por Bruno Capelas
Quem há algum tempo segue este site sabe que uma das nossas paixões musicais recentes tem sido a música pop portuguesa, e, assim como a música latina, temos buscado romper barreiras e aproximar cenários. No caso do pop português, destaque-se a vontade de entendê-lo nos dias de hoje para além do eixo anglo-saxônico, valorizando uma música que fala a mesma língua que a nossa e, por vezes, diz respeito a problemas de uma sociedade muito semelhante à brasileira.
Publicada no Pergunte ao Pop em 2014, na época da comemoração dos 40 anos da Revolução dos Cravos, esta não pretende ser uma lista definitiva sobre a música pop portuguesa, mas sim uma porta de entrada que permita que ouvintes interessados atravessem o oceano e, a partir dessa compilação, busquem outros nomes portugueses, gente como Da Weasel, Mind Da Gap e Orelha Negra, que mesclam rock ao hip hop, bandas dos anos 80 como os GNR, os UHF, os Mão Morta ou os Sétima Legião, e precursores do rock ou cantores de linhagem pop, como Quarteto 1111, Banda do Casaco, José Mario Branco, Fausto ou Zé Cid.
Além disso, há nomes contemporâneos de grande qualidade que ficaram de fora, e que quem acompanha o Scream & Yell já deve ter esbarrado vez ou outra, gente como Samuel Úria, Márcia, JP Simões ou O Martim, donos de trabalhos interessantíssimos. Importante: a lista é pop e não inclui fadistas e cantores tradicionais portugueses, por isso não estranhe a não citação de nomes conhecidos como Madredeus, Mariza, a novata Gisela João ou mesmo “A Voz” Amália Rodrigues, ao menos quando dialogam com o pop de maneira ampla.
A ligação entre a música pop portuguesa e a Revolução dos Cravos não é despropositada. Acontecida em 25 de abril de 1974, quando os militares do País se uniram (sem usar uma bala sequer!) para retirar do poder Marcelo Caetano, representante de uma ditadura fascista erguida por António de Oliveira Salazar que durava desde os anos 1930, a data é comemorada na terrinha como o Dia da Liberdade e é um símbolo de renovação democrática, tendo “Grândola Vila Morena”, música de protesto do cantor Zeca Afonso, uma canção que fala sobre uma vila no Alentejo onde “o povo é quem mais ordena”, como senha para seu início.
Além disso, é a partir da Revolução dos Cravos que o rock português pode se organizar de fato: antes dele, os jovens começavam as bandas de rock, mas tinham de encerrá-las prematuramente para prestar serviço militar nas colônias africanas como Angola e Moçambique.
Por fim, mas não menos importante: são 15 canções (na playlist expandida, 50), indicativas de artistas com trabalhos relevantes para entender o ontem e o hoje do pop português. Em alguns momentos, indica-se mais pela canção; em outros, mais pelo trabalho consolidado do artista, conforme os textos vão sendo apresentados. Há ainda, em cada boxe, outras três sugestões de cada autor e uma pequena proposta do “se você gosta disso, pode gostar daquilo”, ainda que este possa ser uma mira um tanto quanto descalibrada em alguns momentos. Divirta-se.
Sérgio Godinho, “Liberdade”
“A paz. O pão. Educação. Saúde. Habitação”. Feito um hino para protestos e reivindicações populares, “Liberdade” é a principal faixa de “À Queima Roupa” (1974), terceiro álbum do trovador Sérgio Godinho. Misto de pensador político e cronista, Godinho compôs aqui a canção perfeita para os primeiros momentos após a Revolução dos Cravos, na fala de um povo que “vive com o peso do passado e da semente”. Dele, que é um misto de Leonard Cohen com Belchior, vale ainda conferir o grande Os Sobreviventes, de 1972, e as muitas parcerias com artistas brasileiros (checar O Filho do Meio, já dos anos 2000) e ‘novatos’ (como os Clã, também citados nessa lista).
Para quem gosta de: Bob Dylan, Belchior, Leonard Cohen, Chico Buarque
Ouça também: “Maré Alta“, “Com Um Brilhozinho nos Olhos“, “Que Força É Essa?“.
Um disco para procurar: “Setenta e Um – Oitenta e Seis”, coletânea lançada em 2004
Rui Veloso, “Chico Fininho”
No Brasil, há quem defenda que o marco inicial do rock dos anos 80 tenha sido o sucesso de “Você Não Soube Me Amar”, da Blitz, capaz de iniciar uma revolução na música nacional com seus versos engraçados e divertidos, quase à moda dos quadrinhos. Três anos antes, Portugal viveu um momento parecido com “Chico Fininho”, que contava a história de um gajo que “gingava pela rua ao som do Lou Reed” e vivia “sempre cheio de speed”. Tudo graças à parceria entre o portuense Rui Veloso e seu letrista Carlos Tê, que ainda criariam outros hits urbanos como “Rapariguinha do Shopping” no seminal álbum “Ar de Rock”, de 1980. Não é o grande clássico do rock português – e nem poderia sê-lo – mas é um marco inicial mais que respeitável.
Para quem gosta de: Paralamas do Sucesso, Blitz, Raul Seixas
Ouça também: “Sei de Uma Camponesa“, “Porto Côvo“, “Rapariguinha do Shopping”
Um disco para procurar: “O Melhor de Rui Veloso 20 Anos Depois”, coletânea lançada em 2000
Xutos & Pontapés, “Circo de Feras”
Falar de rock português sem falar dos Xutos & Pontapés seria como falar do rock dos anos 80 sem falar do U2: você pode até não gostar, e eles podem executar uma muralha de clichês, mas eles sabem bem o que fazem. Nascida na virada dos anos 70 para os anos 80, os Xutos se aproveitaram da relativa abertura de Portugal ao rock para se tornar uma das grandes bandas do País, trafegando entre o punk-77 e baladas românticas de primeira linha, como é o caso desta “Circo de Feras”, que já foi até gravada pelos Titãs nos anos 2000. Recentemente, a banda fez ainda um belo disco, “Puro”, de forte conteúdo político.
Para quem gosta de: Titãs, U2, Barão Vermelho, Capital Inicial
Ouça também: “Minha Casinha“, “Contentores“, “Para Ti (Maria)”
Leia mais: Xutos & Pontapés ao vivo na Queima das Fitas de Coimbra
Um disco para procurar: “Circo de Feras”, de 1987
Heróis do Mar, “Brava Dança dos Heróis”
Primeira banda a de fato redescobrir Portugal e tentar conectar suas tradições com o rock que se fazia à época, os Heróis do Mar (três primeiras palavras do hino português, vale dizer) foram um grupo incompreendido enquanto estavam na ativa, por trazer conceitos como “o mar”, “os descobrimentos” e a “cruz de Malta” justamente após o fim de um regime que louvava de maneira fascista tais símbolos — algo como uma banda brasileira que, nos anos 1980, quisesse homenagear os bandeirantes ou D. Pedro I. Calcados em synthpop e letras revivalistas, os Heróis do Mar duraram a maior parte da década de 1980, e marcaram grandes golaços como esta “Brava Dança dos Heróis”. Em sua formação estava Pedro Ayres Magalhães, que depois trocaria as guitarras elétricas pelas guitarras portuguesas e, ao lado de Teresa Salgueiro, formaria um grupo que é sinônimo de música portuguesa no mundo todo: o Madredeus.
