por Kelson Douglas
Lançado na primeira semana de janeiro, “Dawn FM” (2021), quinto álbum do canadense Abel Tesfaye, ou, como a maioria de nós o conhecemos, The Weeknd, é aquele tipo de trabalho que ganha uma camada considerável de sabor quando vem embalado com um dever de casa por parte da audiência. Porém, existe um ponto onde a imersão neste trabalho conceitual passa de tempero para mesmice.
Vamos do começo: como uma espécie de parte 2 de “After Hours”, de 2020, “Dawn FM” foi produzido pelo próprio The Weeknd em parceria com Max Martin (Taylor Swift, Katy Perry), Daniel Lopatin (Warp), Calvin Harris, Swedish House Mafia e Oscar Holter (Charli XCX), um grupo que sabe fazer muito bem duas coisas: hits para as rádios e dinheiro.
Repleto de músicas que misturam um belo synthpop com letras que ora vão pelo caminho clichê do pop oitentista, ora pelos sintomas da depressão pandêmica com pitadas de pensamentos que fariam Rousseau abrir um sorrisão, “Dawn FM” apresenta excelentes momentos de produção musical, colocando o trabalho desde já como um dos mais interessantes de 2022 e o melhor da carreira de The Weeknd.
De cara temos “Dawn FM”, faixa que dá nome ao disco e traz a primeira participação do também canadense Jim Carrey por aqui. “Just relax and enjoy another hour of commercial” é o sinal que Carrey entrega, simulando uma estação de rádio junto com uma cutucada em forma de metalinguagem para o material pop que vem na sequência.
“Gasoline” faz parte da ala (estranhamente) dançante e autodestrutiva de “Dawn FM”. Aqui, The Weeknd mostra que os mais de 2 milhões de cópias vendidas de “After Hour”s, e o fato de “Blinding Lights’ ser uma das músicas mais tocadas de todos os tempos no Spotify, dão uma liberdade mercadológica e poética para que ele não tenha medo de escrever “And if I finally die in peace, Just wrap my body in these sheets (sheets), And pour out the gasolinе, It don’t mean much to me” em um dos potenciais maiores hits do ano.
Mostrando uma evolução instrumental de “Starboy” (seu terceiro disco), onde dividiu algumas faixas com o Daft Punk, Tesfaye entrega uma excelente viagem techno entre “How Do I Make You Love Me?” e “Take My Breath”, músicas que, assim como “Sacrifice”, se por um lado trazem letras com trechos dignos de qualquer sofrência brasileira, por outro também contam com camadas do lado mais denso do artista.
Ah, um ponto interessante: quem cantarolou “Feira de Acarí” em algum momento da vida pode experimentar um inesperado sentimento nostálgico nesta primeira parte do disco ao perceber a conexão sonora do freestyle (olá, Duran Duran!) com o nosso funk melody, tudo cria do synthpop colocado na rádio rumo ao limbo de The Weeknd.
Indo por um caminho do estilo “o ser humano nasce bom, a sociedade o corrompe”, “A Tale by Quincy” e “Out of Time” fazem parte do único momento do disco onde The Weeknd parece tentar se aprofundar um pouco mais nas raízes do próprio drama. Mas como aqui não é terapia, o jogo segue.
Menos dançante, a segunda metade de “Dawn FM” se ancora basicamente em músicas com batidas eletrônicas mais espaçadas, que criam ambientes maiores, como se o protagonista estivesse sempre longe, e letras recheadas do mais puro suco do pop romântico.
Aqui é bom lembrar da definição do pop que o jornalista Thiago Pereira Alberto traz em seu livro “Vida pop: representações e reconhecimentos da cultura pop em ficções de Nick Hornby”: “a representação de um mundo em que o outro se reconheça, se subjetive e passe, a seu modo, a habitá-lo”.
Sem querer (ou conseguir) ir além da construção de situações genéricas de conflitos pessoais e amorosos, The Weeknd aposta, na reta final, em letras que dialogam com um grande público, mas não entregam algo a mais como outros artistas fizeram dentro do mesmo gênero e de suas misturas, como os trabalhos recentes do Emicida e da Beyoncé.
Para fechar, “Phantom Regret By Jim” entrega um poema narrado novamente por Jim Carrey, com referências à Prince e um texto que mostra não uma chegada de The Weeknd ao purgatório, mas, sim, uma visita do Fantasma do Natal Passado ao artista — representado, inclusive, em seus novos clipes e na capa do disco —, que vem contar para ele que existe uma forma de se ir além de toda essa escuridão vista pelo caminho. “Consider the flowers, they don’t try to look right. They just open their petals and turn to the light”.
Quem vê a música como commodity e gosta do pop pode encontrar algo de épico em “Dawn FM”, assim como os tiozões que se identificam com o Barry, de “Alta Fidelidade”, provavelmente nem passarão perto do disco, afinal este não é o último lançamento do Wilco. O legal é o degrau logo acima do meio do caminho, que é onde o disco se encontra. Neste ponto é possível ver a evolução do artista, que encara um trabalho mais denso, e a evolução sonora para o gênero, que consegue atualizar um estilo ainda que não se preocupe em trazer mais do que um punhado de faixas sobre relacionamentos conflituosos sem tridimensionalidade.
– Kelson Douglas (@kelsondouglas) é especialista em cultura digital na região histórica de Minas Gerais
Boa crítica! Estava cansado de ler banalices de sites brazucas “especializados”. Voltei ao S&Y em boa hora, não só pelo texto desse review, más por todas as matérias. Bolas dentro !