texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari
Show de lançamento de disco é um momento especial na carreira de um artista e funciona tanto como encerramento da fase de gestação de um álbum quanto ponto de partida para os shows que o artista irá fazer a seguir. Porém, não pertence a nenhum dos dois momentos. São eventos únicos, em que tudo pode acontecer, e a música, essa velha companheira, é apenas mais um elemento compondo, muitas vezes, um painel secundário numa festa que busca homenagear a conquista, afinal, gravar e lançar um disco decentemente (ainda mais no Brasil) é uma vitória.
Para o lançamento de seu sétimo álbum, o tristonho “Vazio Tropical”, em São Paulo, o cantor e compositor catarinense, radicado em Alagoas, Wado, chamou para a festa os principais responsáveis pelo rumo que o disco tomou, e dividiu a noite em pequenos blocos temáticos que levavam, a cabo, o nome de cada um dos participantes: Marcelo Frota, o MoMo, velho parceiro de Fino Coletivo, o jovem e novo parceiro Cícero, e o velho amigo Marcelo Camelo, principal responsável pela sonoridade despojada (e vazia) do novo álbum.
“Vazio Tropical” não é um disco para se ouvir numa balada, e, por isso, a opção de lançamento na Choperia do Sesc Pompeia soou arriscada. A delicadeza das 10 canções (incluindo a coda instrumental que nomeia o álbum) parece mais indicada a teatros, em que os bonitos arranjos, que valorizam letras acima da média, podem ser ouvidos e compreendidos com mais atenção, e a Choperia, mesmo sendo um dos melhores lugares de shows em São Paulo, convida o espectador à conversa, ao chopp e ao encontro de amigos. Ainda mais numa noite sold out.
A sensação, porém, é de que Wado ainda está admirando o filho recém-nascido, e mesmo ciente de que o rebento é diferente de seus outros seis irmãos, não quis fazer da noite agradável de quinta-feira uma apresentação inexorável do menino. Vale lembrar que “Vazio Tropical” é filho indiscutível de dois pais, Wado e Marcelo Camelo, trazendo genes e personalidade de ambos, o que faz com que o compositor pareça ainda estar se acostumando com as matizes e coloridos que o disco trouxe de seu parceiro produtor. Tudo isso esteve presente no Sesc Pompeia.
Desta forma é bastante sintomático que, entre as quatro primeiras canções, Wado tenha “gasto” os dois chameguinhos do álbum (“Primavera Árabe” e “Quarto Sem Porta”) intercaladas com as excelentes “Si Próprio” (do grande verso: “Se é tudo por um triz, você prefere ter razão ou ser feliz?”), do álbum “Samba 808” (2011), e “Vai Querer”, do hoje clássico “A Farsa do Samba Nublado” (2004), como se quisesse mostrar rapidamente que também é possível dançar coladinho no vazio tropical de canções do novo álbum.
A chegada de MoMo, porém, traz ao palco o que o novo álbum tem de melhor: lirismo. “Flores do Bem”, que Marcelo Frota gravou em seu disco de estreia, “A Estética do Rabisco” (2006), surge em versão comovente, valorizando a letra chicobuarquiana e o trompete choroso. Wado se mexe no palco como se estivesse cantando um de seus funks, axés ou sambas tortos, mas “Flores do Bem” é daquelas canções para se ouvir e admirar. A empolgação, porém, parece tomar o rapaz, e se segue na versão dos dois para “Amor e Restos Humanos”, outra bela faixa de “A Farsa do Samba Nublado”.
Duas canções novas (“Carne”, que no álbum conta com a participação de Gonzalo Deniz, do ótimo grupo uruguaio Franny Glass, e “Cais Abandonado”, esta uma das mais bonitas canções do disco) e Cícero é chamado ao palco. “Zelo”, uma das três parcerias de Wado e Cícero no álbum, é puro Cícero. O começo lento que cresce até a explosão (mesmo que contida) de guitarras segue um padrão que marca o álbum de estreia do compositor carioca (“Canções de Apartamento”, 2011), e que tem paralelo no show, com a dupla cantando “Tempo de Pipa”.
Até então, mesmo com o ótimo público já cantando algumas das recém-lançadas canções novas, a noite parecia insegura, buscando por um momento de luz. Se a insegurança permaneceu em cena até o silenciar das caixas de som, o primeiro momento de brilho surgiu quando a banda inteira (Wado incluso) deixou o palco para que Marcelo Camelo, munido apenas de voz e guitarra, entoasse, com toda força dos pulmões, uma das grandes canções de Wado, “Melhor”, delicada faixa de amor (e comportamento romântico) do álbum “Terceiro Mundo Festivo” (2008).