Para quem gosta de: Duran Duran, a primeira fase da Legião Urbana, New Order
Ouça também: “Amantes Furiosos“, “Amor“, “Paixão”
Dois discos para procurar: “Heróis do Mar Vol. 1” (1981-1982) e “Heróis do Mar Vol. 2” (1982-1986)
Deolinda, “Movimento Perpétuo Associativo”
Iniciado em 2007, o Deolinda é talvez o maior nome da música portuguesa hoje, por sua bem azeitada junção dos gêneros musicais tradicionais do país (não só falando em fados, mas também em marchas e corridinhos) com uma veia pop incrível. Do icônico “Canção ao Lado”, lançado em 2008, pinçamos “Movimento Perpétuo Associativo”, um anti-hino nacional que mostra duas das principais forças da banda: as letras de cunho social e apelo cotidiano do grande Pedro da Silva Martins e a força interpretativa de Ana Bacalhau, uma das melhores intérpretes em cima de um palco em qualquer canto do mundo hoje em dia (confira aqui). Seu disco mais recente, “Mundo Pequenino” (2013), marcou o embarque da banda rumo a uma sonoridade global, com percussões africanas e letras universais como “Musiquinha”, “Seja Agora”, “Medo de Mim” e “Doidos”.
Para quem gosta de: Beirut, Pato Fu, Julieta Venegas, Marisa Monte (fase boa)
Ouça também: “Seja Agora“, “Mal por Mal“, “Parva Que Sou”
Leia mais: – Deolinda ao vivo em Lisboa, no Coliseu dos Recreios
– Entrevista com Pedro da Silva Martins para o S&Y
Um disco (com DVD) para procurar: “Deolinda ao Vivo no Coliseu dos Recreios” (2011)
Os Pontos Negros, “Senna”
Faixa que abre o terceiro disco deste grupo de Queluz, “Senna” é uma daquelas músicas cheias de versos para serem citados por muito tempo. Embalada por guitarras que emulam o estilo dos Strokes (“Eu não me chamo Casablancas”, avisa a letra), a canção é um testemunho pop sobre a falta de escrúpulos dos tempos modernos (“Meu combate não é com batida/ Os leões sou eu que trago na arena/ Se este mundo prefere ser Schumacher/ Já eu prefiro ser Ayrton Senna”), pelas mãos de uma banda extremamente capaz de fazer grandes refrões (vale conferir a chicletuda “Amor É Só Febre”, que já provocou comentários como “Julian Casablancas daria um braço pra ter feito”). Apesar de não gravarem por ela, Os Pontos Negros estão ligados diretamente à “malta da FlorCaveira”, selo local que tem como lema “Religião e Panque Roque”, responsável por bons nomes como Tiago Guillul, Samuel Úria, Diabo na Cruz e os primeiros trabalhos de B. Fachada.
Para quem gosta de: Strokes, power pop e grandes refrões
Ouça também: “Amor É Só Febre“, “Contos de Fada de Sintra a Lisboa“, “Rei Bã”
Leia mais: Entrevista com Os Pontos Negros, por Pedro Salgado, para o S&Y
Um disco para ouvir: “Soba Lobi” (2012).
B Fachada, “Estar à Espera ou Procurar”
Se há algum músico português da atual geração que merece o epíteto de gênio, este certamente é B. Fachada. Prolífico, mutante e reflexivo (à maneira de Beck), Fachada é capaz de criar grandes canções políticas (“Deus, Pátria e Família”, petardo de 20 minutos dum EP de 2009, ou “Zé”, que abre “Um Fim de Semana no Pônei Dourado”, também de 2009), belas baladas de desamor (“O Ciúme e A Vergonha”), crônicas sociais de caráter infantil (todo o disco “É Pra Meninos”, de 2010, uma verdadeira aula) e uma pepita pop de amor eterno, “Estar à Espera ou Procurar”. Ativo entre 2006 e 2012, e com passagens pela FlorCaveira (o selo “Religião e Panque Roque”), o músico fez uma pausa em sua carreira após o EP “O Fim”, mas já voltou aos palcos e aos lançamentos com “B Fachada“, de julho de 2014.
