Best Kept Secret Festival 2013, Holanda

Texto e fotos por Marcelo Costa

DIA 1 – 21/06/2013 – Sexta

No primeiro dia da primeira edição do Best Kept Secret Festival, que acontece na região do lago de um enorme safari de vida selvagem com mais de 1500 animais (sem cercas!) em Hilvareenbeek, na província do Brabante Norte da Holanda (quase divisa com a Bélgica), o que se viu foi um festival decidido a entrar na rota dos grandes festivais europeus já em seu primeiro ano. A produção impecável, o line-up pequeno, mas esperto, e a participação intensa do público, que esgotou os 15 mil ingressos diários em seu primeiro ano, mostra que o Best Kept Secret Festival deve se fixar de vez no calendário de festivais da região.

A concorrência não é fácil. Neste mesmo fim de semana, a vizinha Alemanha promove dois mega festivais simultâneos de atmosfera gigante: South Side (no Sul) e Hurricaine (no Norte) enquanto Londres apresenta mais uma edição do All Tomorrow’s Parties Festival, mas uma das coisas bacanas do Best Kept Secret Festival neste primeiro dia foi exatamente o fato de ser um festival holandês voltado para o povo do BeNeLux. Todo mundo que veio conversar comigo primeiro usava o neerlandês, e só após o meu “sorry” é que eles falavam em inglês. A atmosfera de festival local é um dos charmes do evento.

Havia indícios que a produção estava levando a coisa toda bastante a sério acompanhando o blog do festival. Nas semanas anteriores, além de informação adiantada sobre bandas, horário dos shows e formas de se chegar ao Beekse Beergen Park, uma sequencia de reportagens especiais em vídeo elencava entrevistas com os donos das dezenas de barracas de comida que estariam presentes no evento – de enormes hambúrgueres servidos em pão sem glúten a batatas fritas gordurosas com maionese, fish and chips, comida indiana, vegan, sopas, doces, sorvetes e muito mais (aqui uma lista com todas, e sua especialidade).

Pode parecer bobagem, mas é bom lembrar que 60% do público está acampado desde a quarta-feira anterior (cerca de 8 mil pessoas) e segue até o começo da semana que vem – a maioria em barracas, mas muita gente nos bangalôs do parque. Logo, precisa de comida (estamos no meio do nada holandês) e basta admirar o povo feliz com o sol raro que apareceu no final do tarde (o dia inteiro ficou nublado, cinza, mas sem chuva) para entender que a experiência de um festival de verão europeu não pode ser repetida no Brasil (como tentaram) porque o estilo do país é outro. Aqui o verão TEM que ser aproveitado, pois dura pouco.

Porém, nenhum grande festival se sustenta sem grandes atrações, e este primeiro dia foi bastante interessante. A festa começou as 16h30 no palco 3 com Wave Machines (são quatro palcos: um enorme, uma tenda média, um pequeno e uma área de DJs), mas a reportagem do Scream & Yell, após conhecimento de terreno e algumas cervejas belga Jupiler (o fato do festival estar a alguns minutos do mosteiro onde é feita a La Trappe o condena pela escolha – nem que fosse um stand) só abriu os trabalhos quando o quinteto londrino The Maccabees começou seu barulho no palco principal.

Em um momento em que a cena indie pop mundial parece um monte de farinha do mesmo saco (bata num liquidificador Toro y Moi, Two Door Cinema Club, Passion Pit, Crystal Castles, Foster The People e outros menos relevantes que você não saberá diferenciar quem é quem após a mistura), o Maccabees surpreende por ser um pouquinho diferente, e exibir com talento essa disparidade no palco. As passagens inteligentes de guitarras dos White (Hugo e Felix), o domínio de palco do vocalista Orlando e a condução pesada pero no mucho do batera Sam Doyle fazem o show do Maccabees sempre uma boa surpresa.

No palco secundário, Surfer Blood. A expectativa era de uma aspereza a lá Pixies (presente nos primeiros singles), mas as bandas apenas se aproximam quando o comportado vocalista e guitarrista John Paul Pitts alterna vocais melódicos e berros, bem ao modo de Black Francis. No resto do tempo, o som do Surfer Blood fica entre algo que o Vampire Weekend faria se tivesse se apaixonado por Pavement e não por Paul Simon. O show (apesar de certinho) diverte pacas colocando a banda um passo à frente das listadas no paragrafo anterior e os cinco minutos intensos de microfonia emocionam. “Pythons”, o disco novo, acabou de sair. Vá atrás.

