por Marcelo Costa
É o último dia do ano em Londres e a câmera foca, em meio a neve, um homem sobre o parapeito de um prédio da rua Fleet, em Londres, famoso por ser um dos locais preferidos de suicidas. Como um último momento de prazer, nosso amigo decide acender um charuto, e assim que se prepara para a primeira baforada antes de se jogar no ar, é interrompido pela voz de uma mulher, que questiona: “Você vai demorar muito?”. Ela também quer se matar, e a fila aumenta quando uma patricinha e um entregador de pizzas chegam ao local com o mesmo intuito.
Quarto romance do britânico Nick Hornby (sucedendo uma tríade pop sensacional aberta com “Alta Fidelidade”, de 1995, e seguida com o ótimo “Um Grande Garoto”, de 1998, e o bom “Como Ser Legal”, de 2002), “Uma Longa Queda” (2005) decepcionou parte da crítica tanto quanto fãs por soar desequilibrado ao levar o leitor pelas mãos por um território denso (o dos suicidas, trecho excelente no livro) e depois largarem-no em um universo de jornalismo de celebridades, que soava como uma crítica útil, mas pecava por ser absolutamente rasa, mero pano de fundo para uma trama cafona de redenção.
“Uma Longa Queda” (“A Long Way Down”, 2014), adaptação cinematográfica dirigida pelo francês Pascal Chaumeil, cujo currículo destaca alguns trabalhos como assistente de Luc Besson (entre eles, “O Quinto Elemento”, de 1997) e a direção em uma comédia romântica de terceira categoria (“Como Arrasar um Coração”, de 2011), no entanto, surpreende exatamente por cortar as gorduras do livro, se concentrando em retirar o essencial dos três vértices do livro de Nick Hornby: a tentativa quádrupla de suicídio, a relação dessa turma improvável de amigos com a mídia após um pacto e o desfecho piegas.
Os quatro “amigos” são: Martin Sharp (o ex-007 Pierce Brosnan não consegue imprimir no personagem o tom canalha proposto por Hornby no livro, mas quebra o galho), um apresentador de TV que se envolveu com uma menor de idade e perdeu o emprego, a esposa e a liberdade; Maureen (Toni Collette sempre eficiente), mãe e dona de casa; J.J. (Aaron Paul sendo Aaron Paul), um músico frustrado; e Jess Crichton (Imogen Poots, a boa surpresa do elenco), filhinha de papai que enfrenta problemas familiares. O encontro no topo do prédio serve para que cada um dos personagens aprofunde seu drama.
Em comparação com o livro, o primeiro trecho do filme é o que sai mais perdendo, afinal o encontro destes quatro personagens infelizes no topo de um prédio no último dia do ano é recheado de humor negro, desabafos e desencontros. Pascal Chaumeil opta por acelerar essa parte, e não agride o espectador, mas poderia se aprofundar um pouco mais na gênese suicida dos quatro personagens. O que acontece deste ponto em diante melhora o que o livro traz como defeito exatamente por limar os exageros da escrita e se concentrar no absurdo da situação.
No fim das contas, o filme supera o livro (mesmo com o final piegas soando ainda mais piegas no cinema). A proposta de Nick Hornby em observar quatro personagens comuns escolherem o caminho mais longo (uma tradução mais correta do título do livro) após perceberem que a desgraça da vida é a solidão já havia sido explorada, de forma menos óbvia, nos romances anteriores do autor, e Pascal Chaumeil conseguiu extrair a essência deste objetivo em um filme que começa tenso, e vai amaciando, como uma dor de estômago que some lentamente, até terminar de maneira leve e feliz. Parece pouco, mas, ás vezes, o que precisamos é apenas de uma companhia. Ou de um passatempo. “Uma Longa Queda” cumpre bem essa função.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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– Sobre Nick Horby e “Alta Fidelidade”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Febre da Bola”, o filme: a versão americana com Jimmy Fallon e Drew Barrymore (aqui)
– “Febre da Bola”, o filme: a versão inglesa com Colin Firth (aqui)
– “Um Grande Garoto” é romance urgente, daqueles que retratam uma época (aqui)
– “Um Grande Garoto”, o filme, surge poético em algumas partes e patético em outras (aqui)
– “Como Ser Legal”, de Nick Hornby, é uma extensão da “teoria das calcinhas velhas” (aqui)
Tenho todos os livros do nick, mas acho como ser legal bem fraquinho. a trilogia a que te referes que casa melhor é tirando como ser legal e incluindo febre de bola.
acho que o nornby dá uma recuperada em slam e juliet nua e crua, mas em alguns momentos ele perde na comparação com hanif kureishi, por exemplo