Texto por Renan Guerra
Um dos mais importantes eventos de cultura da cidade de São Paulo, a Virada Cultural foi quase desarticulada na gestão de João Dória como prefeito. Com a intenção de “descentralizar” o evento, Doria conseguiu de certa forma esvaziar a Virada em 2017, tanto que ela passou por uma tentativa de reconstrução no ano passado. Agora em 2019, sob o mandato de Bruno Covas, foi a vez de Alê Youssef assumir a Secretaria de Cultura e a intenção de Alê é trabalhar para transformar a Virada Cultural em um dos maiores (se não o maior) festivais de cultura a durar 24 horas contínuas.
Nesse ano o investimento foi pouco maior que o de 2018, mesmo assim os números cresceram de diferentes formas. No ano passado foram investidos 18.652 milhões de reais no evento, esse ano o valor foi de 18.840 milhões, porém a estrutura partiu de 97 pontos de eventos em 2018 para 250 em 2019, com 1200 atrações, em 32 subprefeituras de São Paulo. São números gigantescos, que mostram um pouco do que foi a movimentação da cidade entre as 18 horas de sábado e às 18 horas de domingo. A estratégia deu certo e a Virada Cultural 2019 obteve um público recorde de 4.6 milhões de pessoas circulando por diversos pontos da cidade.
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Shows musicais, peças teatrais, sessões de cinema, projeções artísticas, festas, intervenções, espetáculos de dança e feiras gastronômicas movimentaram a cidade num saldo final positivo, com a população ocupando a cidade e vivenciando experiências das mais variadas. Era possível ver uma tragédia grega gratuitamente no Teatro Municipal ou ainda ver filmes no topo do Sesc 24 de Maio; dava para dançar pelas muitas festas que tinham nas ruelas do centro antigo ou mesmo cantar no Karaokê instalado na Praça da República; dava para comer carne assada em grandes churrasqueiras instaladas na Avenida São Luís e ainda ver shows de grandes estrelas, indo de Caetano Veloso até Anitta, passando por Pabllo Vittar, AnaVitória e Lucas Lucco.
Como qualquer grande evento, as questões de segurança são sempre um ponto delicado, mesmo assim, o clima madrugada a dentro não era de medo ou temor pelos arrastões que muitas vezes assolaram a Virada em outros anos; essa foi uma edição bastante tranquila, em que as pessoas pareciam mais soltas. Acompanhamos a movimentação no centro da cidade e só podemos dizer que é muito forte ver as ruas tomadas pelas pessoas vivenciando a cultura de seu modo e com toda a gana que isso pede. Em tempos em que a cultura vem sendo vilanizada tornando-se inimiga do governo federal, é simbólico demais ver a música, o teatro, a dança, o circo e outras artes ocupando as ruas e as pessoas dando vida ao centro de São Paulo.
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Passando pelo frio, o sol e a chuva, nós vimos muitas coisas e perdemos outras incontáveis, mesmo assim separamos aqui oito shows que valeram a pena:
18 horas – Angela Ro Ro
Angela abriu o Palco Discos, na Barão de Limeira, onde apresentou o seu seminal disco autointitulado de 1979. Entre histórias engraçadíssimas, Ro Ro cantou clássicos como “Balada da Arrasada”, “Tola Foi Você”, “Gota de Sangue” e “Amor, Meu Grande Amor”. Imprevisível, a cantora contou histórias de Cazuza, fez piadas sobre a própria sexualidade e entregou quase um show de stand-up. Não havia melhor forma de começar a maratona.
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19 horas – Marina Lima convida Letrux
Marina levou ao Palco da Diversidade, na Praça da República, o seu recente disco “Novas Famílias” (2018), além disso, apresentou clássicos como “Fullgás”, “À Francesa” e “Anna Bella”. Para completar o show, ela trouxe Letrux ao palco e juntas apresentaram algumas canções do disco “Em Noite de Climão”. Em momento curioso, Marina apresentou uma versão “sofrência” de “Mesmo Que Seja eu”, fazendo até a intérprete de Libras dançar a coreografia.
21 horas – Ofertório: Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso
Caetano e os filhos levaram mais de 160 mil pessoas para o Palco Plural, no Vale do Anhangabaú. Já falamos por aqui que este é um “encontro muito pessoal e de família, que certamente emocionaria Dona Canô”, algo confirmado quando se vê uma multidão a cantar junto as delicadas canções que compõem o setlist. Momentos como “Todo homem”, “Não me arrependo” e “Deusa do Amor” são lindos de doer, mesmo assim, é inegável que o momento único da noite foi poder ver e ouvir Caetano cantando “Sampa” em um palco armado sob o Viaduto do Chá, provando que São Paulo quando quer é linda demais.
01 hora – Teto Preto e Maria Beraldo
Teto Preto e Maria Beraldo são donos de dois dos grandes discos de 2018, por isso esse encontro no palco Experimenta, na Praça do Patriarca, não deixa de ser desassossegador. O universo de “Cavala”, de Beraldo (que acaba de ganhar edição em vinil), parece conversar de forma bastante coesa com o de “Pedra Preta”, do Teto, por isso esse é um show redondinho, em que Maria Beraldo e Carneosso emanam uma força potente, o que culminou numa versão memorável de “Bate Mais”.
