Texto, fotos e vídeo por Nelson Oliveira
Quem acompanha a cena do rap nacional sabe que Baco Exu do Blues não é bem aceito por parte do público do gênero desde que lançou “Bluesman”, no final de 2018. Se, por um lado, o álbum do rapper baiano foi aclamado pela imprensa especializada (eleito disco do ano e um dos grandes discos da década no Scream & Yell), por outro, recebeu críticas ferozes daqueles que consideraram o trabalho “gourmetizado”, “embranquecido”, “raso”, “pequeno burguês”, “fake” e mais uma dezena de adjetivos inglórios. Grande parte desse julgamento vem de Salvador, cidade em que Baco – ou Diogo Moncorvo – nasceu, viveu e começou sua carreira. Local ao qual retornou para show no último sábado, 18 de janeiro.
A mesma Salvador que vibrou com Diogo quando ele lançou a faixa “Sulicídio”, com Diomedes Chinaski, em 2016, e o álbum “Esú”, em 2017, rachou depois que o rapper foi morar em São Paulo e, na sequência, soltou “Bluesman”. Antigos fãs o acusaram de trair os ideais de fortalecimento do rap nordestino, evocados na diss track que o projetou, ao passo que indiretas em versos e shows de MCs locais também apareceram aos montes. Algumas portas se fecharam para Baco Exu do Blues, mas o artista – embora se declare “o preto mais odiado” –, preferiu não polemizar frente a um público mezzo classe média mezzo fã de trap e de suas lovesongs. Aquelas pessoas, adeptas da facção carinhosa de Moncorvo, definitivamente não pareciam a fim de dar trela a uma treta antiga.
Este show, que integrou a programação do projeto Concha Negra, do Teatro Castro Alves, foi o terceiro de Baco na capital baiana desde o lançamento de “Bluesman”. No entanto, foi a primeira vez que Diogo Moncorvo se apresentou na Concha Acústica do TCA, cujo palco é considerado o mais célebre da cidade – aquele no qual todo jovem artista de Salvador sonha em estar um dia. O fato de a ocasião ser especial, como o próprio rapper afirmou, também pode ter contribuído para que ele tenha optado por não estender a cisão com seus antigos admiradores e colegas.
O assunto não passou batido, apesar disso. Por mais de uma vez, Diogo se justificou por não morar mais em Salvador e afirmou ter se mudado por conta de “um mercado escroto” que o obrigaria a viver em São Paulo para poder alcançar o máximo de seu potencial artístico. Só que a postura de Baco era mais importante do que meia dúzia de palavras conciliadoras. E ele estava feliz de tocar na Concha Acústica: como um menino, passeava sorrindo pelo palco. O rapper chegou a ficar descalço e até mesmo a assistir a uma parte de seu próprio show abraçado com o público – quando as backing vocals Thai e Aísha Valdoni cantavam “Me Desculpa Jay-Z” e roubavam a cena.
De certa forma, esse acontecimento metaforizou o trabalho de Baco Exu do Blues, que tem como ponto mais interessante o encontro da sonoridade dos beats e da guitarra com a interpretação do lirismo do rapper nas vozes femininas que o acompanham, seja no estúdio ou nas apresentações ao vivo. Afinal, Diogo não é um grande cantor e, frequentemente, sofre com a falta de fôlego em seus shows. Esta é, inclusive, uma das críticas mais habituais que lhe acompanham (repetidas em resenhas no próprio Scream & Yell, como na cobertura dos festivais Coala e No Ar Coquetel Molotov).
Moncorvo também não tem uma presença de palco inesquecível: volta e meia se escondia atrás da mesa ocupada pelo DKVPZ, duo responsável pelos beats e programações, ou corria para o backstage enquanto seus convidados assumiam o comando da cena. Naquele sábado, eles foram Young Piva, Celo Dut e Vírus, todos contratados do selo 999, do próprio Baco, e Dactes – o que evidencia, novamente, um grande distanciamento de Diogo dos artistas soteropolitanos que não estão alinhados com seu trabalho. Nesse contexto, foi interessante a participação de Vírus, que transita entre o flow e as letras psicodélicas de Edgar e a aparência andrógina de Liniker. Uma persona que, a exemplo do também baiano Hiran, pode trazer novas experiências ao rap local.
Mesmo com tantos aspectos que poderiam ser considerados defeituosos para um show, Baco Exu do Blues conseguiu fazer uma apresentação quente, sobretudo por saber se cercar das pessoas certas e se valer do poder de suas rimas. Tal qual o orixá que lhe empresta a alcunha, Diogo sabe abrir os caminhos corretos, tanto através das composições que lhe conectam a um público bastante identificado com seus questionamentos quanto pela boa direção artística de seu trabalho.
O impecável trabalho fotográfico e audiovisual que acompanha o rapper desde “Esú” e se intensifica em “Bluesman” continua no show. A apresentação começa com os textos declamados na faixa que dá título ao álbum e em “BB King”, juntamente a projeções de personalidades negras, como Muhammad Ali, Tupac Shakur, Sabotage, Black Alien, Mãe Stella de Oxóssi e Marielle Franco.
Dali em diante, com a plateia já em chamas, Baco e seus colegas de palco (além dos já citados DKVPZ, Aísha e Thai, o rapper é acompanhado pelo guitarrista Ricardo Caian) desfilam um hit atrás do outro, com destaque para “Te Amo, Disgraça”, “Girassóis de Van Gogh”, “Minotauro de Borges”, “Flamingos” e “Kanye West da Bahia”. E Diogo não precisa nem cantar, se não quiser: suas rimas estão na ponta da língua de seus admiradores.
– Nelson Oliveira é graduado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, atua como jornalista e fotógrafo, sobretudo nas áreas de esporte, cultura e comportamento. É diretor e editor-chefe da Calciopédia, site especializado em futebol italiano. Foi correspondente de Esportes para o Terra em Salvador e já frilou para Trivela e VICE. O vídeo de “Afoxoque” é de Carine San
Acho o Baco um rapper superestimado. Ao vivo sua dicção é ruim e você não entende grande parte do que canta. Isso ficou mais nítido ainda quando ele se apresentou com o Rael e o Rincon Sapiência no Rock in Rio. A diferença do flow dele para os outros dois era gritante.