Balanço: Osheaga Festival 2022, no Canadá, Dia 2 (Caribou, Mitski, Bleachers, Tai Verdes, Khruangbin, Pierre Kwenders)

Texto por Victor de Almeida

SAIBA COMO FOI O DIA 1 e o DIA 3 DO FESTIVAL

No modelo de festival que o Osheaga opera, com shows ao longo do fim de semana (de sexta-feira a domingo), múltiplos palcos e diversidade de gêneros musicais, se tem um dia que parece ser decisivo é o sábado. Geralmente, é um dia mais disputado e que mantem a euforia do primeiro dia. É bem verdade que o festival e o público sentiram o cancelamento do headliner, o rapper estadunidense A$AP Rocky, e para seu lugar foi convidado o também rapper, e pioneiro do trap, Future. No pós-Covid, as programações seguem mais “vivas” que nunca.

Foto de Susan Moss

Ao observar a programação, a sensação era que a equipe de curadoria e programação tinha apostado numa ideia de ecletismo para o segundo dia do Osheaga. Parecia ter alguma coisa para todo mundo. Mas, numa olhada mais a fundo, dava para ver como existiam várias linhas narrativas dentro da programação. Quer algo mais indie ou rock? Tinha Bleachers, Men I Trust, Mitski e Khruangbin. Pop? Faouzia, Tove Lo, Bia e Caribou. Vendo por esse lado, dava para perceber como parecia ter uma linha mais ampla que trabalhava com variantes do hip hop e do rap. Sampa The Great, Tai Verdes, Skiifall, Freddie Gibbs, Burna Boy e Future, eram alguns dos nomes interessantes.

Foto de Susan Moss

Nosso dia começou novamente no Scène des Arbres com Pierre Kwenders que, assim como San Farafina (artista que indicamos em nossos destaques pré-festival), integra o incrível coletivo cultural Moonshine. Nascido em Kinshasa, no Congo, imigrou para o Canadá ainda na adolescência. O show teve como fio condutor seu álbum mais recente, o excelente “José Louis and the Paradox Of Love”, no qual o músico mistura suas influências africanas com o pop, o hip hop e música eletrônica (Kwenders também atua bastante como DJ). No palco apenas Kwenders e um outro músico controlando as programações e soltando as bases das músicas, aqui é incrível ver como ele transita entre línguas de sua ascendência africana, o inglês e francês. Um artista que merecia um horário mais generoso, sem dúvida.

Pierre Kwenders / Foto de Simon White

Daqui, partimos para o Scène de la Montagne para ver o show dos Bleachers. Jack Antonoff, agora mais conhecido como produtor de cantoras como Taylor Swift, Lorde e Lana Del Rey, é um sujeito peculiar. Da última vez que o vi ao vivo, fazia as vezes de um guitarrista introspectivo com cara de nerd na banda fun,, grupo meio insosso mas que talvez vocês lembrem do hit massivo “We Are Young”. Ver Antonoff, mais de uma década depois, como um frontman enérgico e falador é uma mudança e tanto. O grupo de Nova Jersey não esconde (e nem poderia) a influência (ou o pastiche) de Bruce Springsteen e da E Street Band, mas é preciso reconhecer como Antonoff se mostra como um conhecedor de todas as artimanhas e truques do rock de arena. Discursos inflamados antes e no meio das músicas, brincadeiras com a plateia, improviso citando ruas importantes da cidade de Montreal (com a ajuda do saxofonista Evan Smith, que morou na cidade por quatro anos para estudar Performance de Jazz na McGill University).

Bleachers / Foto de Pat Beaudry

Em um dos momentos mais interessantes do show, Antonoff se afirmou depressivo, revelou que sofre de ansiedade e que encontrou um lugar para se refugiar das crises. O lugar é seu estúdio em casa, no Brooklyn, e falou sobre como seu processo de composição o ajuda a lidar com as crises de depressão. Neste momento, começou a comandar a banda e mostrar o seu processo de composição, instrumento por instrumento. “Quando eu me sentia ansioso, eu colocava meus headphones e vinha aquela nota na minha cabeça”. O tecladista toca um acorde. “Eu sentia algo junto com aquele acorde, chimbal”. O baterista começa um beat. E assim com a guitarra e os outros instrumentos e formar a intro de “I Wanna Get Better”. Coisa de quem entende do ofício e sabe entreter.

Bleachers / Foto de Pat Beaudry

O fim do show com “Stop Making This Hurt” é uma catarse a parte com Antonoff falando sobre os efeitos do lockdown em sua saúde mental e celebrando o último show da turnê atual dos Bleachers. É perceptível que “Take The Sadness Out Of Saturday Night” cresce bastante ao vivo e que o show segurou a juventude do Osheaga pulando por 50 minutos, mas gostaria de pensar que Bruce deu a benção ao participar da gravação de “Chinatown”.