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11 horas – MC Carol convida Tati Quebra Barraco
MC Carol iniciou seu show com os hits que a fizeram famosa, indo de “Minha Vó Tá Maluca” a “Bateu Uma Onda Forte”, até entrar na sua vibe mais politizada dos últimos lançamentos, como “100% Feminista” e “Delação Premiada”, que é uma porrada forte ao vivo. Em dado momento, ela abre seu palco para Tati Quebra Barraco, que é uma espécie de mentora para Carol. Tati então metralha seus hits desde “Boladona” até a recente “Berro” – faixa ao lado de Heavy Baile e Lia Clark; além disso, Tati ainda cantou clássicos como “Dako é Bom”, “Se Marcar Eu Beijo Mesmo” e “Fama de Putona”. Duas mulheres de diferentes gerações no palco, porém ambas fundamentais para o funk brasileiro.
12 horas – Grande Encontro: 20 anos
Quando Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo resolveram celebrar os 20 anos de Grande Encontro, falamos aqui no Scream & Yell que esse não era um show de novidades, mas mesmo assim que era encantador e é isso que se provou no Palco MPB-Samba, na Avenida São João. Uma multidão cantou junto sucessos como “Banho de Cheiro”, “Ela é Bonita”, “Chão de Giz” e “Tropicana”, em um show que tem momentos dedicados a cada um dos intérpretes. O que, de certo modo, destaca Alceu ao demonstrar o domínio que ele tem da plateia, fazendo todo mundo pular, dançar e se emocionar, como no momento em que cantava “La Belle de Jour” e seu violão falhou: ele não parou de cantar, seguiu a capella, acompanhado da multidão. Além disso, a beleza de se ver show na São João eram todas as pessoas nas sacadas e janelas assistindo de camarote; numa das janelinhas até víamos um casal animado dançando forró juntinho.
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15 horas – Deize Tigrona
Deize Tigrona cantou em um dos palcos de festas, na XV de Novembro. A funkeira estava acompanhada da crew responsável pela festa Batekoo, que anunciou recentemente estar se tornando também um selo musical, tendo Deize como sua primeira artista. Marcando essa nova parceria, o show da funkeira carioca contou com clássicos de sua carreira, indo de “Injeção” até as mais recentes “Prostituto” e “Madame”. Além disso, ela cantou duas novas faixas, “Vagabundo” e “Ibiza”, que devem ser lançadas ainda esse ano, dando uma amostra do que está por vir.
16h30 horas – Alzira E convida Maria Gadu
O Palco Copan Itamar 70 celebrava os 70 anos de Itamar Assumpção e quem foi incumbida de fechar as apresentações desse espaço foi a cantora Alzira E, amiga e parceira de composição de Itamar. Acompanhada de uma banda matadora, que incluía Curumim e Peri Pane, Alzira fez um show barulhento, roqueiro e anárquico, como Itamar adoraria. O setlist passeou por diferentes canções de Assumpção, incluindo algumas parcerias dele com Alice Ruiz e com a própria Alzira. Maria Gadu foi a convidada do palco e cantou ao lado de Alzira faixas como “Já Sei” e “Tristeza Não”. No todo, foi uma linda forma de encerrar a Virada e celebrar a obra de Itamar, bem como seu lindo encontro artístico com Alzira E.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha. A foto que abre o texto é de Eduardo Ogata / SECOM Prefeitura de São Paulo
Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres, João Donato e Jards Macalé (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje a Rigor, Do Amor, Orquestra Imperial (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços, Zeca Baleiro, Tutti Frutti (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos, Camarones Orquestra Guitarristica, Tulipa Ruiz (aqui)
– Virada 2012: Dalto, Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes, Riachão, Rosanah, Otto (aqui)
– Virada 2015: Loomer, Wry, Paralamas, Eduardo Dussek, Johnny Marr (aqui)
Palco rock estava sensacional. As ruas apesar de falarem o contrário a todo estava sendo limpa. Foi muito bom vivenciar o centro de SP. Cheio de pessoas circulando por ele. Amei
A cultura é importante para todas as pessoas, mas acabo nptando que os curadores da Virada Cultural, escolhem os mesmos artistas todos os anos! Isso me dá a impressão de um monopilio (amigos dos amigos) ou um balcão de negócios (quem cobrar o menor cachê entra na Virada).
Não é bem verdade, que a Virada Cultural teve um saldo positivo, vimos que a segurança, a estrutura (banheiro) não foi tão positiva como estão descrevendo no texto, as ruas estavam repletas de lixo e com muito cheiro de urina! A cidade já é nossa, porem na minha opinião, ela deve ser ocupada não só apenas em momentos de eventos como; os blocos de Carnaval, e ou nas Viradas Culturais.
Foi uma excelente virada cultural, destaco o show do Edgar, que aconteceu no mesmo palco que o da Teto Preto + Maria Beraldo.