Discografia comentada: Wander Wildner

Texto por Marcelo Costa
Foto por Liliane Callegari

Era uma vez uma banda punk, em Porto Alegre, 1983. O trio de instrumentistas só sabia tocar seis músicas, todas de autoria própria. Não havia vocalista. A banda sai de férias e deixa uma fita das gravações com uma quarta pessoa que já havia tentado tocar guitarra com o trio, sem sucesso. Quando a banda retorna, Wander Wildner, a tal quarta pessoa, já havia decorado todas as letras e está pronto para assumir a posição de frontman dos Replicantes.

Em sete anos com a banda, Wander gravou três álbuns (dois deles, clássicos) com o Replicantes, participou de shows antológicos e viu sua voz nas principais rádios do país com o hit “Surfista Calhorda”. A partir de 1991 a história bifurca. Wander abandona os Replicantes e monta várias bandas (Sangue Sujo, Máquina Melequenta) até sair em carreira solo popularizando o punk brega (e, futuramente, dividir-se entre o Replicantes e a carreira solo).

Na carreira solo, Wander lançou seis discos, um DVD, uma coletânea e participou de um projeto da MTV, o ótimo “Acústico Bandas Gaúchas”. Para estrear seu novo site, Wander Wildner colocou toda sua discografia para download gratuito. Do clássico e obrigatório “Baladas Sangrentas” (1997) até o bonito “Caminando e Cantando” (2010), conheça abaixo cada um dos discos e das pérolas que o cara que ousou misturar Sid Vicious com Sidney Magal gravou em 15 anos de carreira solo.

Baladas Sangrentas, 1996

O álbum mítico produzido por Tom Capone. Wander Wildner gravou e mixou sua estreia solo nos horários livres do estúdio em que a Legião Urbana gravava seu derradeiro álbum, “A Tempestade”, ouvindo à noite nos fones a voz que Renato Russo gravava durante o dia. Lançado originalmente pelo selo Fora da Lei (do próprio Wander) em 1996, e relançado pelo selo Tinitus em 1997 (com nova capa), “Baladas Sangrentas” é o álbum que apresentou ao mundo o personagem punk brega que Wander adotou em sua carreira solo. Estão aqui hinos que reluzem a diamante bruto, e que dispensam apresentação: “Bebendo Vinho”, “Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, “Empregada”, “Um Lugar do Caralho”, “Maverickão”, “Lonely Boy” e “On the Road”. É possível fazer um festa punk brega só com essas músicas, mas, num disco com cara de “Greatest Hits”, vale prestar atenção no lirismo à flor da pele de “Ganas de Vivir” e na hilária “Freira Desalmada”, parceria de Wander com Thedy Correa.

Nota: 10

Buenos Dias, 1999

Da época em que Wander Wildner era acompanhado pela banda Chulé de Coturno, que nada mais era do que a Walverdes sem o vocalista Gustavo Mini Bittencourt. Produzido pelo próprio Wander e lançado pela gravadora Trama, “Buenos Dias” cravou ao menos dois hinos no cancioneiro punk brega: a balada punk “Quase Um Alcoólatra” e a sonhadora “Eu Queria Morar em Beverly Hills” (do poético verso: “Eu queria ser amigo da Kelly / Do Brandon, da Brenda e da Donna / Ser o vizinho da Daryl Hannah / Só pra beijar a sua bundona”). Porém, outras pérolas merecem ser redescobertas, como as regravações de “Minha Vizinha” (em versão mais punk e menos esporrenta que a gravada pelos Replicantes em “Papel de Mau”, de 1989), “Albert Einstein” (grande canção de uma banda gaúcha chamada A Barata Oriental) e o hino “Passatempo” (“That’s Entertaiment”, do The Jam, em versão não autorizada e genial do Camisa de Vênus). Há ainda o punk rock direto “Rato de Porão”, a hilária “Jesus Voltará” e a gauderia “Refrões”.

Nota: 8

Eu Sou Feio… mas Sou Bonito!, 2001

Gravado em Porto Alegre por Thomas Dreher e produzido novamente pelo próprio Wander, “Eu Sou Feio… mas Sou Bonito!” incorpora a persona brega deixando o punk de lado e se aproximando das milongas, o que funciona de forma brilhante na grande canção que abre o álbum, o “Mantra das Possibilidades”, na intensa “Eu Não Bebo Mais Como Eu Bebia” e na definitiva “Anjos e Demônios” (“Eu sou um viajante taoísta e sem memória / vou prá qualquer lado sem correntes e nem bóia / Eu sou um viajante, um hippie-cyber-punk / eu não tenho pressa, vivo em qualquer canto”) e sinaliza um álbum depressivo e distante.

