por Marcelo Costa
“15h17 – Trem Para Paris”, Clint Eastwood (2018)
Entre 1992 e 2004, Clint assinou a direção de alguns dos grandes filmes da Hollywood moderna, obras incontestes como “Os Imperdoáveis” (1992), “As Pontes de Madison” (1995), “Sobre Meninos e Lobos” (2003) e “Menina de Ouro” (2004) e algumas outras muito boas como “Um Mundo Estranho” (1993) e “Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal” (1997). Porém, na última década (a partir do bom “Gran Torino”, de 2008), a cinematografia de Clint vêm descendo a ladeira vertiginosamente, e “The 15:17 to Paris” (2018) é mais uma obra menor na carreira de um grande diretor que parece ter perdido a mão (o constrangedor “J. Edgar”, de 2011, mais “Sniper Americano”, 2015, e “Sully”, de 2016, reforçam a tese). Em “The 15:17 to Paris”, Clint recria (com tons de documentário) a tentativa de atentado terrorista em um trem europeu em 2015 escalando os próprios protagonistas que evitaram o massacre como atores principais. A atuação deles, claro, não convence (como seria de se esperar), mas nem é esse o ponto mais fraco, pois o roteiro extremamente piegas arrasta tediosamente o filme e a história pregressa dos “heróis” por 80 e tantos minutos para chacoalhar o espectador apenas no clímax da trama, belamente filmada, da tentativa de atentado dentro do trem. É muito pouco para um filme de ação, e principalmente para um filme de Clint. Como ele já demonstrou em outros filmes recentes, a idade amoleceu o coração do diretor, que dramatiza mais do que o necessário, confunde pieguice com poesia cinematográfica e perde o rumo. Triste.
Nota: 2 (já disponível em lojas de aluguel online)
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“Tully”, de Jason Reitman (2018)
Um dos talentos recentes do cinema norte-americano, que despontou mundialmente com o vibrante “Obrigado Por Fumar” (2006), Jason Reitman retoma sua colaboração com a afiada roteirista Diablo Cody (outro talento da nova Hollywood) neste filme que parece uma junção dos dois anteriores da dupla, “Juno” (2007) e “Jovens Adultos” (2011), por lidar também com o fantasma da gravidez (indesejada) assim como da frustração da ambição representada pelo que você desejava ser e o que você se tornou. Não é um cinema aconchegante – “Juno” soa mais fofo do que realmente é – e nem deveria, e a aspereza do texto de Diablo Cody atinge o auge neste “Tully”, com uma Charlize Theron sublime 20 quilos acima do peso vivendo Marlo, que passa por um pós-parto traumático em que tem que lidar com a terceira filha, recém-nascida, os dois filhos menores, e uma rotina familiar disfuncional da qual faz parte um marido (aparentemente) apaixonado que, após um dia de trabalho, quer mais é colocar os fones de ouvido e jogar videogame numa fuga para um mundo irreal do que viver o mundo real que ajudou a criar. Sobrecarregada e contrariada, Marlo decide aceitar o conselho do irmão, e contrata uma babá noturna, Tully (Mackenzie Davis, a atriz que brilha em um dos melhores episódios de “Black Mirror”, o “San Junipero”), que não só cuidará da pequena filha, como também de Marlo e da própria casa. Parece simples, certo? Não é. E no jogo de espelhos construído pelo roteiro experto, o espectador verá que a resposta está em si mesmo, sempre. O resultado: um belo filme adulto.
Nota: 8 (já disponível em lojas de aluguel online)
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“Ilha dos Cachorros”, Wes Anderson (2018)
Segunda animação da carreira deste notável e metódico cineasta (precedida pelo excelente “O Fantástico Sr. Raposo”, de 2009), “Isle of Dogs” é Wes Anderson em sua essência, ou seja, independente de ser um filme nascido da técnica de Stop Motion, todas as características que fãs e detratores amam e odeiam em sua cinema estão aqui. Dos personagens excêntricos aos enquadramentos milimétricos passando pelas falas calmas e divertidas (que sempre couberam muito bem na voz de, por exemplo, de Bill Murray, que pode fazer rir lendo uma receita de bolo), “Isle of Dogs” é desenho animado para adultos (não à toa, sua classificação é de 12 anos), uma metáfora sociopolítica que remete, em primeiro plano, não só aos campos de concentração nazistas e aos campos de refugiados do “mundo moderno” como também às zonas pobres de periferias de grandes cidades, ocupada por pessoas que foram afastadas pela gentrificação. Em “Isle of Dogs”, os cães foram retirados da sociedade devido à decisão do prefeito de Megasaki, que os acusou de estarem contaminando os humanos com doenças. Todos os cães foram enviados para um antigo lixão, e tudo muda quando um garoto vai atrás de seu cão de guarda. Com um elenco de vozes formidável (Bryan Cranston, Edward Norton, Bill Murray, Greta Gerwig, Frances McDormand, Harvey Keitel, Scarlett Johansson, Tilda Swinton e Yoko Ono, entre outros), a boa sacada de não legendar as vozes orientais (o que torna a sensação de refugiado mais intensa, afinal quem decide fala coisas que o espectador não entende) e uma trama cativante, “Isle of Dogs” é mais um grande filme na prateleira de Wes Anderson.
Nota: 8
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– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne