entrevistas por João Paulo Barreto
Dentro da necessidade intrínseca a um povo consciente de sua História, bem como da relevância do seu patrimônio cultural enquanto país detentor de um legado ameaçado por hordas de ignorantes que buscam a todo custo apagá-lo, falar (e registrar para a posteridade) de trajetórias de pessoas que ajudaram o Brasil a construir alguns de seus pilares culturais é tarefa crucial neste 2020 que não parece o futuro que imaginávamos.
Assim, celebrar trajetórias de pessoas que seguem construindo essa identidade, bem como honrar a memória de algumas delas que já nos deixaram, surge como um dos pontos mais louváveis de “Memórias do Brasil”, série em 13 episódios que tem exibição toda sexta-feira no Canal Arte 1, sempre às 20h30, com reprise aos domingos, 18h. Outro ponto louvável é a possibilidade de apresentar tais pessoas às novas gerações, tão presas ao imediatismo e à superficialidades dentro do consumo bombardeador de informações rasas em um século que chega a sua segunda década movido pela criação (e pelo fugaz esquecimento) de “ídolos” instantâneos e sem muito a oferecer além de polêmicas em redes sociais, “stories”e “lacrações”.
Idealizada por Vania Lima (que dirigiu dois episódios), da TêmDendê Produções, a série conta com sua direção geral, e teve em seus capítulos a direção de mais três cineastas: Diogo Oliveira, Walkiria Hamu e Rodrigo Luna. Sobre essa questão citada em relação a importância do resgate da memória, Vania explica: “Eu tenho um pertencimento muito forte a essa ideia de resgate. Na minha ideia, memória é algo que você escolhe lembrar ou escolhe esquecer. Meu trabalho todo se baseia nesse aspecto da História. O Brasil tem essa síndrome. Parece que queremos apagar coisas da nossa memória deliberadamente. E eu queria muito começar a construir materiais orgânicos que pudessem trazer coisas que não pudessem ser assim tão facilmente apagadas”, explica a cineasta por trás da direção dos capítulos sobre Lia de Itamaracá e sobre Severino Vitalino.
Além de Lia de Itamaracá e Severino Vitalino, a série ilustra esse potencial a partir dos nomes de Tuzé de Abreu, Lia Robatto, Gerônimo, Nildão, Luiz Melodia, Gerson King Combo, Maria Alcina, Mara Salles, Zé Celso, Milton Hatoum e Fernando Mello. Adentramos, assim, em suas expressões artísticas a partir da Música, Dança, Culinária, Artes Plásticas e Visuais, Direção e Cenografia Teatral, bem como da Literatura.
Diretor de quatro dos 13 episódios, o cineasta Rodrigo Luna construiu narrativas que mergulham nas vidas da coreógrafa Lia Robatto, dos músicos Tuzé de Abreu e Gerônimo, além do cartunista Nildão. No processo de captação de entrevistas e na montagem dos episódios (capitaneada pela diretora de Montagem, Taguay Tayussy), Luna destaca a importância desse processo através da muitas horas de captação e do garimpo de imagens e de momentos chave no trabalho de montar os capítulos. Um exemplo é quando o diretor de Fotografia, Cláudio Antonio de Jesus, pede para a coreógrafa lhe explicar sobre a perspectiva de lente no movimento dos bailarinos.
“Esse é o tipo de momento que eu mais gosto. Quando eu vi que rolou, foi um achado”, explica Luna. “Eu senti que eu estava documentando esse processo de criação, mesmo. Eu acho que não tem questão de vaidade, pois, para mim, o audiovisual é coletivo. E ali eu estava vendo um diretor de Fotografia falando com a diretora do espetáculo. Era isso que estava sendo registrado naquele momento. E, como disse, foi um grande achado. É um garimpo na montagem que, para mim, torna bem importante essa momento “, salienta Rodrigo.
Nesta entrevista ao Scream & Yell, Vania e Rodrigo aprofundam a experiência de adentrar na trajetória de pilares da Cultura Brasileira. Confira!
ENTREVISTA COM VANIA LIMA
Em um país que parece optar arbitrariamente por apagar e/ou negar sua História em diversos aspectos; que não lamenta em comoção incêndios em museus e não luta pelo registro exato dos fatos de sua existência como Nação, como se deu a construção de uma série que trabalha justamente a ideia de registro de ícones culturais desse povo?