Foto de Benoit Rousseau

Em sequência, uma travessia no parque para ver um pouco dos outros palcos. Chegamos no meio do set de Tai Verdes. O rapper californiano tem pouco tempo de carreira, mas já foi catapultado aos grandes palcos com o viral da música “Stuck in the Middle” no TikTok. A música lançada em 2020 abriu caminhos para o lançamento de “TV” em 2021, que trouxe o single “A-O-K”, estreia de Verdes nas paradas de sucesso da Billboard. No show, a mescla de pop e hip hop não impressiona e é preciso admitir que a falta de experiência de Verdes é evidente, embora seja notável o sucesso que faz com a juventude. O público era visivelmente mais jovem que em outros palcos.

Tai Verdes / Foto de Tim Snow

Hora de cruzar o parque novamente para um dos shows mais aguardados do dia, o da cantora nipo-americana Mitski. O palco pronto tinha apenas os instrumentos e uma porta como cenário. Os primeiros acordes de “Love Me More” começam e o público já começa a gritar, Mitski surge com um olhar sério e começa a cantar. Não parece nenhum exagero realçar a sofisticação da performance pop da cantora, que no palco parece estar “no personagem” todo o tempo. A seriedade, entrega e, sim, sensualidade com que encara suas coreografias dão contornos ainda mais dramáticos para um show que é esteticamente impecável.

Mitski / Foto de Pat Beaudry

Mitski ao vivo é hipnotizante. Apesar de estar acompanhada por uma grande banda, é difícil parar de olhar para ela fazendo passos de dança mesmo em solos de guitarra ou sintetizadores. Em uma das duas vezes que pareceu baixar a guarda, Mitski se apresentou no meio do show soletrando o próprio nome e, no final, quando um singelo “obrigada” serviu de despedida do público. Um ponto que, talvez, tenha passado despercebido para a plateia era a bandeira do Brasil na bateria de Bruno Esrubilsky, músico nascido na Argentina, mas naturalizado brasileiro. Detalhes que não podem passar despercebidos, pelo menos não em ano de eleição.

Mitski / Foto de Pat Beaudry

Foi Mitski se despedir que, no palco vizinho, o Khruangbin entrou em cena. O trio formado por Laura Lee no baixo, Mark Speer na guitarra e Donald Ray “DJ” Johnson Jr na bateria tem sido presença constante em festivais pelo mundo todo, tocando em horário nobre nos palcos principais. Grande parte desse sucesso se deve à mistura de rock, dub e soul com requintes psicodélicos. Mesmo sendo uma banda que faz um set majoritariamente instrumental, me parece sempre que sabem dosar bem quando soltar músicas cantadas para trazer hits como “Time (You And I)”, People Everywhere (Still Alive)” ou uma citação de “Misirlou”, de Dick Dale. Sem querer diminuir o trabalho de Speer na guitarra, me impressiona muito no Khruangbin o trabalho de drum & bass de DJ e Laura Lee. Sem dúvida tem muita coisa de entrosamento ali que não passa, necessariamente pelo virtuosismo. A banda faz um grande trabalho em segurar a onda dos palcos grandes e trazer uma psicodelia desejável em um pôr do sol de verão.

Khruangbin / Foto de Pat Beaudry

Seguimos para o Scène de L’Île para o nosso headliner do segundo dia, Caribou. Esse palco, talvez, seja o mais isolado do festival, ficando numa borda da ilha, em meio às arvores, margeando o rio St Laurent – do local dá para ver as luzes de Montreal do outro lado e a ponte Jacques-Cartier iluminada. Ao chegamos no espaço, ainda foi possível ver o final do set da produtora britânica TSHA. Com um pé fincado no techno, mas flertando com ritmos africanos e caribenhos, a DJ tocou para um público crescente a espera de sua atração principal.

TSHA / Foto de Benoit Rousseau

Luzes apagam e o telão é ligado, Dan Snaith e companhia entram em cena para se apresentar para uma plateia ansiosa. É a segunda vez que tenho a sorte de ver o Caribou esse ano – a primeira no Lollapalooza Brasil, não atraiu muita gente – e sempre é um privilégio ver um grande show de house, dance ou música eletrônica, como queiram, executado com instrumentos ao vivo. Embora a estética do Caribou de não iluminar a banda acrescente um ar de impessoalidade a performance, o elemento humano na música faz toda a diferença, ver e ouvir as polirritmias tocadas em duas baterias de Snaith e Brad Weber contagia e, de certa forma, emociona.

Caribou / Foto de Benoit Rousseau

Era visível como a banda estava à vontade, mas era ainda mais perceptível como Dan parecia particularmente comovido. Desde ir a frente do palco e fazer gestos de agradecimento à plateia a cada música até, em partes que não tocava, sair do palco e ficar dançando do lado da caixa de som, Dan se divertiu tanto quanto o público canadense (e nós, o contigente estrangeiro). Caribou não tem erro, a sequência final com “You Can Do It”, “Never Come Back” e “Can’t Do Without You”, uma espécie de hino pós-pandêmico, foi um dos momentos mais bonitos do Osheaga até o momento.

Foto de Benoit Rousseau

SAIBA COMO FOI O DIA 1 e o DIA 3 DO FESTIVAL

– Victor de Almeida (@Victoranpires) é jornalista, Doutor em Comunicação pela UFPE e professor da Universidade Federal de Alagoas. Autor dos livros “Além do Pós-Rock” (2015) e “Circuitos Urbanos e Palcos Midiáticos” (2017). 

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