Para quem gosta de: Ben Folds, Beck, Beach Boys, Wado
Ouça também: “Tô Zé“, “O Ciúme e a Vergonha“, “98”
Leia mais: Entrevista com B Fachada, por Pedro Salgado, para o S&Y
Um disco para procurar: “B Fachada É Para Meninos” (2010)
Ornatos Violeta, “Dia Mau”
Fenômeno cult de proporção similar à dos Los Hermanos cá no Brasil, os Ornatos Violeta tiveram uma breve carreira nos anos 1990: apenas dois discos e um single esparso, “Tempo de Nascer”, tornando-se mais reconhecidos após o seu fim. O primeiro álbum, “Cão” (1997), era alegre e hedonista (seu primeiro verso era “Quero mijar, agora quero mijar”, do hino faithnomoriano “Punk Moda Funk”), mas o segundo, “O Monstro Precisa de Amigos” (1999), é que é o grande disco da banda. Enevoado, romântico (sem deixar de ser turbulento), carregado e guitarresco, “Monstro” é um disco cheio de canções irretocáveis, como esta “Dia Mau”, que mostra um apaixonado à beira do fim de um relacionamento, “Ouvi Dizer”, “Fim da Canção” ou “Capitão Romance”, fado-rock que conta com a participação de Gordon Gano, dos Violent Femmes.
Para quem gosta de: Violent Femmes, Faith No More
Ouça também: “Ouvi Dizer“, “Punk Moda Funk“, “Capitão Romance” (com Gordon Gano)
Ouça também: “O Monstro Preciso de Amigos” (1999)
Antonio Variações, “Canção do Engate”
Gay, (possivelmente) HIV positivo, barbeiro e fã incondicional da fadista Amália Rodrigues, António Variações pode ser considerado o equivalente português de Cazuza por suas canções sôfregas e cheias de paixão. E por sua vida curta (ele morreu aos 39 anos em 1984). Entretanto, se o barão vermelho tinha em si uma ética boêmia, Variações parece optar por uma moral cristã, traduzida facilmente em versos como “Quando a cabeça não tem juízo/ o corpo é que paga” ou “É pr’a amanhã, bem podias fazer hoje”. Mas talvez a canção que melhor o represente seja “Canção do Engate” (engate é um termo luso para “paquera” ou “flerte”), na qual o cantor praticamente se desmancha por alguém que não o quer, mas também não tem ninguém (“tu que buscas companhia/ e eu busco o que quiser”). “Vem que o amor é o momento em que eu me dou, em que te dás”. Ouch. (Nota: Variações era de fato barbeiro, e foi homenageado por seu ofício em uma canção dos Pontos Negros, “Se o Variações Fosse o Meu Barbeiro”).
Para quem gosta de: Cazuza, Amália Rodrigues, Anthony and the Johnsons
Ouça também: “É Pra Amanhã“, “O Corpo é Que Paga“, “Povo Que Lavas no Rio”
Um disco para procurar: “O melhor de António Variações”, coletânea de 1997
Clã, “G.T.I. (Gentle, Tall, Inteligent)”
A essa altura, talvez o leitor deva estar cansado de paralelos entre as bandas portuguesas e as brasileiras, mas vá lá, este cabe: os Clã são os Pato Fu de Portugal. Não é à toa: as duas bandas contam com uma vocalista versátil e expressiva (Manuela Azevedo / Fernanda Takai), homens de instrumentos extremamente bem capacitados, liderados por bons rapazes (Helder Gonçalves / John Ulhoa) e trafegam pelo pop com esperteza, além de serem capazes de fazer grandes versões (vale reparar na versão de “I’m Free”, dos Stones, que os tugas fizeram). As parcerias entre os dois grupos são bastante comuns: Azevedo já cantou em “Boa Noite Brasil”, canção dos mineiros de 2005, e o último disco dos portugueses conta com letras de John Ulhoa (a fofíssima “Outra Vez”). Quem também costuma colaborar com o Clã é Arnaldo Antunes, de quem os lusos já cantaram “As Coisas”. Sobre a canção escolhida, mais semelhanças com os Patos: “GTI” sai de um trocadilho barato entre pessoas e tipos de carros para evoluir para uma bela interpretação, com letras que remetem aos melhores momentos de Rubinho Troll (“O Filho Predileto de Rajneesh”, “Menti Pra Você…”).