Vania Lima: Eu tenho um pertencimento muito forte a essa ideia de resgate de memórias. A série surgiu em 2016, em torno de um ano antes da aprovação pela ANCINE, e da contratação do primeiro canal, o Curta!. Eu já vinha trabalhando esse conceito de memória. Na minha ideia, memória é algo que você escolhe lembrar e escolhe esquecer. Meu trabalho nesse projeto se baseia nesse aspecto. O que você quer lembrar e o que você deseja esquecer. Eu acho que o Brasil tem essa síndrome. A gente parece querer apagar coisas da memória, deliberadamente. E eu queria muito começar a construir materiais orgânicos que pudessem trazer coisas que não pudessem ser tão facilmente apagadas. E tudo isso que você falou faz muito parte do que me inquietou naquele momento. Acho que, também, inquietou Rodrigo (Luna), Walkiria (Hamu) e o Diogo (Oliveira), que dirigiram episódios individualmente. Por exemplo, lembro que o Diogo ainda não tinha conversado com o Luiz Melodia sobre as coisas que eles falaram. Acabou que foi essa a última série que o Melodia gravou. Diogo ficou muito impressionado com a quantidade de informações, com a quantidade de vida que tinha ali naquele homem. E logo em seguida, Melodia, infelizmente, falece. Uma biblioteca humana que foi para outro plano. Como é que a gente vai trabalhar essa memória? Por exemplo, tive a felicidade de fazer o episódio do Severino Vitalino, que foi um dos últimos filhos do mestre Vitalino, que também faleceu a seguir. O Severino Vitalino é da cultura da oralidade, o que o torna ainda mais importante. Tudo o que ele aprendeu foi através do exemplo. Na visualidade com o pai. A afirmação de vida dele é o fazer. Então, é uma vida de ação. Uma vida de prática. Se ele entende que é justo fazer de determinada forma, ele vive o justo, ele não só fala o justo. Ele se foi para outro plano, após a produção da série. E acho muito importante que a gente preserve isso. Há toda uma história em Caruaru com ele, um bairro inteiro de pessoas que transmitem isso. Cada personagem elegeu o que lembrar e o que esquecer. Isso também é uma coisa interessante. Mas acho que, na hora que a gente escolheu os personagens da série, a gente também queria dizer um pouco disso. Sobre as coisas que a gente não quer esquecer. As coisas que queremos reafirmar, sabe? E acho que é um pouco do que me motivou, também. Tem muito sentido isso que você está falando para mim. Porque é uma coisa que me atinge muito.
Em uma série de 13 episódios com nomes tão diversos da nossa Cultura, abrangendo diferentes artes e pessoas com total domínio de seus campos de atuação, como funcionou para a curadoria a escolha de tais personagens?
Vania Lima: O projeto teve essa temporada na qual temos muitos artistas de reconhecimento nacional. Lia Robatto, uma bailarina, uma coreógrafa, uma mulher da dança que é muito conhecida no Brasil. Ela tem muita referência na Bahia, mas com um trabalho que é muito conhecido nacionalmente. Na música, temos o Gerson King Combo, o Luiz Melodia, a Lia de Itamaracá, a Alcina. Mesmo dentro de um segmento, tentamos pulsar em caminhos diferentes dessa memória. Não queríamos pulsar em caminhos já conhecidos, já estabelecidos pelo público. São caminhos que o público já reconhece na memória dos artistas brasileiros. Queríamos pulsar diferente. Se é música, queremos falar de Tuzé, queremos falar de Gerônimo, queremos falar de Lia de Itamaracá. Queremos pegar coisas diversas, que atinjam e pulsem essa memória coletiva do imaginário brasileiro, da arte brasileira de forma diversa. Se são artes visuais, a mesma coisa. Temos o Nildão, Severino Vitalino, que para a gente é arte visual, artes plásticas. Tem o cunho de artesanato? Talvez, sim. Algumas pessoas consideram essa arte como artesanal. De fato, ela é, se você pensar dessa forma. Mas ela é uma expressão tão forte, tão significativa da Cultura Brasileira, do nordestino, do nosso imaginário. Como projetamos no barro a nossa identidade, os nossos saberes, os nossos medos. São tantas histórias projetadas ali, que fazem parte de uma ideia de memória, também. Quando falamos em arte visual, fomos buscar pulsar em caminhos diferentes de arte visual. Culinária e Literatura no mesmo sentido, neste buscar de pulsar. No Teatro, trouxemos o Zé Celso. A série buscou muito mais os neurônios dessa memória brasileira que a gente queria ativar. Queríamos falar de um Melodia em um país branco, onde o artista negro não era do jeito/ lugar que se pensava para ele. Melodia transcendia tudo. Ele era canção. Uma Lia de Itamaracá, que é do interior de Pernambuco. Traz a ciranda, uma coisa que os paulistas quando viram a primeira vez não entenderam. “O que é isso? Música de criança?”. Eles não entendiam porque as pessoas davam as mãos e giravam. Queríamos falar dessas coisas que estão na nossa memória, mas que precisam ser ativadas. O Severino Vitalino com suas peças que ganharam o mundo. De interesse, de pesquisa, de entendimento sobre identidade cultural. A segunda temporada foi aprovada agora. Nela, trabalharemos só com mulheres. Foi uma decisão para a segunda temporada focar nessas memórias, também, mas agora querendo ativar outros neurônios que buscam um imaginário brasileiro formado por mulheres. E a terceira temporada, também já aprovada, vai focar em artistas que trabalharam a afrobrasilidade, artistas negros e negras. Três temporadas nas quais queremos acionar neurônios diferentes da memória. Essa é a ideia. Esses laços neurais são as coisas mais fortes.