Voltando ao palco principal, o Bloc Party, aquela banda de início excelente, e que depois desceu ladeira abaixo chegando ao ápice com um playback no VMB Brasil e um show esquecível no Planeta Terra. Letrista de mão cheia, Kele Okereke ofusca os demais integrantes (o batera Matt Tong, ausente, cedeu o banquinho para uma garota que todo festival quer descobrir o nome) e sua guitarra, mais alta que os demais instrumentos, só torna o show fraco mais triste. Porém, o público jovem do Best Kept Secret nem se importa e pula (e até poga) nos hits “Banquet”, “Song For a Clay” e na terrível versão de “Hunting for Witches”. Pena.

Fechando a agenda pessoal do primeiro dia, o Arctic Monkeys entrou no palco com uma música nova, a cadenciada e estranha “Do I Wanna Know?”, com o público surpreendendo ao fazer “ôôôô” no riff circular – e depois esvaecer. Nada que o caminhão de hits sequencial não fizesse mudar. A avalanche “Brianstorm”, a empolgante “Dancing Shoes”, a crescente “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair” e a sensacional “Teddy Picker” mostraram que o Arctic Monkeys está montando melhor o repertório, e pode arrebentar quando quer. A primeira parada, necessária, foi na densa “Crying Lightning”, seguida da balada “She’s Thunderstorms”.

Dai em diante o show volta a alternar altos (“Brick by Brick”, “Dancefloor”, “Fluorescent Adolescent”) com momentos dispersivos (“Do Me a Favour”, “R U Mine?”), alguns pelos intervalos excessivos entre as canções. Uma nova, a fiftie “Mad Sounds”, surpreende: uma baladinha que combina com o terninho e com o cabelo encharcado de gel de Alex Turner, que parece estar viciado em Elvis (os trejeitos se acumulam durante o show). Na volta do bis, mais fifties. Ao violão, Turner apresenta “Cornerstone” e “Mardy Bum”. O povo dispersa e quando ameaça partir para ver o Fuck Buttons, volta correndo e cantando “When the Sun Goes Down”.

O Best Kept Secret segue neste sábado, mas mais cedo. Os portões se abrem ás 13h e a primeira banda, French Films, começa a fazer barulho às 13h45. No cardápio musical, um dia menos inspirado, mas ainda assim interessante (principalmente pela presença do Swans, responsável por um dos álbuns mais violentos do ano passado), com Wavves, Two Door Cinema Club, Alt-J, Melody’s Echo Chamber, Damien Rice e Savages. O sol saiu e, provavelmente, os salva-vidas tenham mais trabalho ao conter os bêbados animados que vão querer se refrescar no lago. Ontem só foram dois…

DIA 2

O segundo dia do Best Kept Secret era o que trazia o line-up mais linear, sem tantas atrações de peso, mas ainda assim com alguns nomes interessantes. Encabeçado pelo fabricador de Zs Damien Rice, a escalação ainda destacava gente com Wavves, Alt-J, Two Door Cinema Club, Melody’s Echo Chamber e Savages, mas tudo isso foi reduzido a pó após a apresentação ensandecida e inesquecível do Swans no palco 2 do festival no meio da tarde. A coisa foi tão intensa que recuperar o foco depois foi uma tarefa inglória. O ideal seria ter ido para o hotel após o show, mas tentei, em vão, observar um pouco do que estava acontecendo.

Por fim, após almoçar um ótimo fish & chips, acabei desenhando um novo plano de ataque que consistia em desistir das francesas Melody Prochet e Camille Berthomier (vocalista do Savages), afinal nenhuma delas é Virginie Ledoyen muito menos Mélanie Laurent, e os atributos musicais de Melody’s Echo Chamber e Savages (cenários requentados de outras décadas), apesar de interessantes, não são tão fortes assim para convencer alguém a ficar mais quatro horas em pé quando a vontade era ir pra cama tentar entender o atropelamento em massa causado pelo grupo de Michael Gira.

A experiência de um show do Swans começa de forma psicodélica e suave, com metalofone disputando espaço com um riff sujo de stell guitar enquanto Michael Gira canta: “There are millions and millions of stars in your eyes”. A hipnose dura cinco minutos e, então, o mundo cai. O volume é ensurdecedor, e cada vez que a canção parece que irá terminar, Gira levanta a perna e pisa violentamente no chão como se estivesse matando baratas, uma senha para demolição. Anote: toda vez que Michael Gira levantar a perna, segura que vem chumbo. E não acaba: no meio da tempestade sonora, ele gesticula pra banda pedindo mais e mais e mais.