Para quem gosta de: Pato Fu
Ouça também: “Eu Ninguém“, “Outra Vez“, “I’m Free”
Um disco para procurar: “Rosa Carne” (2004)
Dead Combo, “Lisboa Mulata”
Que futuro poderia ter uma banda cuja formação conta com apenas dois instrumentistas — na maior parte do tempo, ocupando-se apenas de suas guitarras, tocando músicas sem letra e explorando a sonoridade das cordas entre Portugal, África, México e Havaí? Pode parecer um projeto um tanto quanto ousado, mas com uma década de existência, já não se pode chamar os Dead Combo de um projeto efêmero. Ouvir um disco da dupla Tó Trips e Pedro V. Gonçalves é se preparar verdadeiramente para uma viagem musical só com passagem de ida, à melhor tradição de grandes violonistas como Ry Cooder ou Paco de Lucía, com ar de rock e pegada ibérica. “Lisboa Mulata” é a faixa que abre o disco homônimo dos rapazes, lançado em 2011, e transforma a capital lusitana em um entreposto qualquer pelos lados de Angola.
Para quem gosta de: Ry Cooder, Paco de Lucia, Egberto Gismonti
Ouça também: “Waiting for Nick at Rick’s Café“, “Putos a Roubar Maçãs“, “Esse Olhar Que Era Só Teu”
Um disco para procurar: “A Bunch of Meninos” (2014)
Os Golpes, “Tarde Livre, Parte III”
Grupo de duração efêmera (entre 2005 e 2011), Os Golpes tiveram apenas um disco inteiro e um EP. Entretanto, que grande disco é “Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco” (2009), uma tentativa da dupla Manuel Fúria e Pedro da Rosa de reinventar o pop à portuguesa, revisitando não só a tradição literária e cultural ibérica como também grandes momentos do rock tuga (os Heróis do Mar, citados acima, são a maior referência). “Tarde Livre, Parte III” merece destaque por duas razões: a maneira como retrata o amor idealizado (“és tão linda e és tão grande quanto a estátua do padroeiro no centro do largo Municipal”) e sua visão nostálgica da adolescência (“o sol a cair, o portão a fechar e eu sem uma bola para chutar”). Pedro da Rosa hoje defende as cores da Armada, enquanto Manuel Fúria fez um dos melhores discos portugueses de 2013 com Os Náufragos, “Contemplai os Lírios do Campo”.
Para quem gosta de: Arcade Fire, Heróis do Mar
Ouça também: “Vá Lá Senhora“, “Que Haja Festa Não Sei Onde“, “Procuro a Claridade” (as duas últimas já são de Manuel Fúria com os Náufragos)
Leia mais: Entrevista com Manuel Fúria, por Pedro Salgado, para o S&Y
Um disco para procurar: “Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco” (2009)
Os Azeitonas, “Quem És Tu, Miúda?”
Capitaneados pelo compositor Miguel Araújo, os Azeitonas são um exemplo do pop de rádio celebrado e bem-sucedido em Portugal, sem deixar a graciosidade de lado. Tente discordar disso ouvindo “Quem És Tu Miúda”, mais uma revisita do velho tema “da garota que passa” (ref cit. “Anna Júlia”, “Tolices”, “Garota de Ipanema”) que segue o livro de regras do manual pop (guitarra marcante, bateria explodindo no refrão, corinhos) como se ele fosse uma cartilha escolar. Outros dois bons casos disso são “Anda Comigo a Ver os Aviões”, balada sentimental que poderia tocar facilmente na Alpha FM se o sotaque não fosse barreira, ou “Ray-dee-oh”, lançada em 2013. Mas há mais que isso: “Nanana”, também do último disco dos rapazes, é uma ode ao pop mesmo quando tudo vai mal, e Araújo já se provou ser um bom cancionista para longe da alegria, como ocorre na bela “Desdita”, de seu disco solo de 2012.