Além da direção dos episódios de Lia de Itamaracá e de Severino Vitalino, você também assina a direção geral do projeto “Memórias do Brasil”. Eu gostaria de lhe perguntar acerca do processo de direção de cada cineasta responsável pelos episódios. Como funcionou essa junção de diferentes maneiras de pesar o documentário na série?
Vania Lima: Temos uma estrutura simples. A gente não quis aprisionar o diretor em um caminho de formato. A (produtora) TêmDendê tem muitos formatos. Mas esse não é um projeto de formato. Esse é um projeto onde cada diretor trouxe o seu olhar. Trouxe, também, o que escolhe mostrar e o que escolhe não revelar, que é a história da memória. Cada diretor propôs a sua relação com sua fonte. Temos o Rodrigo Luna, o Diogo Oliveira e a Walkiria Hamu, além de mim, cada um à frente de uma quantidade de episódios. Na estrutura, combinamos que teríamos sempre esse artista em um movimento de atuação, de realização. Então, por exemplo, o Nildão volta aos muros de Salvador na fase em que ele protestava ali. Ele volta e faz um novo grafismo. Nessa construção do que ele é levado a escrever, a gente trabalha. O Severino Vitalino reconstitui uma peça nova que ele sempre teve vontade de fazer. Ele queria fazer uma peça, mas sempre trabalhou com o catálogo do pai. Aqui, ele se arriscou a criar. Foi uma peça que ele sempre quis produzir, mas não queria mudar a tradição da família. Eu disse: “Mas o senhor não vai colocar isso à venda. Vai ser só para o projeto”. Ele a chamou de “Pai dando conselho ao filho”. Eu achei tão lindo, porque ele mesmo escreveu isso na peça. Então, cada um tinha um movimento de ação. O Zé Celso, por exemplo, escolheu pegar uma fotografia por década da vida dele e dizer porque ele escolheu aquela fotografia. Era uma memória em cima da projeção também. O que é bem a cara do Zé Celso. Impregnar você de informações, de coisas. Ele trouxe uma foto por década da vida dele, e até brincou que ele tinha muitas fotos, pois ele tinha muitas décadas. Já (a chef) Mara Salles preparou uma refeição para os colaboradores dela, para as pessoas que trabalham com ela todos os dias. Nesse movimento de ação é que a gente constitui o pilar da série. A única coisa que nós combinamos foi isso: Documentar enquanto esse artista, esse realizador está criando movimentos, aí construímos o filme através de roteiros bem artesanais, com a ajuda do Tiago Pinho, dos diretores também. Nesse projeto outra escolha foi sempre trabalharmos com pessoas acima dos 60 anos. São os dois pilares de escolha. Para uma direção geral, escolhemos quem a gente queria ativar na memória, e, a seguir, fomos para a prática trabalhando nesse sentido, de sempre eles estarem nesse movimento de ação, de construção, de algo, de provocação. A Lia Robatto está fazendo um vídeo dança, que era uma coisa que ela queria fazer e que não tinha feito ainda. Ela estava ali com o Luna elaborando aquele vídeo dança, cada um trabalhando em um movimento. Achamos importante colocar esses artistas não muito focados em uma estratégia “talkingheads” em só falar sobre eles, porque existem informações muito interessantes quando eles estão trabalhando. O jeito de trabalhar, a forma de pensar, o que eles conectam, como ele atuam. E isso diz muito. Esse foi um encaminhamento que buscamos. Por exemplo, o Luiz Melodia fez uma escolha muito singela que era de voltar ao Estácio e fazer uma música na quadra. É nesse movimento de subir o morro e sentar na quadra que o episódio se constitui. Cada diretor trouxe uma linguagem muito própria. O Luna trabalha em um documentário mais direto, na captação das coisas. Eu trabalho muito mais em uma construção de observação. Eu demoro muito mais. As coisas têm que acontecer na câmera. Eu gosto de ver as coisas acontecerem, trabalhando em uma construção de observação, por isso o (a) fotografo (a) tem que ter uma sensibilidade que me acompanha, e a operação toda também, gosto do silêncio no set, gosto da delicadeza de filmar em total entrega ao meu personagem, e isso requer da equipe concentração extra no que acontece para a câmera e ao redor da cena, por isso agradeço demais Cláudio Antônio, fotografo do projeto, pela paciência, Adailson Silva, áudio direto, a equipe de produção, que entenderam a proposta. Para mim as coisas têm que acontecer, por exemplo, o Severino levava duas horas para moldar a peça. Eu lembro que alguém me perguntou: “Nós vamos ficar duas horas aqui? – Vamos!” (risos). Porque alguma coisa nessas duas horas pode ser muito significativa para o meu processo. Já o Diogo é diferente. Ele trabalha com uma impressão dentro da realidade. O episódio do Melodia tem fumaça, ele sai da água, faz mágica… Então, ele constrói, dentro da documentação que ele está fazendo, cenas. Cenas diferentes sobre a proposta do que está sendo feito ali. Cenas que te levam para outros caminhos. Que te levam para o que está fora do quadro. Esse também é um jeito de documentar que o Diogo trouxe para o projeto. E a Wal é uma jornalista de formação, assim como eu e você. No caso dela, ela sempre trabalhou a área de Jornalismo. Jornalismo Documental, programas que trabalham com faces de variedade de Jornalismo. A busca dela foi muito mais dentro da ideia de quem são essas pessoas. As três perguntas primordias: De onde você vem? O que está fazendo aqui? Para onde você vai?. Ela trabalhou muito nessa sequência, que eu acho que é a sequência mais forte do documentarista. Entender esse tríade. Wal trabalha muito isso nos personagens dela, que foram Milton Hatoum, a Mara Salles, Maria Alcina e o Zé Celso. Cada diretor da série trouxe uma forma de pensar o documentário, de pensar o filme. E a série é isso. Ela tem como conjunto de unificação esses artistas em atuação. Um conceito sobre memória. Essa memória que você escolhe revelar e a que escolhe não revelar. E essa busca por acionar neurônios da memória do país. Da memória do Brasil através do eixo da Cultura.
