entrevista por João Pedro Ramos
A banda d’além-mar Anarchicks está de volta com um novo disco no forno, sendo preparado com calma em meio ao caos do mundo pandêmico. A primeira amostra é o single “No Freedom Under Fascist Rules”, lançado no final de junho. Gravado e masterizado por Makoto Yagyu e Fábio Jevelim (HAUS), o single foi lançado pelo selo Throwing Punches e está disponível em todas as plataformas de streaming.
Como a música lançada atesta, o sucessor de “Loose Ends” (2019) virá mais contestador e político, sem perder o peso e a irreverência sarcástica que são peculiares ao som da banda portuguesa formada por Rita Sedas (voz), Helena Andrade (baixo), Adam d’Armada Moreira (guitarra), Mariana Rosa (guitarra) e Catarina “Katari” Henriques (bateria). A banda está na ativa desde 2011 e traz na bagagem os EPs, “Look What You Made Me Do” (2012) e “We Claim The Right” (2014) e os álbuns “Really?!” (2013, quando conversaram pela primeira vez com o Scream & Yell), “We Claim The Right to Rebel and Resist” (2016, segunda entrevista ao Scream & Yell) e “Loose Ends” (2019), o primeiro com a formação atual, contando com Rita Sedas no vocal.
Foi na turnê do último álbum que a pandemia de COVID-19 chegou e atrapalhou os planos das tugas. Apesar de dizerem “não funcionar muito bem à distância”, as Anarchicks conseguiram passar por cima dos contratempos para construir o seu quarto álbum, que promete bater de frente com o pensamento retrógrado que tem tomado conta de grande parte do planeta. O trabalho promete ser um belo murro na mesa. Abaixo a banda fala sobre a cena portuguesa, pandemia, os planos para o novo álbum e o single “No Freedom Under Fascist Rules”:
Como foi continuar com a banda em meio à pandemia da Covid-19?
Rita: Olha, não foi assim tão fácil (risos). Estávamos no meio de uma tour, o ano de 2019 tinha sido incrível, cheio de oportunidades… Os nossos processos são muito orgânicos, precisamos de estar, observar, sentir. Não funcionamos muito bem à distância. Às vezes fazemos improvisos em que não precisamos falar para comunicar, percebemos a linguagem corporal umas das outras. E essa parte fez-me muita falta.
Katari: Ao princípio foi confuso, angustiante e uma sopa de incertezas… Não sabíamos como seria o dia de amanhã e como o mundo parou, ficamos um pouco letárgicas e sem reação. Depois, gradualmente, começamos a alinhar os chakras e a reagir em forma de criatividade, produtividade e música! Pessoalmente percebi que estar afastada da minha banda me fazia mal e deixava-me muito triste. O escape criativo e artístico, para mim, é vital e os laços que temos, também.
Adam: Sempre fomos uma banda de presença física, o nosso som vive muito da nossa interação. Vermo-nos privades disso de repente foi complicado! Mas, no fim, conseguimos criar uma nova dinâmica – voltamos à garagem e continuamos a criar!
O som das Anarchicks sempre está em evolução e se transformando. Como vocês definiriam o novo trabalho?
Rita: É difícil responder a essa pergunta. Eu tenho reparado que o nosso som é muito emocional, ou seja, vem muito das nossas emoções e experiências do momento. O último disco foi mais melancólico e introspectivo, com laivos explosivos, porque nós vivíamos e sentíamos a vida assim naquele momento. Este novo trabalho já o sinto mais forte, mais reivindicativo, mais assertivo. Sabemos quem somos, onde estamos e para onde queremos ir, e isso reflete-se na nossa música.
Katari: Este novo trabalho está acontecendo em tempo real e pode ter várias nuances, mas assim, na generalidade, acho que é capaz de soar mais direto e pujante, talvez… Queremos, conscientemente, comunicar com o mundo, tomar posições, estimular a reflexão sobre temas importantes da atualidade e do pensamento humano. Estamos emitindo e queremos ser ouvidos. Mas podem contar com aquela essência Anarchíckica que faz com que nunca se saiba onde uma música vai parar.