A tenda 2 do Best Kept Secret está impressionantemente lotada, o que confirma o reconhecimento do redivivo Swans. Em abril, um show em Bristol marcado para uma casa pequena precisou ser transferido para o O2 Academy, com 5 mil lugares, após intensa procura de ingressos. A romaria deve-se tanto ao já clássico álbum duplo “The Seeker”, lançado em 2012 (e presente em diversas listas de melhores do ano) quanto à fama apavorante dos shows da banda. No palco, Michael Gira parece um boneco de vodu sente espetado por agulhas invisíveis. E o quinteto instrumental faz a trilha para a cerimônia caótica.

O show é um crescendo absurdo. Várias bandinhas por ai seguem a cartilha do roqueiro feliz: faça o show padrão e, na última música, arme um caos para impressionar a plateia. No caso do Swans, o caos dura o show inteiro com o vocalista cantando “sangre es vida, vida es sangre, amor es sangre”, virando a última latinha de cerveja do pack de seis que trouxe consigo, cuspindo repetidamente para o alto, e exigindo da banda o máximo barulho possível. O freguês sente todo o corpo chacoalhar separadamente dentro da carcaça: coração, rins, estômago, tudo balança. Apesar da sensação de fim do mundo, você está vivo. Impressionante.

Como prosseguir em um festival após tamanha violência? Os sentidos, perdidos, tentam conseguir um foco, mas a sensação é de descontrole. O Wavves entra no palco e faz um bom show, indie rock tradicional que, ao vivo, soa como uma mistura de Sebadoh com Ugly Kid Joe, mas não consegue segurar a atenção por muito tempo. Se não eles, o que dizer do Two Door Cinema Club e seu rock maçã raspadinha? De terninho verde bebe e gravatinha rosa clara, o vocalista, guitarrista e tecladista Alex Trimble parece não ter saído do jardim de infância rock and roll. Ainda assim, a arena (metade tomada) pula e se diverte.

O pequeno público presente no show do Two Door Cinema Club (havia mais gente para ver a atração anterior, o grupo belga pop Balthasar) diminui consideravelmente assim que o horário da apresentação do Alt-J se aproxima. A debandada é geral, mas como colocar 5 mil pessoas numa tenda para mil? O que acontece é o esperado: quando o quarteto inglês entra no palco, a tenda está absolutamente lotada até uns 50 metros fora dela. Desfocado, penso que essa é uma boa desculpa para me encaminhar para o shuttle que leva ao centro de Tilburg, e, de lá, de trem para Eindhoven. O dia já tinha sido ganho muitas horas antes. Valeu, Swans.

Agora é hora de recuperar a razão. Hoje tem Portishead e Sigur Rós…

DIA 3

O terceiro e último dia do Best Kept Secret 2013 começou com um prenuncio: assim que coloquei os pés fora do hotel, uma chuva forte de verão (apesar dos 12 graus) beijou o chão da praça em Eindhoven, e eu só conseguia pensar nas mais de 4 mil pessoas no camping. Definitivamente, não faço parte deste grupo (mas admiro os corajosos). Ainda assim, até onde contei, houve nove pancadas de chuva durante o festival seguindo a rotina: chuva, céu azul, sol, céu cinza, chuva… cada ciclo desses durante uns 45 minutos. A convidada de última hora, no entanto, não esfriou o ânimo da galera no melhor dia de todo festival.

Assim como no dia anterior, em que o quarteto londrino Wolf Alice tinha sido uma boa surpresa, no domingo foi a vez do cantor norueguês Mikhael Paskalev surpreender com um bom show no palco principal, que também recebeu o Local Natives, num eficiente show genérico. A festa começou de verdade quando os delinquentes do Black Kids subiram ao palco 2, e fizeram uma apresentação festeira e ensandecida, baseados numa equação Stones + Distorção que fez a galera enlouquecer. Saíram do Best Kept Secret com o título honroso de show com mais stage dive do festival. Uns 25… (vários ao mesmo tempo).

Saia o sol, fechava o tempo, chovia, parava e saia o sol de novo. Enquanto isso, a holandesada tirava bermuda e camiseta e entrava de cueca, calcinha e sutiã no lago do Beekse Bergen, sob o olhar atento dos salva-vidas. No palco principal, Palma Violets arrastava alguns gatos pingados para um deficiente show de punk rock. A força do grupo, centrada no empolgado baixista Chilli Jesson, diminui em um palco grande, mas eles se esforçam. Aliás, se não fosse Chilli  Jesson, o show do Palma Violets seria um tédio, mas ele vai, convoca todo mundo para gritar, pular e cantar, e termina, junto ao tecladista, em um stage dive comemorativo.