Camelo permaneceu em cena para dividir com Wado uma intensa versão de “Tão Feliz”, outra canção registrada por MoMo no álbum “A Estética do Rabisco”, e recuperada de forma caprichada em “Vazio Tropical” – um fio de arranjo tentando segurar duas vozes prestes a explodir. Empolgado, Marcelo Camelo deixou-se levar pelo momento, e permaneceu em cena tocando guitarra em “Rosa”, talvez a grande canção do novo disco, outra parceria de Wado com Cícero (“Marcelo colocou uma bateria surf music nela, reparem”, pediu o cantor).
“Com a Ponta dos Dedos”, dueto de Wado com Camelo presente no álbum anterior (vencedor do VMB 2012 na categoria Música do Ano), veio na sequencia, cantada a aplaudida por todos. Ao fim, encarnando um mestre de cerimonias ansioso (culpado?) pelo melhor momento da noite, Wado convidou: “Agora é hora de arrastar o pé”, e se seguiram “Estrada” (de “Atlântico Negro”, 2009) e “Tarja Preta / Fafá”, com o músico olhando para a lateral do palco, e avisando: “Eu fiz essa canção pra você… e nem sabia”.
O “você” em questão era direcionado a Fafá de Belém, que apareceu de última hora e subiu ao palco para mostrar sua voz potente, sua risada tão conhecida e seu charme natural rendendo outro momento luminoso da noite. Com todo mundo no palco (menos Fafá , que se despediu ao fim da canção com berros e sorrisos enquanto a plateia fazia coro com seu nome), Wado fechou o show com a bonita “Fortalece Ai” acompanhado de Marcelo Camelo, MoMo, Cícero e banda. No bis, “uma canção de amor”, a forte “Teta”, encerrou a noitada especial.
A primeira impressão que a noite deixa é de que (após Realismo Fantástico e Fino Coletivo) Wado encontrou uma nova turma de amigos, e parece viver o momento mais criativo e prolífico de sua carreira – a parceria com Cícero, por exemplo, estende-se a trilha de um programa de TV, produzida por Kassin, e o recém-lançado disco de MoMo, “Cadafalso”, traz três parcerias da dupla. Para um compositor (um dos grandes nomes da safra anos 00 da nova música brasileira) que chegou a cogitar abandonar a música, o momento é de alegria e festa.
Por outro lado, Wado precisa ninar as composições de “Vazio Tropical” e montar um novo show que valorize o grande disco que fez (com Marcelo Camelo), lançando luz sobre antigas canções que se encaixem a esta nova fase – um show, de preferência, silencioso, calmo e sentado, que permita que as músicas falem por si próprias. Em shows de lançamento tudo é permitido. O desafio maior, porém, é tocar a carreira em frente. Wado conseguiu gravar um grande disco (um dos melhores de sua carreira), agora precisa montar um grande show. Aguardamos.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “Samba 808 ao vivo”: Wado soube andar com as próprias pernas, por Bruno Capelas (aqui)
– “Vazio Tropical”: um disco bonito que, quanto mais se cala, mais fala, por Mac (aqui)
– Confira a galeria completa de fotos do show “Vazio Tropical”, por Liliane Callegari (aqui)
O Cícero é o Jorge Vercilo indie.
Santo Deus!!!
Os mesmos alternativos que colocaram o Cícero na moda pra ter notícia, vão colocar na moda falar mal dele pelo mesmo motivo. Mas vocês são óbvios demais. Todo mundo devia estar feliz porque alguém conseguiu ficar famoso de verdade com um bom disco furando o bloqueio da ignorância na internet, mas o lance é jogar areia. Bora jogar areia e enterrar o garoto logo!
Pessoal ignorante é pouco, Higor. Seria tão bom se criticassem aquela bandeca indie anglofona que fica torrando o saco com seu indie dance boiola, ou americana, ou inglesa? É muita assombração pra pouco espirito.
Posso colaborar com uma pá de areia? Se não for pedir muito, jogo três
Prevejo as pessoas criticando o Silva em 6 meses.
Indie que é indie tem que levar cinta pra valorizar o que existe
Que papo mais xarope de indie.
Quero saber do que é bom, esteja em que segmento estiver.
A frase titânica “um idiota em inglês vale mais do que eu e vcs” não me serve de carapuça.
Pra mim um acorde dissonante de João Gilberto vale mais que todas as bandas anglo-saxônicas dos anos 2000.
Não consigo parar de ouvir esse disco novo do Wado. É muito bonito! Parabéns pelos vídeos. Não pude ir ao show, mas sinto um gostinho aqui.