Boteco: 12 cervejas nacionais, 12 estilos

por Marcelo Costa

Abrindo uma sequencia de cervejarias nacionais com a Tupiniquim, de Porto Alegre, que abre a fila com sua German Pilsener, a Ligeira Pils, uma cerveja de coloração dourada levemente turva com creme branco espesso de boa formação e permanência. No nariz, cereais, malte, pão e leve lúpulo floral além de uma boa pegada de mel. Na boca, cereais no primeiro toque seguido de mel e panificação. O amargor é bem baixinho, quase nulo, com o mel ali do ladinho dizendo “não, não”. A textura é leve e, dai pra frente, temos um exemplar caprichado do famoso estilo alemão, que, ainda que não alcance o brilho das originais facilmente encontradas no Brasil (está bem distante, aliás), é uma boa cerveja. No final, cereais e leve herbal. No retrogosto, cereais, malte, mel e leve floral.

Do Sul para o Sudeste com mais uma cerveja da Japas Cervejaria, desta vez a Oishii, uma Witbier com adição de casca de laranja e gengibre, condimento bastante utilizado na culinária japonesa (praxe na receita das cervejeiras da Japas, que sempre utilizam ingredientes do Japão em suas receitas). De coloração amarela levemente turva (e remetendo à norte-americana Blue Moon) com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Japas Oishii apresenta um aroma com suaves notas cítricas remetendo a laranja, leve percepção de doçura de trigo e, bastante sutil, o gengibre. A elegância que o aroma adianta se replica no paladar desde o primeiro toque, com o cítrico chegando antes e trazendo na sequencia mais laranja, gengibre suave e a deliciosa leveza do estilo belga (ainda que mais próximo da releitura made in USA). O amargor é quase imperceptível (15 IBUs), a textura é leve e, dai pra frente, surge uma Witbier levíssima, refrescante absolutamente deliciosa. No final, doçura e laranja. No retrogosto, mais cítrico suave, refrescancia e doçura.

Retornando a Porto Alegre com a Pine, uma American Pale Ale da Ruradélica, que juntou na receita lúpulos clássicos como Amarillo, Cascade e Centennial buscando replicar as Old APAs californianas, conhecidas como West Coast. De coloração âmbar avermelhada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Ruradélica Pine apresenta um aroma intenso com bastante presença herbal (pinho) e de frutas cítricas (laranja e, principalmente, toranja). Na boca, toranja destacada no primeiro toque seguida de sutil e rápida doçura pruma pancadinha caprichada de amargor, 45 IBUs eficientes. A textura é cremosa e picante. Dai pra frente, surge o conjunto de uma American Pale Ale honestíssima, amarga e frutada na medida. No final, amargor bem suave e secura. No retrogosto, toranja, laranja e refrescancia.

Voltando para o estado de São Paulo, desta vez para Diadema, cidade que abriga a Cervejaria Votus, com mais um rótulo da casa, desta vez a número 008, uma Belgian Blond Ale que recebe adição de framboesa (e se transforma numa Fruit Beer). De coloração dourada levemente avermelhada com creme branco de boa formação e média retenção, a Votus 000 apresenta um aroma que sugere cereais, trigo e, destacadamente, a fruta adicionada. Na boca, a framboesa também se destaca já no primeiro toque, e segue adiante carregando com sigo notas de cereais e de trigo. O amargor é baixíssimo, quase inexistente (15 IBUs até soa muito), e a textura, leve. Dai pra frente segue-se o perfil de uma Fruit Beer, já que a framboesa altera completamente as características do estilo Blond Ale. No final, framboesa. No retrogosto, framboesa e cereais.

De Diadema para Pirai, no Rio de Janeiro, local onde a Ambev produz a Brahma Extra Dark Lager, novo rótulo da linha que tenta adequar uma das cervejas mais populares do país ao nível de experiência exigido por bebedores atentos ao atual mercado da cerveja. Precedida por Lager, Red Lager, Marzen e (a melhor de todas) a Weiss, a Dark Lager aposta no (tradicional) malte Munich Dunkel para fazer diferença. De coloração marrom translucida com creme bege claro de boa formação e média retenção, a Brahma Extra Dark Lager exibe um aroma que sugere doçura maltada, leve remissão a chocolate e torra bastante discreta, praticamente imperceptível (o aroma traz muito mais tosta). Na boca, doçura de média para alta no primeiro toque trazendo tanto remissão a caramelo quanto a chocolate, duas sugestões que dominam o passeio de forma bastante agradável. Não se preocupe com o amargor, pois os 18 IBUs são imperceptíveis. A textura é leve e dai pra frente surge um conjunto que prima pela leveza e pela doçura com toques de caramelo e chocolate. No final, doçura. No retrogosto, caramelo (80%) e chocolate (20%).

