por Herbert Moura
O compositor, cantor e violonista Lê Coelho chega ao seu terceiro trabalho solo, “Atravessia” (2021), que foi precedido por “Tuvalu” (2014) e “Imirim” (2017) – sem contar dois discos com a Banda de Argila, coletivo de seis músicos que por sete anos desenvolveu um trabalho experimental sobre música brasileira e rock progressivo, e outros dois discos com os Urubus Malandros, grupo de oito músicos com o qual realiza uma pesquisa sobre o samba. “É o terceiro disco que assino solo, embora meus trabalhos sejam sempre uma construção que conta com a colaboração coletiva de muita gente”, explica Lê.
Seu último projeto antes deste novo trabalho foi o show “Boleros e Outras Delícias”, com Cida Moreira cantando Sérgio Sampaio, espetáculo que foi realizado no teatro do Sesc Pompéia e com turnê interrompida pela pandemia. Desse projeto surgiu a parceria com a atriz e cantora Cida Moreira, que em “Atravessia” canta “Ausência”. Além dessa faixa, o EP “Atravessia” é composto por “O tempo e o Vento” e pela faixa título. Ivan Gomes assina a produção. “Há 15 anos é meu parceiro, que chamei para integrar os Benditos Malditos, em que tocavamos apenas músicas de Itamar Assumpção”, conta Lê Coelho.
A escolha do formato EP se deu na quarentena. “Em determinado momento, ainda antes de iniciar a pandemia, percebi que meu desejo era lançar um trabalho que falasse sobre os rituais da vida, os pequenos ciclos que vamos acumulando durante nossa passagem por aqui, ciclos que de acordo com minha percepção possuem sempre um mesmo mecanismo de angústia, que desencadeia em dor e depois cura”, explica. “A cura de que falo não é uma solução, um remédio, é o fechamento de um ciclo, é o momento em que sentimos que devemos ou podemos encerrar um desses ciclos e nos abrirmos para um novo ciclo. Assim, decidi por essas três canções, cada uma representando um desses momentos: angústia, dor e cura. E inventei essa palavra Atravessia. Dessa forma, não fazia sentido incluir outras músicas no disco, esse disco é assim, três canções que representam essa história que eu queria representar”, completa. Abaixo, Lê Coelho fala de cada uma dessas três canções.
01 – “O tempo e o Vento”
As canções foram criadas em períodos diferentes, todas iniciadas antes da pandemia. “O Tempo e o Vento” foi uma canção que começou a surgir depois de um show do Radiohead que fui no Allianz Parque, e demorei um tempão para fechar ela. Não sou grande conhecedor de Radiohead, e havia escutado muito pouco até ir ao show. Fiquei muito impressionado positivamente. Acho que de alguma maneira aquele show influenciou essa música musicalmente. Música e letra nasceram juntas. A música fala sobre a angústia de alguém que se encontra em um lugar de incertezas, de dúvidas sobre a vida, sobre seu destino… alguém que se sente frágil diante da própria vida e dos próprios sentimentos e futuro.
02 – “Ausência”
Nasceu de um exercício de uma aula que estava fazendo na pós-graduação em canção popular na faculdade Santa Marcelina com Lilian Jacoto, que tratava sobre a relação de música e letra na canção. Escrevi primeiro a letra, e depois musiquei. A letra fala sobre a dor, especificamente a dor gerada pela ausência, e tentei criar uma relação intrínseca entre o contorno melódico e a letra, guardando a revelação do sentido metafórico da letra para o final da música. Como a Lilian deu uma sugestão e um colega que fazia a aula também deu outra, ambos se tornaram parceiros na música. Foi um caso bem particular de maneira de compor para mim.
03 – “Atravessia”
Surgiu quando estava na Bahia. Fiz uma viagem à Bahia sozinho no início de 2020. Estive em lugares sozinho, praias sem ninguém, e tudo aquilo me levou a muitas reflexões sobre a vida e o destino. Sobre nosso não poder de decidir sobre os acontecimentos da própria vida, às surpresas inesperadas que a vida nos impõem, e sobre a beleza e sabedoria de lidar com isso, como isso é por si só um processo de cura. Essa música finalizei depois, durante a pandemia.