numa sexta-feira, em que o bônus vence a reintegração por 14 a 2, mas Sandra consegue marcar uma nova votação para a segunda, e tem então o fim de semana (do título) para encontrar seus colegas de trabalho e tentar convence-los a abrir mão do bônus para que ela não perca o emprego. O que se verá a seguir será um delicado tratado sobre capitalismo e humanidade embalado por uma trama óbvia e repleta de clichês, pensada calculadamente para intensificar a discussão de uma fábula que retrata com perfeição as agruras do mundo moderno. Uma joia cinematográfica.

Nota: 9

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Leia também:
– “Na Natureza Selvagem” é um filme que valoriza as relações humanas (aqui)
– O matemático Alan Turing merecia muito mais do que “O Jogo da Imitação” (aqui)

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