Do Rio de Janeiro retornamos para o interior de São Paulo, mais precisamente Várzea Paulista, local onde a Júpiter, em colaboração com a Cervejaria Nacional, produziu a Macchiato, uma Porter elaborada com infusão de café e adição de lactose (brincando com a ideia do café com leite). De coloração marrom escura com creme bege claro de média formação e persistência, a Macchiato apresenta um aroma com bastante destaque de tosta e caramelo e presença de café e torra, a segunda mais sutil. Na boca, equilíbrio entre doçura caramelada e café desde o primeiro toque. O conjunto segue suave com amargor discreto, 30 IBUs aconchegantes. A textura é de leve pra suave e dai pra frente, o café com leite gelado desce gostoso, com a torra se estendendo um tiquinho a mais do que desejável, e trazendo consigo amargor. No final, cafezinho. No retrogosto, um pouco de torra, café, caramelo.

De São Paulo partimos para o Distrito Federal com a primeira receita da Cervejaria Quatro Poderes, produzida na fábrica da Máfia Beer, em Brasília, a Saison Cagaita, que recebe adição Cagaita (fruto pertence à família Myrtaceae, a mesma da jabuticaba, goiaba, jambo, araçás e eucaliptos) e trigo do Cerrado. De colorado dourada levemente turva com creme branco de baixa formação e retenção, a Quatro Poderes Saison Cagaita apresenta um aroma com funky da levedura amplificado pela acidez da fruta e uma base doce discreta. Há percepção de doçura de malte e da fruta. Na boca, cagaita se destaca no primeiro toque e segue intensa duelando com a picância arisca promovida pela levedura tradicional do estilo numa combinação deliciosa. O amargor é baixo e a acidez chama mais a atenção do bebedor. A textura é acética, picante e vai se tornando cremosa. Dai pra frente, uma Farmhouse Ale bem honesta e com uma fruta adicionada que combina à perfeição com o estilo. No final, acidez e cagaita. No retrogosto, leve adstringência, doçura de malte, cagaita e acidez leve.

De volta ao interior de São Paulo, para Ribeirão Preto, casa da Cervejaria Colorado, que produziu uma receita especial para o festival João Rock, uma Pilsen com dry-hopping do lúpulo norte-americano Denali. De coloração dourada cristalina e creme branco de boa formação e retenção, como manda o estilo, a Colorado João Rock apresenta um aroma bastante agradável, que combina suaves notas cítricas (abacaxi discreto) e herbais (pinho) sobre uma leve base de cereais. Na boca, uma doçura cítrica bastante leve e refrescante no primeiro toque dá o norte do que virá a seguir, com mais refrescancia, leve cítrico e sutil doçura. O amargor é baixinho, como pede o estilo, na casa dos 15 IBUs. A textura também é leve e, dai pra frente, segue-se o perfil de uma cerveja extremamente potável e saborosa, para ser degustada de balde em dias quentes (e em festivais de rock!). No final, meladinho cítrico. No retrogosto, refrescancia.

Do estado de São Paulo para Lauro Muller, em Santa Catarina, para mais uma cerveja da Lohn Bier, que dessa vez marca presença com sua Hop Lager, que apresenta uma coloração mais para amarelo palha do que para dourado e creme branco de boa formação e baixa retenção. No nariz, a sensação é de que as notas maltadas derivadas de cereais se sobrepõe com facilidade aos lúpulos, que deveriam ter certo destaque neste estilo, mas aqui trazem discretíssimas notas cítricas. Na boca, um equilíbrio um tiquinho maior com presença leve de notas cítricas no primeiro toque seguida de doçura de malte, cereais, mais cítrico e um amargor baixinho, 16 IBUs. A textura é leve e na sequencia surge uma cerveja simplista e pálida demais, mesmo para uma (Hop) Lager. Os cereais continuam se sobressaindo no final, doce e com traços de feno. No retrogosto, refrescancia e cereais. Decepção.

De Santa Catarina para a Fazenda Santa Teresinha, em Paraisópolis, Minas Gerais, casa da sensacional Zalaz, uma das cervejarias mais bacanas da atualidade no Brasil. Desta vez, os mineiros aprontaram uma IPA com lúpulos norte-americanos e adição de Pitaya da própria fazenda, que se chama Dama da Noite. De coloração avermelhada alaranjada e creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Zalaz Potira Dama da Noite apresenta um aroma deliciosamente frutado, mas também com forte presença herbal. A pitaya aparece de maneira suave e o herbal se destaca. Na boca, frutado delicioso no primeiro toque (pitaya, mas diria também que remete a romã!) seguido de herbal, doçura e amargor médio, 52 IBUs que soam menos, talvez uns 40. A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente, uma American IPA que não soa IPA pois a fruta adicionada acaba mudando o rumo da receita, e tornando-a deliciosa, mesmo sem ser IPA. No final, suquinho de pitaya delicioso. No retrogosto, frutado, herbal, refrescancia. Delicia.

De Minas Gerais para Blumenau, em Santa Catarina, com uma Catharina Sour da cervejaria Blumenau que recebe adição de suco de maracujá. De coloração dourada, cristalina, com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Blumenau Catharina Sour Maracujá apresenta um aroma com sugestão cítrica derivada de… maracujá em destaque. Há ainda percepção de suave doçura, acidez láctica e um leve azedinho. Na boca, maracujá e acidez chegam juntos no primeiro toque, e ambos seguem em frente refrescando o bebedor com frutado cítrico e fervilhamento acético. São apenas 2 IBUs de amargor, ou seja, nada, pois aqui é o império da acidez, que dança sobre a língua com suavidade causando leve frisância. Dai pra frente, uma Catharina Sour bastante leve e refrescante, com maracujá presente trazendo, ainda, algo de pêssego. No final, maracujá leve. No retrogosto, refrescancia, leve adstringência e maracujá.

De Blumenau para a cidade do Rio de Janeiro, casa da Cervejaria Oceanica, que produziu essa Crispy Flow em Matias Barbosa, na divisa de Minas com o Rio. Trata-se de uma Altbier, estilo alemão da cidade de Dusseldorf meio fora de moda, mas delicioso. De coloração âmbar acastanhada translucida com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção, a Oceânica Crispy Flow apresenta um aroma deliciosamente maltado com sugestões que vão de toffee a caramelo tostado com um leve toque de defumado. Na boca, confirmando o que o aroma adianta, forte pegada maltada no primeiro toque sugerindo toffee. Assim que o paladar se abre, na sequencia, surge mais notas derivadas da malteação como caramelo, caramelo tostado e defumado bastante sutil. O amargor é baixo, a textura é suave e, dai pra frente, segue-se um conjunto delicioso, que abraça o bebedor e o leva para passear. No final, doçura maltadinha. No retrogosto, caramelo e toffee.

Balanço
Abrindo com a German Pilsner da Tupiniquim, uma cerveja ok, mas que perde feio para as originais facilmente encontradas no Brasil. A Japas Oishii é uma deliciosa releitura de Witbier com acréscimo de casca de laranja e gengibre, sendo que o segundo é bem delicado na receita. Muito boa. Uma boa surpresa, a Ruradélica Pine honra as American Pale Ale da escola West Coast estadunidense com frutado e amarguinho. A Votus 008 é uma Belgian Blond descaracterizada pela adição de framboesa. A Brahma Extra Dark Lager é uma popular interessante, que não bate a versão Weiss, mas pode agradar quem curte as básicas escuras. Nesse quesito, no entanto, a Júpiter e Nacional Macchiato se sai muito melhor ao tentar replicar a ideia de um café com leite gelado e alcoólico. Gostei! Outro de que gostei e foi uma boa surpresa é a Quatro Poderes Saison Cagaita, uma receita que honra o estilo e ainda traz uma fruta adicionada de maneira exemplar. Excelente. Eu não esperava absolutamente nada da Colorado João Rock, e ela me surpreendeu entregando o básico do estilo (mais básico do mundo) e acrescentando um leve colorido. Delicinha! Tudo que a Colorado acerta na João Rock, a Lohn Bier erra na Hop Lager, uma cerveja sem graça, sem lúpulo, sem emoção. A Zalaz Potira Dama da Noite é uma Fruit IPA em que a fruta, pitaya, doma todo o perfil IPA da cerveja, mas, ainda, o resultado é bastante agradável. De Santa Catarina, a Cervejaria Blumenau surge com uma Catharina Sour Maracujá com pouco corpo e personalidade. A Oceânica Crispy Flow me surpreendeu com sua deliciosa Altbier.

Tupiniquim German Pilsner
– Produto: German Pilsner
– Nacionalidade: Porto Alegre,RS
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,41/5

Japas Oishii
– Produto: Witbier
– Nacionalidade: Várzea Grande, SP
– Graduação alcoólica: 4.7%
– Nota: 3,49/5

Ruradélica Pine
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Porto Alegre, RS
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,31/5

Votus 008
– Produto: Belgian Blond Ale
– Nacionalidade: Diadema, SP
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 2,92/5

Brahma Extra Dark Lager
– Produto: Munich Dunkel Lager
– Nacionalidade: Pirai, RJ
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 2,67/5

Júpiter e Nacional Macchiato
– Produto: Porter
– Nacionalidade: Várzea Paulista, SP
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3,33/5

Quatro Poderes Saison Cagaita
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Brasília, DF
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3,41/5

Colorado João Rock
– Produto: American Light Lager
– Nacionalidade: Ribeirão Preto, SP
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3,12/5

Lohn Bier Hop Lager
– Produto: India Pale Lager
– Nacionalidade: Lauro Muller, SC
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 2,46/5

Zalaz Potira Dama da Noite
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Paraisopolis, MG
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,66/5

Blumenau Catharina Sour Maracujá
– Produto: Catharina Sour
– Nacionalidade: Blumenau, SC
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3,11/5

Oceânica Crispy Flow
– Produto: Altbier
– Nacionalidade: Rio de Janeiro, RJ
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,37/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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