Um Grande Garoto

por Marcelo Costa
1999

Quantos anos você tem? Tá, eu sei que sempre é uma pergunta chata, mas esqueça data de nascimento e me diga quantos anos você tem realmente? Will Freeman tem 36 anos, mas, na verdade, na prática, parece ter quinze. Não é estranho, então, que um garoto de 12 anos, Marcus, o veja como o melhor amigo. E vice-versa. Esses dois "adolescentes" são os personagens centrais de Um Grande Garoto (About a Boy) livro de Nick Hornby. Nick Hornby você já conhece, ou melhor, teria que conhecer. Seu primeiro romance, Alta Fidelidade, é um dos grandes livros da década e foi sucesso absoluto no mundo todo, inclusive no Brasil onde o filme, dirigido por Stephen Frears, arrebatou corações e fez "listas de cinco mais" serem algo mais que obrigatório na vida desses Robs Flemings perdidos no país.

Encharcado de citações ultra-pops, tanto livro quanto filme, funcionam como um pequeno diário de uma geração que cresceu e aprendeu a viver ouvindo e consumindo música pop. O grande barato do livro são as listas de cinco mais que Rob Fleming vai jogando na nossa cara, como por exemplo as cinco melhores canções faixas 1 do lado 1 de um disco (lembra do vinil? Tinha dois lados, um chiado que dá saudades e ainda permitia que a gente "visse" as canções).

Mas não espere de Um Grande Garoto um Alta Fidelidade 2. Não é. Se em High Fidellity Rob Fleming passa quase todo o livro relembrando/chorando relacionamentos frustrados, Will procura preencher as horas de seu dia (a noite é fácil), genialmente dividido em turnos de meia hora, com atividades que o tirem, um pouco, da monotonia de bon vivant que é.

Vivendo as custas dos direitos autorais de uma velha canção de natal composta pelo falecido pai, Will nunca trabalhou. Sempre foi vida boa. Sempre esteve na moda. Mas detesta se imaginar casado e filhos (afilhados então) nem pensar. Will quer ser livre, mas não sabe de quem. Quer honrar seu sobrenome (Freeman), mas para que honra se você vai passar a noite de sábado sozinho assistindo televisão?

Por sua vez, Marcus é totalmente o oposto. Criado pela mãe, Fiona, hippie até a ponta do incenso, Marcus é uma copia diminuta das opiniões maternas: não come carne, adora Joni Mitchell e desconhece moda, tênis adidas e uma banda famosa entre a garotada, o Nirvana. Rejeita o consumismo por opção de Fiona. Tudo isso o faz sofrer quando muda de escola e vira o alvo preferido da garotada, afinal, como todos sabemos, a sociedade, desde a mais tenra idade, questiona os valores de quem quer ser diferente, por opção ou por imposição, não importa.

Com esses dois personagens, Hornby invade a alma do leitor e traz a tona lembranças esquecidas, medos futuros e risadas cínicas, afinal, não somos/fomos os únicos a cometer certas besteiras. Seguindo o estilo Milan Kundera de A Insustentável Leveza do Ser, temos uma situação vista pelos olhos dos dois protagonistas, o que demonstra o estranho choque de personalidade entre um moleque com o de um trintão, sendo que o pivete se passaria muito bem por um trintão e o trintão não faria feio em uma sala de aula ginasial.

As citações existem, é claro, mas não conduzem a história, como era o caso de Alta Fidelidade, romance escrito só para aprofundados em cultura pop, afinal, uma pessoa que, por exemplo, não assistiu ao filme Backbeat vai perder uma parte bacana do livro, entre outras. Já em Um Grande Garoto nós temos uma citação aqui, outra acolá, e a participação de Kurt Cobain, desfilando seu instinto suicida que promete incomodar os personagens do livro. Sei que é perfeitamente possível alguém desconhecer o Nirvana, e esses perderam a grande sacada do livro que é a influência de um rock star (por mais que não quisesse, ele foi) nas vidas de um garoto de 12, uma garota de 15 (Ellie, uma menina fantasiada de Siouxie teen) e Will, 36.

Nesse ponto – as citações – o novo livro difere do anterior mas em essência é o mesmo Nick Hornby desvendando as dúvidas masculinas (nossas) para nós mesmos e para todas as mulheres. Às vezes parece deduragem das maiores, as vezes parece um favor. E quase sempre é genial. About a Boy é um tratado sentimental sincero, por mais canalha e cínico que seja. É suicídio. É assassinato (de marrecos). É o forte vencendo o fraco na escola. São os iguais questionando o diferente. É a força, imposta, da massa. Ninguém está livre de ser adolescente. Ninguém está livre de envelhecer também, mas parece que envelhecer nos anos 90 é mais cool do que já foi outrora. Parece.

Um Grande Garoto é romance urgente, daqueles que retratam uma época e talvez não façam sentido daqui a 50 anos. Mas no dia em que li, ele fez bastante sentido para mim e já se tornou um dos meus livros preferidos, um dos cinco melhores de todos os tempos. E não é à toa. Não é sempre que alguém vasculha o cérebro da gente e transporta as coisas que estão ali para as páginas de um romance. Nick Hornby fez isso. E muito bem feito. Se você tem segredos que acha que eram segredos, leia Um Grande Garoto. Uma porção deles estará ali. Pode ter certeza.

Marcelo, 29, edita o zine Scream & Yell, e tem a fita do filme Backbeat em casa, assim como a trilha sonora...

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