Kurt Vile & The Violators é o próximo da lista, e mesmo tendo visto apenas três músicas (sem ver o rosto do cantor, perdido na vasta cabeleira) é possível cravar que essas três sozinhas foram melhores que o show inteiro dele no Cine Jóia. Cortesia do som impecável do festival aliado a uma nítida evolução instrumental do grupo, que parece viver uma fase mais viajandona. Valia ter visto o show inteiro, mas isso custaria uma boa posição na tenda para conferir o Portishead ao vivo, e em um país em que a média de altura deve ser, fácil, 1 metro e 90, estar bem posicionado em um show é de suprema importância.

Com a tenda lotada, a voz em português que introduz “Silence” foi a deixa para a entrada da banda. O som, altíssimo, nítido e impecável, com o bumbo da bateria dando um soco no peito do freguês a cada batida, foi uma grata surpresa, e a banda aproveitou a excelência sonora para fazer uma apresentação digna do adjetivo matador. Os hinos “Glory Box” e “Sour Times” foram aclamados, mas a barulheira de efeitos em “Cowboys”, que fez muita gente levar as mãos aos ouvidos, foi o ponto alto de uma apresentação poderosa, com Beth Gibbons sofrendo a cada nota, e Adrian Utley fazendo um barulho danado com sua guitarra. Que show. Que banda. Que voz!

Para encerrar de forma inesquecível a primeira edição do Best Kept Secret 2013, uma apresentação épica do Sigur Rós, em sua melhor forma, com silêncio, melodia e barulho caminhando de mãos dadas numa noite azulada e de projeções encantadoras. De posse de arco de violino e guitarra, Jónsi comandou o grupo islandês em um show visual com repertório fincado no novo disco, “Kveikur” (cinco das 12 canções são do álbum recém-lançado) e faixas de quase todos os outros discos (“Popplagið”, de 2002; “Hoppípolla”, de 2005; “Festival”, de 2008; “Varúð”, de 2012 – os dois primeiros álbuns foram ignorados). Após tanto lirismo, o final apoteótico com a tempestade sonora “Popplagið” deixou boa parte público atordoado, fechando com uma usina de microfonia a excelente primeira edição do festival holandês.

Após três dias (mais alguns extras para quem optou pela diversão do camping) de shows e com algumas apresentações memoráveis, em sua primeira edição, o Best Kept Secret Festival se sai tão bem quanto qualquer festival de 20 anos de janela na Europa. A produção cuidadosa, o som espetacular e o local aconchegante e de fácil acesso demonstram que o festival chegou pronto e decidido a surpreender o público, que esgotou os 45 mil ingressos colocados à venda (mesmo com festivais concorrentes e de renome acontecendo no mesmo fim de semana em países vizinhos) e superlotou a área para acampamentos.

A vasta oferta de comida (de mexilhão e fish & chips a comida vegetariana, cafés, sorvetes, doces, comida indiana, batata assada e muito mais), a limpeza constante (válida a opção de cobrar 0,50 cents – retornáveis – pelo copo para cerveja/refrigerante, o que diminui a quantidade de copos no chão, já que três copos valiam uma cerveja, e cerveja é coisa séria por estes lados) e a disposição dos banheiros (mais de 30 urinóis em formato cone – para quatro pessoas – estavam distribuídos pela área do festival, diminuindo consideravelmente a fila das “casinhas”) mostram que o Brasil ainda precisa camelar muito para fazer um festival da qualidade do Best Kept Secret. A edição de 2014 já está confirmada. Vale agendar…

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Veja também:
– Galeria de fotos (aqui

15 thoughts on “Best Kept Secret Festival 2013, Holanda

  1. Vi este ano o Swans no Primavera Sound lá em Barcelona. Sem exagero: melhor show que vi na minha vida!!

  2. Basta querer fazer um festival decente desses, né, Mac? Não basta só propaganda, o pessoal sacou que é necessario algo. Espero que o Planeta Terra, o Lollapalooza, o Rock in Rio e os festivais da FBA ainda saibam fazer isso.

  3. O nome da baterista que estava no lugar do Matt Tong do Bloc Party é Sarah Jones. Ela também é baterista do Hot Chip

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