Nota: 6

Paraquedas do Coração, 2004

O quarto álbum de Wander traz novamente a assinatura de Tom Capone, e não a toa é a dita sequencia direta da obra prima punk brega “Baladas Sangrentas”. Do momento em que começou a ser idealizado (em 1998) até seu lançamento, “Paraquedas do Coração” custou seis anos da vida de Wander, e o resultado justifica tanta estima pelo projeto: o hino do álbum é outra canção definitiva do repertório de Wander Wildner, a sensacional “Eu Não Consigo Ser Alegre O Tempo Inteiro”, mas no mesmo nível podem ser citadas “Rodando El Mundo”, “Eu Acredito Em Milagres” (versão de Wander para “I Believe in Miracles”, do Ramones) e as fodaças regravações de “Candy” (Iggy Pop) e, principalmente, “Hippie-Punk-Rajneesh”, hino d’Os Replicantes. Vale ainda citar a grudenta “A Última Canção” e a nova versão de “Ganas de Vivir”.

Nota: 9

La Canción Inesperada, 2008

Gravado no Rio de Janeiro, produzido por Bernas Ceppas e Kassin, e contando com o parceiro Jimi Joe nas guitarras e violões, Rodrigo Barba (ex-Los Hermanos) na bateria, e Flu (ex-Defalla) no baixo, o quinto álbum solo de Wander Wildner namora as milongas enquanto a produção exagerada tenta valorizar (através de cordas e teclas) o lado gauchesco do cantor, o que tira um pouco do brilho de “Um Bom Motivo” (canção do grupo Stuart que soa quilômetros inferior à primeira versão nua gravada por Wander que circula pela web) e de ”Without You”, música do Badfinger que Wander já havia gravado (também em melhor versão) para a trilha sonora do filme “Houve Uma Vez Dois Verões”, de Jorge Furtado. Ele se resume na frase “Eu sou um pouco Wando, um pouco wild”, de “Bocomocamaleão”, e homenageia a mítica Graforreia Xilarmônica com uma versão honesta de “Amigo Punk”, mas apesar de boas canções (“Winona”, “Porta-Retratos”, “Mares de Cerveja”, “La Canción Inesperada” – cantada em “espanhol selvagem”), falta despojamento a “La Canción Inesperada”.

Nota: 6

Caminando y Cantando, 2010

Gravado novamente em Porto Alegre (sem toda a pompa do disco anterior), “Caminando y Cantando” coloca o bardo gaúcho novamente nos trilhos. Ele já havia sido hippie, rajneesh e punkbrega. Agora se traveste de milongueiro em seu sexto álbum solo, um disco que respira as passagens do bardo por Buenos Aires, Montevidéu e Berlim. “As Coisas Mudam”, composta num quarto da capital alemã, abre o disco revelando: “Eles nunca dizem adeus. Os índios dizem vá em frente”. Wander aceita o conselho, e coloca o pé na estrada. “No walkman eu tenho carga pra seis horas e Johnny Cash”, avisa na ótima “Boas Noticias”, e aproveita para levar para um passeio a belíssima “Dani”, do disco solo de Jimi Joe, mas se preocupa: “E quando o espírito se libertar, quem tomará conta dos gatos?”. Há ainda versões de Belchior (o hino “A Palo Seco”, que se encaixa como uma luva no repertório de Wander ao constatar: “O tango argentino me cai bem melhor que um blues”), Sergio Sampaio (“Viajei de Trem”) e Julio Reny (a forte “Amor e Morte”) além de uma parceria com Jimi Joe e Arthur de Faria, o tango punk “Calles de Buenos Aires”.

Nota: 7,5

Mocochinchi Folksom, 2013

O bardo punk folk está de volta e seu sétimo disco solo reúne oito canções inéditas compostas no verão porto-alegrense e gravadas por um time de luxo. Iluminada, divertida e matinal, “O Breakfast do tio Dylan” abre o lado A do vinil exibindo um Wander Wildner em paz com o mundo, catando laranjas caídas no chão enquanto ouve vinis e observa o sol no cabelo da garota sob um arranjo que traz Jimi Joe na guitarra, Pedro Borghetti no cajón e Arthur de Faria se dividindo entre acordeon, tiple requinto, derbaks e glockenspiel. “Com o Vento ao Seu Favor” é um punk rock acústico movido a pandeirola enquanto “Folksom” – que traz bandolim, gaita e acordeon – e “Enquanto a Terra Girar” são as típicas canções que só Wander mesmo poderia cantar: a primeira avisa que o bardo está caminhando e vivendo “como um Rolling Stone, como um Beatleson, como um Kings of Leon e como um Bat Masterson” enquanto a segunda cita Elvis Costello, Jimi Joe, o show de Joan Jett no Lollapalooza, Robert Shelton e Johnny Rotten. No lado B, “Mocochinchi” (bebida tradicional boliviana) relembra o mítico discurso de David Choquehuanca, ministro de Relações Exteriores da Bolívia – que dizia que 21 de dezembro seria uma data perfeita para deixar de beber Coca-Cola e passar a beber Mocochinchi, marcando, assim, “o fim do capitalismo e o começo da cultura da vida” – enquanto Hique Gomes (do Tangos e Tragédias) toca violino em “O Homem Que Caminha a Noite Toda”. Lançado em vinil, CD e disponível virtualmente, “Mocochinchi Folksom” flagra um compositor meio punk, meio folk, meio hippie, mas totalmente Wander Wildner.