E como funcionou no seu processo como diretora as abordagens junto a Severino Vitalino e a Lia de Itamaracá?
Vania Lima: Esse encontro com Vitalino foi totalmente diferente do encontro com Lia de Itamaracá. É como você, por exemplo. Eu imagino que cada entrevista, cada encontro, se estabelece nesse contrato que a gente faz com a fonte na hora que estamos com ela, se estabelece muito particularmente. Mesmo todo mundo sabendo para onde o filme ia, depende de muitas coisas. Do dia, de como está aquela pessoa, da disponibilidade do corpo, da disponibilidade do espírito. Imagino que você passe por isso, também, enquanto repórter. Tudo estava para ser bom, e foi ruim. Ou tudo estava para ser ruim, mas acaba sendo surpreendente. Às vezes acontece. Então, com Severino, eu achei que ia ser muito difícil. Porque ele era um homem de poucas palavras. Um homem muito mais da ação. Ele não era verborrágico. Ele não dizia, não explicava as coisas. Porque ele vivia as coisas. Não teorizava. Então eu só encontrei um jeito de contar a história dele que era acompanhar as vivências. Buscamos outro caminho de narrar. Com ele, o caminho foi esse. Foi de muito observar, de muito esperar e acreditar no tempo dele. De vez em quando ele se revelava. No dia em que ele estava preparando o café da manhã, ele se revelou. Eu nem perguntava. Ele já falava sozinho. Porque ele estava no ambiente dele, fazendo café, o que ele fazia todo dia de manhã. Ele falava com as plantas, você o via acontecendo. E no momento que a gente ligava as luzes, as câmeras, ele não falava. Ele ficava muito quieto. A gente tinha que esperar esse tempo. Nesse filme, isso acontece muito. Você vê que está ali, que está acontecendo alguma coisa. Apesar da montagem, obviamente, respeitar uma ideia de continuidade. A minha vontade era fazer um filme de uma hora e meia. Deixando essas coisas fluírem mais, deixando você entender mais esses processos. Mas, claro, eu tinha um compromisso de fazer 45 minutos. Mas ainda tenho muita vontade de voltar a mexer nessas imagens e construir um filme de uma hora e meia. Porque acho que essa vida do Severino merece. Essa forma de viver. E no filme tem muito disso. Ele cuidando das plantas, é demais! Ele demora um tempo para falar com as plantas. E não é qualquer água. Ele disse: “Eu não jogo água numa planta minha. Eu pego com a mão, e com a minha mão eu aguo ela” Aquilo para mim é incrível! Uma pessoa que não usa mangueira, porque acha que é desrespeitoso com a planta do quintal dele. Ele tem que pegar com a mão do balde e jogar a água pela sua mão, aguando as plantas. Porque ele está dando a água a ela. Para conseguir entender isso, eu, que sou do interior, também, mas que já vivo há muitos anos em uma metrópole, para eu conseguir entender isso, demorou um tempo. Tive que observar. Para conseguir entender o que significa essa frase, o que significa esse gesto, eu precisei esperar. Precisei esperar o tempo de acontecer essas coisas. Com Severino é isso. É respeitar esse tempo dele. Com Lia (de Itamaracá) já foi diferente. Ela já tinha outro movimento. Ela é uma mulher muito forte. Teve muitas questões na sua vida de impacto, de ter que combater, de ter que sair desse lugar de opressão. Ela trouxe propostas. Ela quis ir na praia. Disse: “Vamos na praia. Meu movimento é no mar. Se a gente vai fazer uma ciranda, tem que ser na praia”. Então, ela se coloca mais em função de trazer. Era outro movimento. Gosto muito de trabalhar com as câmeras ligadas o máximo de tempo. Algo já acordado, quando ecomeço a gravar eu aviso. Eu digo:”Olha, eu não vou parar de gravar, a gente vai conversar e viver isso aqui e vou tentar interromper o menos possível”. Então, sempre que posso, tenho uma segunda câmera, como forma de recomeço de outro mapeamento. E quase sempre não paro de gravar por duas ou três horas. E somente quando a pessoa esquece do formato entrevista, é que acontece. Como foi com Lia. Ela falou para o marido, em algum momento que a gente estava ali: “Você na minha vida é um alumbramento”. E acho que ela não diria isso se eu perguntasse. Se eu tentasse dirigi-la para isso. Ela só disse porque a gente estava ali com eles, somente ali. “Você foi o meu alumbramento”, se referindo àquele momento em que percebeu que havia mais coisas na vida, que a presença dele trouxe para ela. Tive que esperar que isso viesse à tona. Esse é o meu processo. Às vezes em um filme de 45 minutos você perde um pouco. Gostaria de fazer filmes maiores (risos).
Você falou acerca dessa liberdade relacionada aos processos de cada cineastas responsável pelos episódios. Em relação à montagem, houve algum direcionamento comum a cada episódio?
Vania Lima: A série teve uma diretora de montagem, a Taguay Tayussy, que deu essa unidade. Uma pessoa maravilhosa que tem montado muitas coisas da TêmDendê e da própria empresa dela de montagem. Ela deu essa unidade à série. Contou com a ajuda do diretor de arte e motion Edivan Neves, um artista visual talentoso que, inclusive, acompanhou algumas externas pensando no quadro, na cor, nos elementos visuais integrados a obra. Na nossa estratégia, como estávamos falando de memória, resolvemos trabalhar com os acervos pessoais de cada um. Fotografias, vídeos, materiais da casa da pessoa, livros. No caso do Milton Hatoum, ele entra no lugar onde escreve e mostra os objetos no local, descrevendo-os. São coisas da memória. E essas imagens, de vez em quando, invadem o vídeo. Assim como seus textos soltos impregnam a tela. Tem um estilo muito individualizado por cada personagem. Maria Alcina, por exemplo, trabalhou muito com materiais de acervo dela. Itens pessoais. Como tem a história com Fio Maravilha, que foi a música que ela defendeu no festival e ganhou uma notoriedade, tivemos que adquirir esses direitos para pôr a música no filme. Essa ideia altera o “talkinghead”, trabalhando a montagem dos filmes, respeitando esses acessos de memória. O que a gente pensou, e a Taguay, com ajuda do Edivan, trouxe, foi um pensamento assim: toda vez que esse artista vai nessa memória cognitiva, emocional, ou até mesmo de algo que ele está acostumado a narrar, quando ele vai lá, nós também vamos. E temos que encontrar meios para ir junto com ele. Quando ele vai para trás, vamos junto. Mas, também, quando ele vai para frente, vamos junto. Vou te dar um exemplo. No caso de Lia de Itamaracá, ela fala que tem vontade de ter esse memorial, que o memorial dela foi incendiado em algum momento. Ela quer fazer esse memorial das obras com os trabalhos dela. Então, vamos para a frente com ela. Trazemos alguém que diz porque o memorial é importante. Trazemos alguém que diz que existe, em Recife, uma forma de prestigiar esses artistas. O patrimônio vivo. Que esses artistas recebem uma atenção governamental por lei. Eles têm esse acesso. Então, assim,vamos para frente e para trás, através desses acervos, desses arquivos que encontramos. No caso de Lia Robatto, tem as fotografias. Ela teve uma pessoa que a fotografou por toda vida profissional. A vida dela foi sempre acompanhada por um grande fotógrafo, por outro artista (N.E. O arquiteto e fotógrafo Silvio Robatto). Então, conseguimos recapitular um pouco nessa memória. Os acervos entram assim. Também como uma ideia de narrativa. As próprias fotos, acervos, vídeos. Eles, sozinhos, são narrativa. Muitas vezes você só tem o acervo e uma trilha muito branda. Você começa a compreender pela imagem, que não é narrada. A foto/ texto/ captura de acervo sozinha já se conta. Nós trabalhamos esse projeto com Deivisson Alcantara, Meg Medeiros, Leandro Calixto e Aislan Delgado na montagem dos episódios. Na finalização, a Griot Filmes trabalhou a cor do projeto. A direção de montagem de Taguay Tayussy. Ela ajudou muito nesse sentido de dar unidade. Com Luna e os outros diretores, conversamos muito sobre os filmes. Os filmes vinham, a gente debatia, voltava para eles, e eles reviam. Com Luna foi mais tranquilo porque ele mora aqui em Salvador. Então, ele ficou muito tempo na ilha de edição. Foi e voltou quantas vezes quis. Já Diogo e Walkiria, que moram em outros estados, tiveram mais trabalhos a distância. Eles vieram, montaram, foram, depois vieram mais uma vez. Eles vieram duas vezes para criar a montagem junto com a equipe. Como diretora geral da série ajudei nesse diálogo entre eles. Tentei não interferir tanto no processo de negociação, digamos assim, entre direção e montagem. Porque é um espaço do diretor, gosto de entrar quando o corte está projetado e dialogo sobre ele. Nesse caso, que não era um formato rígido, era um formato mais aberto, havia espaço de bastante negociação. Foi bem fluído.
Como documentação de um período e de pessoas de tamanha importância para a História da Cultura do Brasil, dos costumes de regiões, e, principalmente, em um momento sombrio no qual tal história sofre uma tentativa de desvalorização, a série cumpre sua ideia de registro e legado.
Vania Lima: Estou feliz. Espero que a série tenha uma vida longa, seguido de outras temporadas. E de fato desta temporada três pessoas não estão mais com a gente. O Severino Vitalino, o Luiz Melodia, e o Fernando Mello da Costa. Como testamento, fico muito tocada por essa série. Todo criador tem um sonho. Todas as pessoas que criam, que sonham maior que o dinheiro, sonham mais do que ter uma casa de luxo, um carro de luxo, e sou uma dessas pessoas. Sou desse time, de pessoas que sonham outras coisas. Esse é o meu sonho. De contar essas histórias. E eu estou vivendo e fico muito tocada com essa série. Ela caminha junto com meu sonho. Além disso, é bom saber que vai ter outra temporada na qual vamos falar só sobre mulheres. E na terceira, falaremos só sobre afrobrasilidade. Estou muito feliz dessas memórias estarem ganhando vida. Resistindo a tudo isso que a gente está vivendo hoje. Diante de todas essas violências contra a memória que a gente está vivendo, a série é um alívio. Penso assim. Pelo menos, está funcionando assim com a gente. Reparadora. Essas narrativas elas não vão existir se alguém não se colocar à disposição delas. Não é elas que estão à nossa disposição. Somos nós que estamos à disposição delas.
ENTREVISTA COM RODRIGO LUNA
Rodrigo, no processo de captação para um documentário, o contato com a pessoa cuja vida o filme pretende registrar rende momentos únicos para os olhos atentos de um diretor. No episódio sobre Lia Robatto, um exemplo desses momentos é o que o diretor de Fotografia “entra em cena” para pedir a ela uma orientação quanto ao captar daquela performance dos bailarinos. Como foi perceber essa jóia de momento para o trabalho?
Rodrigo Luna: Acho que esse é o tipo de momento que mais gosto quando filmamos. Usamos uma GoPro neste momento. O diretor de Fotografia estava filmando com a câmera principal do projeto, mas o produtor estava filmando com a GoPro. Falei pra ele: “Vai filmando aí que depois eu garimpo o que acontecer.” E daí aconteceu essa cena que eu acho que é a essência do trabalho no audiovisual, na realidade. Essa hora específica que você citou foi uma que funcionou bastante porque o assistente de direção, Jorge (Baía), estava filmando com a GoPro o ensaio. E daí ele capta esse momento em que o diretor de Fotografia, o Cláudio (Antônio de Jesus), questiona a Lia. Então, ali, na verdade, senti que eu estava documentando esse processo de criação mesmo. Acho que não tem questão de vaidade, pois, para mim, o audiovisual é coletivo, mesmo. Eu estava vendo um diretor de fotografia falando com a Lia. Era isso que estava sendo registrado ali. E, como você falou, é um puta achado, mesmo. É tanto que falei: “Velho, botei você aqui e tenho certeza que você não vai me pedir para tirar”. (risos) Tem essa coisa dele gostar de ficar atrás das câmeras, tá ligado? Mas ele mesmo, quando viu, percebeu que não tinha como pedir para eu tirar aquele trecho. Porque o momento é especial mesmo.
Como funcionou o processo de criação dentro da proposta geral da série? E como a sua maneira de construir documentários se adaptou a isso?
Rodrigo Luna: Em todo o episódio é proposto um “desafio” para cada artista. Porque a ideia da Vania Lima, que idealizou o projeto, era que a gente visse os artistas em ação. Isso foi uma coisa que achei massa. Para cada um foi criado um desafio que tivesse a ver com ele. E com a Lia Robatto foi esse processo de fazer essa videodança. Uma coisa que ela já queria, mas nunca tinha feito. Daí ela falou que topou o projeto porque tinha essa parte de fazer uma videodança, que foi o que mais a animou a participar. E daí um coisa que fiz foi tentar… (pausa) Aí tem a ver com o meu processo mesmo de como acho que faço documentário, que é tentar rodar o máximo para depois garimpar. Acho que faz parte do documentário você… (pausa) tentar se afastar para ver. Quer dizer, não é exatamente se afastar… Mas é você ficar atento. Tem que estar atento a tudo o que está sendo feito, porque muita coisa interessante acontece. E sempre acho que, às vezes, a gente acaba perdendo algumas coisas. A gente não consegue filmar tudo que acontece. Paula (Lice) e Ronei (Jorge), com quem eu fiz “Jessy” e o “Ridículos”, a gente sempre fala que tem o filme do Ronei (risos). Que o Ronei acha que deveria estar filmando todas as reuniões de planejamento (risos). E diversas vezes aconteceram coisas que a gente viu, e, se tivessem sido filmadas, teria sido incrível. Mas acho que quando você está fazendo um projeto, você tem que estar atento. Ainda mais esse tipo de projeto, que eu estava lidando com artistas. Algo muito foda! São artistas muito incríveis nas áreas em que eles atuam. Então, há essa necessidade de ficar ligado para captar esses pequenos momentos.
Verdade. É na captação constante dos momentos junto à pessoa que se documenta que você encontrará essa construção.
Rodrigo Luna: Sim, eu acho. É uma coisa que converso com bastante gente. Você pode fazer um documentário super encenado, super decupado, coisa e tal. Mas acho que eu não consigo, na verdade. Preciso deixar fluir para depois ver o que reuni e garimpar o que a gente captou. É o método que eu uso, que aprendi a usar, e que me sinto confortável em fazer.
Essa captação que você falou, essa estrutura “talkinghead” é algo que, quando sabendo utilizar, pode funcionar bem. Vide os filmes de Eduardo Coutinho, que construiu sua carreira em entrevistas assim, com personagens incríveis. Nos outros episódios que você dirigiu, você pode ilustrar um pouco desse processo e da busca por outras estruturas?
Rodrigo Luna: O episódio do Tuzé eu gosto bastante. Isso porque chamei uma banda, a Tropical Selvagem, uma banda que é com o Ronei Jorge e o João Meirelles, para tocar junto com ele. É uma parada bem eletrônica que eles fazem. Esse seria o desafio. Mas daí, quando cheguei para o ensaio, eles estavam conversando, o Tuzé, o Ronei e o João. Era um papo incrível. Uma conversa de músicos que se conhecem, um papo de pessoas que se gostam, trocando uma ideia. E nisso a gente estava montando ainda a estrutura no estúdio, onde a gente ia filmar esse ensaio. E na hora de começar, tentei puxar aquela coisa, mas não consegui ser o Coutinho. O Coutinho conseguia. Mas deles eu não consegui extrair exatamente aquela conversa sobre criação, sobre o que eles iam fazer dentro daquela coisa eletrônica improvisada. Só que, daí, o que tenho deles é, de fato, o improviso acontecendo, o que achei genial. Eles inventam várias músicas, várias coisas. Foi essa coisa de ficar observando, para depois ir recortando trechos, momentos interessantes. Teve esse ensaio e depois eles fizeram uma apresentação no (Teatro) Gamboa, com um público pequeno, mas que foi bem legal. Foi bem style.
No episódio com o cartunista Nildão, houve alguma ideia de usar animações para ilustrar o processo de criação dele?
Rodrigo Luna: Não fui tão radical, não. Fui bem careta nesse aspecto. Porque eu achava que o legal era mostrar mesmo as paradas que ele tinha feito. Eu conhecia algumas, mas muitas eu não conhecia. E achei que era importante mostrar esses trabalhos dele, que conseguem ilustrar bem o pensamento dele. Isso achei importante de fazer. Acho que não tem muita firula não. Mas acho que tem muito a ver com o da Lia Robatto, porque, no dela, eu tive acesso às fotos tiradas pelo seu marido (N.E. O arquiteto e fotógrafo, Silvio Robatto). E é muito bonito de ver. Aquelas fotos são a união de dois artistas incríveis. E ele a fotografou durante toda a vida deles juntos. Tinha esse olhar de alguém que era apaixonado não só pela pessoa, mas pela arte dessa pessoa. Também achei que era importante ter essas fotos no máximo em tela cheia. E, quanto mais tivesse, mais bacana ia ser. Uma coisa que acho massa é a memória dela. Ela falando desses acontecimentos, dessas montagens, e a gente vendo esse olhar que é do marido dela, que é muito bonito, é muito forte. Acho que dá muito vida. Daí, o do Nildão foi bem nessa pegada. A gente vai povoando o episódio com a arte dele mesmo aparecendo. E tem uma animaçãozinha, mas é algo bem simples. Só para não ficar parado, na tela cheia. Mas, por mim seria parado mesmo, tela cheia, tá ligado? (risos) Porque acho que o importante do projeto era isso mesmo. A gente ouvir essas pessoas relembrando a carreira delas, a memória delas, e de outras pessoas que somam para chegar a essa trajetória. Mais para a gente ver esse pensamento e como ele acontece. Como é que a Lia agia, trabalhava? Como era esse trabalho dela? Porque isso é algo que a gente nunca vai ver. O acesso que a gente vai ter é por essa foto ou algumas filmagens. Mas quando ela estava lá no TCA (Teatro Castro Alves) ainda incendiado, saca? Tipo, ainda fechado para o público, e ela fazendo a parada pelo backstage. Isso é algo que eu queria ter visto. Então, eu queria tentar ao máximo chegar nesse alcance. E isso em todos. Como é que eram as pichações do Nildão na época em que ele começou a fazer pichação, saca? Como é que era o Gerônimo no começo lá com o “Eu Sou Negão”? Ele chegando para lançar essa música na rádio? É uma sensação que não tive, porque eu não estava lá. Mas eu queria evocar essa memória de volta. Foi algo assim que tentei alcançar.
Em relação à personalidade de cada um, você teve dificuldades em conseguir adentrar e fluir nas conversas com esses artistas
Rodrigo Luna: Não, não tive. Porque todos eles foram muito solícitos no fazer. E o que eu tentei fazer com todos foi meio ter essa conversa. Essa troca de ideias. Tanto com eles quanto com as outras fontes que a gente conversava. Tentar deixar menos entrevistas e mais uma conversa. E são artistas de personalidades diferentes. O Gerônimo é mais esculhambado, no melhor sentido dessa palavra. Acho que esculhambado é a melhor forma de falar mesmo. Uma coisa que admiro nele é essa coisa de falar mesmo, ser verborrágico e não ter papas na língua. E ele conta a sua história com muita propriedade. Então, era massa. O episódio dele nós filmamos na Ilha de Santo Antonio dos Pobres, que foi onde ele nasceu. Foi massa porque nós passamos na rua onde ele cresceu. Ele se sentindo em casa e contando essa história dele. E bem daquele jeitão dele. O Nildão era o mais tímido de todos. Mas até rolou de a gente trocar essa ideia e chegar mesmo em momentos bacanas. O Tuzé é uma figura. Um cara que admiro bastante. Acho que o maior rolê pra mim foi poder trocar uma ideia com essas pessoas que eu já admirava. Que eu já conhecia e os achava massa nas suas áreas. E tive que estudá-los, óbvio. E você estudando você começa a descobrir um monte de coisas que você não estava ligado.
Há outro momento do episódio com a Lia Robatto em que ela relembra uma ocasião em que, durante um processo de aquecimento, uma de suas alunas em um projeto social disse que já estava aquecida, pois passara a manhã inteira carregando baldes d’água, uma vez que o bairro onde morava não tinha saneamento. Esse é um outro ponto incrível nesse processo de se conseguir captar momentos em um documentário.
Rodrigo Luna: E é bem forte esse momento. A Lia tem esse lado social dela, esse lado de educação, saca? Esse ponto que você citou dessa menina que carregava baldes d’água na cabeça aconteceu na Escola Modelo Anysio Teixeira. Ela implantou o curso de arte e de dança na escola modelo. Ela tem essa visão. Sabe que ela é uma artista que tem privilégios que aquelas pessoas não tinham. E isso a tocou muito. Tanto que, depois, ela vai para o Projeto Axé. E depois ela faz a Escola da FUNCEB de Dança. Ela tem essa visão de como a arte em geral, a dela é a Dança, mas ela tem essa visão da arte como um todo. Como a arte tem esse papel transformador, mesmo. Pode ser uma coisa de transformar um indivíduo e a sociedade em que ele vive. Daí essa história dela é bem foda, mesmo. É bem para pensar todos os privilégios que a gente tem.
A série “Memórias do Brasil” cumpre um papel fundamental de registro dessa História Cultural em um momento de apagamento.
Rodrigo Luna: A gente está vivendo esse momento em que essa memória está sendo atacada em todas as frentes. Não só da arte, como da História mesmo. É importante essa preservação. A escolha de curadoria é muito boa porque são várias áreas diferentes. Mas são pessoas que têm um pensamento muito forte sobre, não só a arte, mas com a vida como um todo. A vida e a sociedade. E acho que elas mereciam ter mais esse registro. É um dos registros que ajuda a contar essas histórias. E essas são histórias do que é ser artista no Brasil. Todos passaram por algum contexto de problemas na ditadura, por exemplo. E estão até hoje vivendo da arte, vivendo de fazer o que é caro para eles. E com os todos os bônus e ônus disso. De você ser um artista nesse país nesse momento. E acho que são ótimos exemplos, assim, todos. De pessoas que viveram a arte diretamente. E que conseguiram deixar uma marca. Não acho que é uma visão definitiva de cada um, porque é impossível fazer uma visão definitiva de um artista assim. Mas acho que é um bom recorte dessa memória contada por eles. E isso é o que eu acho mais bacana. Eles têm um espaço deles, para contarem a história deles. Porque é legal pensar essas reflexões revisitando esses lugares, essas memórias, essas pessoas e obras. E pensando nisso hoje, depois que eles viveram tudo. Hoje eles conseguem refletir o que eles fizeram e entendem a importância disso. Acho que o grande barato da série é isso. Nós estarmos do lado deles enquanto eles estão fazendo essa reflexão. Esse é o grande barato mesmo.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.