Para quem gosta de: Lemonheads, Fountains of Wayne, power pop
Ouça também: “Nanana“, “Anda Comigo a Ver Os Aviões”, “Desdita” (Miguel Araújo)
Um disco para procurar: “Rádio Alegria” (2007)
Linda Martini, “Febril (Tanto Mar)”
Com raízes na cena hardcore de Lisboa, próxima até do movimento straight edge, o Linda Martini é uma banda que merece respeito, por fundir noise e punk com letras muitíssimo inteligentes. Se, em seus primeiros discos, a banda primava por guitarras furiosas e barulhentas, em seu disco mais recente, “Turbo Lento” (2013), as letras ganharam força, em resposta à situação política que vive Portugal nos últimos anos. É o que acontece em “Febril (Tanto Mar)”, que sampleia a canção de Chico Buarque. Nela, a música de Chico evoca a festa da Revolução dos Cravos, mas a voz de André Henriques pede lastimosa: “chama alguém, que eu não estou bem”, em retrato único de uma nação que, depois de celebrar, vive à mercê da palavra austeridade.
Para quem gosta de: Sonic Youth, Guided by Voices, hardcore
Ouça também: “S de Jéssica“, “Juárez“, “Ratos”
Leia mais: Entrevista com os Linda Martini, por Pedro Salgado, para o S&Y
Um disco para procurar: “Turbo Lento” (2013)
The Legendary Tigerman, “These Boots Are Made For Walkin'” (com Maria de Medeiros)
O moçambicano de nascimento, conimbricense de criação, Paulo Furtado começou sua carreira nos punk Tédio Boys e passou pelos Wraygunn, dois grupos influentes no rock português dos anos 90. Entretanto, foi ao apostar em sua carreira solo como one-man-band no projeto The Legendary Tigerman que ele lograria seus melhores momentos. É o caso do disco “Femina” (2009), no qual ele se cerca de mulheres para fazer sua guitarra gritar em blueses modernos à moda de Jack White, ou deixá-la ter momentos carinhosos como a transformação de “True Love Will Find You In The End” (Daniel Johnston) em uma canção de amor de beira de estrada, ou na sensualização (sim, ainda é possível) de “These Boots Are Made For Walkin'”, clássico do repertório de Nancy Sinatra.
Para quem gosta de: Jack White, blues moderno, Amy Winehouse
Ouça também: “Do Come Home“, “True Love Will Find You in the End” (com Cibelle), “She’s a Hellcat” (com Peaches)
Leia mais: Entrevista com os The Legendary Tigerman, por Pedro Salgado, para o S&Y
Um disco para procurar: “True” (2014)
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
Leia também:
– Download: “Projeto Visto 2? une artistas portugueses e brasileiros em EP gratuito (aqui)
– D’Alva: “Ficamos mais atentos à produção ouvindo o disco das Spice Girls” (aqui)
– Ana Matos (Capicua): Infelizmente, chega pouco rap brasileiro a Portugal (aqui)
– The Legendary Tigerman: “O rock e a dança devem ser momentos de libertação” (aqui)
– Emé: “A música não é uma questão de língua, mas sim de linguagem” (aqui)
– Nicotine’s Orchestra: Baixe a coletânea “77 13? e conheça esse combo português (aqui)
– Samuel Úria: “É incrível a maneira como o português do Brasil se reinventa” (aqui)
– O Martim: Pop de rua, com um cheiro a roque e vodka de limão (aqui)
Muito legal a iniciativa. Aliás, aqui em SP se encontra em algumas bancas, a bom preço, edições da revista Blitz, a RS da Terrinha, muito melhor que a nacional, diga-se, e com muita informação sobre os sons de Portugal. Eu adicionaria a essa lista o próprio Miguel Araújo (Azeitonas), que faz um som pop de primeira, e o peixe:avião, de Braga, que – ainda que eles não gostem muito da comparação – lembra bem o Radiohead nos momentos mais acessíveis.