Nota: 7

Coletâneas, DVD, Os Replicantes

Encartada na revista Outracoisa, de Lobão, “Ritmo da Vida” (2004) traz alguns dos hinos do repertório punk brega (“Bebendo Vinho”, “Anjos e Demônios”, “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, “Mantra das Possibilidades”), mas se destaca por trazer a primeira versão de “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro” (aqui sem as cordas presentes no álbum “Paraquedas de Coração”) e as inéditas (e ótimas) “Adeus às Ilusões” e “No Ritmo da Vida”, além de “Ensaístico”, que Wander gravou para o projeto “Melopéia”, de Glauco Mattoso. “10 Anos Bebendo Vinho” (2006), no entanto, é a coletânea oficial, com faixas de todos os álbuns entre “Baladas Sangretas” e “Paraquedas de Coração”.

O DVD “Aventuras de um Punkbrega” reúne material raro, como o divertido videoclipe de “Jesus Voltará” (1990), canção que Wander só iria gravar nove anos depois, no álbum “Buenos Dias”. Há videoclipes dos maiores clássicos do cancioneiro punkbrega (“Bebendo Vinho”, “Eu Tenho Uma Camiseta”, “Quase um Alcoólatra”, “Um Lugar Do Caralho”), registros ao vivo toscos com Wander acompanhado por Tom Capone e Mauro Manzoli (“La Playa”, no Circo Voador, em 1996; “Maverikão”, no Ballroom, em 1998) e até a passagem pelo Acústico MTV, com “Ritmo da Vida” (2005). “Candy”, de Iggy Pop, surge em duas versões ao vivo, e “Bocomocamaleão” impressiona em registro com acompanhamento classudo da Orquestra de Câmara da Ulbra, de Porto Alegre.

Alguns bootlegs de Wander Wildner, como um bom show no Opinião, em Porto Alegre, são fáceis de encontrar na internet, mas o que realmente vale ir atrás é “Wander Wildner ao vivo no Café Camalehon, 2005”, em São Paulo. No formato voz e violão, Wander Wildner toca 21 músicas cruas passando à limpo sua carreira solo em versões emocionais (de “Bebendo Vinho” a “Rodando El Mundo”, incluindo até “Surfista Calhorda”). Também vale ir atrás da versão do bardo para canções como “Dormi na Praça” (sim, aquela) e “Trabalho Duro” (a versão Wander para “A Hard’ Days Night”). E, claro, não podemos esquecer do “Acústico MTV Bandas Gaúchas” (2005), com cinco boas versões para “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro”, “Bebendo Vinho”, “Eu Tenho uma Camiseta escrita Eu Te Amo”, “Mantra das Possibilidades” e “No Ritmo de Vida”.

Com Os Replicantes, Wander Wildner primeiramente gravou quatro álbuns: “O Futuro é Vórtex” (1986), “Histórias de Sexo & Violência” (1987), “Papel de Mau” (1989) e “Andróides Sonham com Guitarras Elétricas” (1991). Depois, em sua segunda passagem pela banda, gravou “A Volta dos que Não Foram” (2001), “Go Ahead” (2003), “Os Replicantes em Teste” (2004) e “Old School Veterans Braziliasta” (2006) além do DVD “Go Ahead: A Primeira Tour na Europa a Gente Nunca Esquece” (2006).

Leia também
– Wander Wildner: “O Brasil é uma merda e a música é reflexo do País”, por Murilo Basso (aqui)
– Quatro vídeos de Wander Wildner ao vivo em São Paulo, 2011 (aqui)
– Entrevistas com Wander Wildner: 2001 (aqui), 2004 (aqui), 2006 (aqui), por Marcelo Costa

19 thoughts on “Discografia comentada: Wander Wildner

  1. Baixei dois discos do site do Wander, mas na hora de descompactar, o winzip pediu uma senha. Procurei pelo site e não encontrei a dita cuja. Vc saberia informar, Marcelo? Agradeço! Abç!

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