Adam: Acima de qualquer estilo musical, acho que defino esta nova sonoridade como necessidade. Esta força, esta ânsia de fazer barulho e mudar o mundo vem muito da nossa vontade de sermos ouvides, de encontrarmos os nossos iguais, e de pôr o pessoal a mexer!
Estou curioso para saber sobre as gravações. Alguma diferença em relação a álbuns anteriores?
Rita: Sim, temos a Mariana Rosa conosco agora, está gravando o disco e também adicionando o seu cunho pessoal ao que já tinha sido feito.
Katari: Sim. Estamos gravando em fases, respeitando o ritmo criativo. Foi uma escolha estratégica, também, fruto do cenário da pandemia. Fazer uma coisa de cada vez e ir saboreando o momento.
Adam: Outra diferença é que não consegui estar fisicamente nestas gravações! Em setembro de 2020 emigrei para a Suécia – então tive de colaborar à distância para estas novas faixas.
O título “No Freedom Under Fascist Rules” fala muito sobre uma situação política retrógrada que também está forte aqui no Brasil. Como foi a escolha deste tema?
Rita: Foi muito natural e intuitiva. É uma música que temos vindo a trabalhar, de caráter revolucionário e só fazia sentido neste momento, face à nossa realidade e à do mundo, ser assim, falar sobre isto, dar um murro na mesa.
Adam: #ForaGenocida
Contem um pouco sobre a discografia das Anarchicks, pra quem ainda não conhece vocês.
Adam: Anarchicks é um projeto que começou em 2011, pela vontade e desejo da nossa baixista Lena. Ela contactou a Priscila, nossa primeira vocalista, que levou consigo a Catarina (baterista). Faltava então uma guitarra. Através das redes sociais vi este anúncio, fui lá na primeira vez, e nunca mais saí! Foi muita química desde o primeiro dia. Desde então lançámos três álbuns (o primeiro com a Priscila na voz, o segundo com a Marta Lefay na voz, e o terceiro já com a nossa Rita) e vários EPs digitais. Estamos agora trabalhando no nosso quarto álbum – este single já abre um pouco a porta para saberem o que vem daí!
Como anda a cena musical em Portugal de 2021? Eu vejo que tem muita banda de rock rolando por aí.
Adam: A cena musical portuguesa tem vindo a sofrer grandes metamorfoses desde 2011. A cena underground e independente tem-se expandido cada vez mais (talvez por vontade de independência, talvez por falta de recursos) e vê-se cada vez mais diversidade em termos de estilos musicais, atitudes, pessoas… Acho que há muito som bom para descobrir por cá!
Como é a relação musical Brasil – Portugal na visão de vocês?
Rita: Eu penso que haja mais abertura da parte dos portugueses para receber e ouvir música brasileira. Nas rádios ouvimos muitos cantores brasileiros de música ligeira, noutro registo também muito funk. Não sei o que chega de Portugal para vocês mas por cá consumimos bastante.
Adam: Acho que esta relação, principalmente no contexto de música rock, podia ser muito mais do que é! Conheço poucos projetos deste tipo brasileiros, mais por não saber onde procurar… Seria possível criar uma ponte ou um espaço de partilha para todes nós, rockeires de língua portuguesa? Indo mais longe, para quando um programa de “intercâmbio” de bandas? 😀 Isso seria incrível!
Eu gostaria que vocês recomendassem algumas bandas portuguesas que nós aqui do Brasil deveríamos conhecer!
Rita: The Legendary Tigerman, Tiago Plutão, O Gajo, The Parkinsons!
Adam: Vaiapraia, Fado Bicha, Clementine… (a minha memória nunca é boa assim em pressão ahah!)
Quais os próximos planos da banda?
Rita: Os próximos planos são continuar a gravar o disco e tocar o máximo de concertos que a pandemia deixar.
Adam: Continuar sempre a fazer barulho, sempre conscientes do que se passa à nossa volta!
Podemos esperar uma visita de vocês ao Brasil quando finalmente este apocalipse ficar para trás?
Rita: É SÓ CHAMAR! Gostaríamos muito de fazer uma tour pelo Brasil.
Adam: Pode ser só a partir de 2022? #Lula2022
– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui.