introdução por Renan Guerra
faixa a faixa por Ga Setubal
O paulistano Ga Setubal trabalhou ao lado de bandas como Pitanga em Pé de Amora e Trupe Chá de Boldo, e agora se lança em trabalho solo. “VIA”, seu primeiro disco, foi escrito ainda em 2017, teve sua produção em 2018, mas chega aos ouvidos do público agora em 2020.
Em “VIA”, Ga assume diferentes frentes: composições, voz, violão, guitarra, synths e trompete. Nesse sentido, o disco é como um convite para esse universo particular e íntimo do artista, onde poesia, amor e canção se misturam em um amálgama que flerta com o passado da música popular brasileira, enquanto mira um futuro meio incerto, de medos e esperanças.
Produzido por Lourenço Rebetez e Charles Tixier, “VIA” tem participação de Luiza Lian na faixa “Volúpia Pura”, canção de amor lascívia que dá uma espécie de tom do disco quando pede: “me cura de um mundo careta”. É para esse mundo mergulhado em sombras que Ga Setubal traz sua poesia, seus pedidos de amor e seu olhar sobre a beleza, de forma delicada, mas ainda assim sedutora.
Para o Scream & Yell, Ga Setubal contou as histórias por trás de cada uma das nove faixas de “VIA”. Confira abaixo o faixa a faixa:
01) Canção de Partida: Essa música foi escrita para um amigo que na época sofria com uma separação e desiludido, estava um tanto perdido na vida. Ela é uma canção que convida a uma viagem, uma fuga dos problemas. Lembra o ouvinte que o tempo esta correndo sem parar e já é hora de se jogar em busca dos desejos.
02) Artéria De Titã: Essa é uma canção que fala sobre amores antigos, amores que mesmo diante da distância e dos entraves da vida, não se desfazem e continuam ardendo por mais que estejam guardados dentro de uma gaveta, em um universo singular. Gosto particularmente dos versos: “Tempo passa/ Nunca acaba/ Põe-se o dia/ E o passado se amplia”. Estes versos dão a ideia de que por mais que o tempo afaste as pessoas, o passado delas, a história que compuseram segue crescendo e se tornando uma história ainda maior.
03) Tempo em Transição: Essa canção foi escrita no dia da posse do D. Trump. Pra quem se lembra, aquele foi um dia em que o esgoto veio à tona na internet e se anunciou com bastante clareza aquilo que estava por vir e que agora é realidade batida já. A letra fala sobre o fim de um ciclo ou era, mas tem sentido duplo, pois se apropria alegoricamente de relação amorosa, que passa por diversas fases e ciclos assim como a história humana. Só ao fim da canção a letra se faz clara sobre a história e não o amor, nos versos: “Certo ou errado/ um barco furado/ afunda até o chão/ Assim segue o mundo/ para o fim de uma estação”. A música é triste, pois aceita o fim de um tempo melhor, mas compreende as mudanças como parte de um processo histórico maior e que podia ser lido já ha algum tempo.
04) Volúpia Pura: “Volúpia” foi a primeira letra boa que escrevi, foi a primeira do disco a ser feita naturalmente. Ela nasce de um exercício para uma oficina de poemas que eu estava fazendo na época. O exercício era fazer um poema com assonância em U, isso é, usando apenas palavras que tivessem suas tônicas na letra U. O poema ficou bonito, mas muito repetitivo, até porque era apenas um exercício. Resolvi musicar ele e quando fui colocar a melodia acrescentei novos versos que saiam da proposta inicial. Chamar a Luiza Lian tem tudo a ver com a letra. Sempre achei o canto da Lu muito sensual, com uma certa rouquidão e na hora de gravar não tive dúvida de que ficaria muito bom na voz dela. No fim ela deu uma nova cara pra música e influenciou a maneira como eu canto ela atualmente.
05) Monolito: Essa foi escrita para o meu amor. É uma música que fala sobre a infinitude do amor assim como “Artéria de Titã”, mas dessa vez olhando para o futuro e não o passado. Ela tem uma história engraçada, pois na primeira versão que fiz o refrão dizia algo assim: “Quero ouvir Beyoncé com você/ Dar risada disso/ ver nossa vida pagar pra ver/ nosso vão caminho…”. Quando fui mostrar pra Luna, minha namorada, ela reagiu com um “mas parece um amor tão fácil…”. Eu, bastante contrariado, fui pro quarto e mudei a letra para o que é atualmente, propondo assim um amor mais complexo, que encara a realidade das incertezas futuras, mas deixando anunciado que as memórias permanecerão a despeito do que vier.
06) Chuva e Ócio: Essa é uma musica sem história, ela foi feita exatamente no contexto descrito na letra. Em uma manhã chuvosa eu acordei de bem com a vida, afim de tocar e cantar, compor algo. Ela saiu rapidinho exatamente do jeito que é. A parte que mais gosto é quando a letra diz “E a musica nos traz as visões de outros planetas”. Essa é um pouco a sensação que tenho quando escuto música. Me leva longe…
07) Decassílabas: Foi uma canção feita pra falar sobre escrever. Eu tinha me proposto fazer uma letra usando só versos decassílabos, algo bastante raro no meu processo de escrita que costuma ser livre. Assim fui fazendo imagens de como sinto a criação da letra e música. É uma meta canção que fala exatamente sobre aquilo que esta sendo feito na música.
08) Língua Morta: É uma parceria com meu grande amigo artista André Sztutman. Ele me mandou um poema pra que eu musicasse. Nesse poema ele dizia “a língua que eu canto vem lá dos cafundó do mundo…” e eu achei aquilo muito legal, como quem canta tentando explicar porque canta assim. Quando fui musicar acabei escrevendo vários novos versos, o que deixou a letra mais dadaísta ainda. Gosto muito do fato de que essa letra não aponta nada específico, ela só usa da linguagem para falar sobre uma linguagem incomum, a do artista, do poeta.
09) Século XXI: Essa foi uma música composta para violão solo num exercício de violão que fiz pra um antigo professor, só mais tarde eu escrevi a letra dela. Eu sempre sentia a melodia como triste e esperançosa ao mesmo tempo, por isso resolvi falar sobre a internet, que pode ser algo tão construtivo quanto destrutivo. A letra propõe que se é possível ver um semelhante chorando os mesmos problemas que nós, mas do outro lado do mundo, algo pode estar no ar que vai transformar esse mundo. Tudo isso foi escrito antes da internet ajudar a enfraquecer as democracias…
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.