Três perguntas: Zoe Trio fala sobre o EP “Cisma” e Björk

entrevista por Marcelo Costa

Formada no Rio de Janeiro em 2008, a Zoe Trio está de volta com trabalho novo, “Cisma” (2021), um EP de quatro faixas que está saindo via Selo Curva e cujo norte é mais rock, enquanto os anteriores tendiam mais ao jazz e ao post rock experimental. “Eu estava há um tempo querendo fazer, por mais simplório que pareça, riffs”, conta o guitarrista Paulo Grua na conversa abaixo feita por e-mail. “Eu amo Page, Iommi, Towshend… queria fazer ao menos um punhado de canções onde o riff seria o mais importante”, completa.

As três lendas da guitarra elencadas por Paulo no primeiro parágrafo, no entanto, estão longe de serem inspiração para um formato óbvio, muito pelo contrário: “A obviedade é inimiga da arte. Por isso a gente sempre tenta pegar músicas que a gente gosta de ouvir, independentemente de ter ‘a cara’ do nosso som. Aliás, isso contribui muito pra um dos nossos objetivos, que é NÃO fazer ‘música para músicos’ (erro que muitos grupos instrumentais cometem)”, vaticina o baixista Daniel Coelho (Diego Martins completa o trio na bateria).

Para o EP “Cisma”, a cover escolhida foi da canção “Isobel”, presente no álbum “Post” (1995), de Björk, que surge aqui numa viagem incrível de nove minutos. “Björk é um dos gênios (gênio mesmo, no sentido real da palavra) não apenas da música, mas das artes visuais também. Acho que isso tem um valor enorme”, comenta Diego. “Cisma”, que encerra um silêncio discográfico de cinco anos do Zoe Trio, já está disponível em todas as plataformas digitais. Ouça na sua plataforma favorita e leia o bate papo com Diego e Paulo abaixo!

Vocês começaram mais post-rock lá em 2012, com o álbum de estreia homonino. Depois namoraram o jazz no EP “Tristeza” (2016). Agora com o EP “Cisma” (2021) a sonoridade, ainda que instrumental, dá outra guinada. Eu queria saber como essas mudanças são pensadas dentro do trio. É algo de sair um som e vocês começarem a burilar até saber onde vai dar ou uma coisa mais pensada, tipo, “vamos seguir esse caminho”?
Paulo – Olha, a gente gosta de muita coisa diferente, às vezes nem sabemos o que influenciou cada som. No primeiro disco foi absolutamente livre; o único critério era tocar aquilo que não poderíamos tocar em nenhum outro lugar. A gente também tava ouvindo muito Macaco Bong, Toe… com certeza influenciaram nesse caminho de músicas longas e com várias partes. A partir de então, os seguintes tiveram sim um “norte”, pra ajudar a gente a focar e não se perder no processo. No segundo EP, a primeira que compus foi a faixa título, e eu estava ouvindo muito Django Reinherdt, e aí saiu essa versão minimalista de jazz. A gente curtiu, e acabamos seguindo nessa direção mais calma e com influências de jazz. No “Cisma”, eu estava há um tempo querendo fazer, por mais simplório que pareça, riffs. Eu amo Page, Iommi, Towshend… queria fazer ao menos um punhado de canções onde o riff seria o mais importante. A gente fez a faixa título lá pra 2017, quando o mundo já estava dando sinais de que ia ficar de ponta-cabeça, e tocamos ao vivo nos últimos shows juntos e rolou super bem. Daí ficou claro que era também um bom momento pra explorar esse caminho.

Como rolou a parceria com o Selo Curva para lançar “Cisma”? Como é para vocês ter um selo apoiando a banda no trampo de lançar um trabalho novo?
Paulo – Eu também toco em outra banda, a Velhomoço, que lançou pelo Curva. Depois acabamos mudando de selo, mas o Alexandre deixou as portas abertas pra gente voltar e, pra minha surpresa, ele conhecia o trio e falou, “quando vcs retornarem com o Zoe, me avisem”. E assim foi. Ele, Eduardo e toda galera do selo nos recebeu de braços abertos e deram uma baita força.

Diego – Ter o selo dando esse suporte – pra nós, que somos uma banda há uns 15 anos – está sendo como um solteiro morando sozinho quando descobre aquele robozinho aspirador de pó: você não sabia que era essencial até ter um. Antes a gente (não) fazia tudo sozinho. E como temos outras atividades além da música, acabava que muita coisa ficava varrida pra debaixo do tapete, principalmente relacionada à divulgação do nosso trabalho. Deixávamos coisas essenciais relacionadas a esse planejamento de lado. Agora, com o Selo Curva na ponta, parece que um mundo novo se abriu para a banda. Aliás, um salve enorme pro Alexandre e pro Eduardo, que tocam esse coletivo maravilhoso!

Björk é absolutamente incrível, e raríssimos artistas brasileiros arriscam a fazer uma versão de uma canção dela. Como surgiu o desejo de tocar “Isobel” e como foi construir o arranjo que está no “Cisma”?
Diego – Primeiro, é uma pena que pouca gente no Brasil esteja ouvindo e tocando Björk. Justo ela, que tanto valoriza a música brasileira (a versão de “Travessia”, do Bituca, é uma coisa maravilhosa). Pra mim, ela é um dos gênios (gênio mesmo, no sentido real da palavra) não apenas da música, mas das artes visuais também. Acho que isso tem um valor enorme: quando o músico se preocupa não apenas em como as pessoas ouvem, mas também como elas visualizam a sua música. Eu e Paulo somos muito visuais, e a Björk leva isso às últimas consequências de uma forma quase que poética. Quanto à versão em si, é uma coisa que sempre fazemos no trio. Tentamos procurar músicas que saiam do óbvio das versões instrumentais. Não faz muito sentido pra nós como power trio, por exemplo, pegar um standard do Led Zeppelin que já tem os riffs de guitarra, as linhas de baixo e os grooves de bateria prontos, e fazer um cover. Fazer isso nos deixaria em um dilema: ou iríamos descaracterizar completamente a música, ou a nossa “versão” acabaria ficando óbvia demais. E, no final das contas, a obviedade é inimiga da arte. Por isso a gente sempre tenta pegar músicas que a gente gosta de ouvir, independentemente de ter “a cara” do nosso som. Aliás, isso contribui muito pra um dos nossos objetivos, que é NÃO fazer “música para músicos” (erro que muitos grupos instrumentais cometem). Isso também foi muito levado em conta na hora de compor nossa versão, porque é importante que o fã de Björk consiga identificar a composição que ele conhece na nossa interpretação. Nesse contexto, como eu e Paulo somos muito fãs da Björk, fazer uma versão de “Isobel” foi algo muito natural.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Amaury Alves / Divulgação

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