Boteco: Nove países, nove cervejas

por Marcelo Costa

Fundada em 1993 em Lagunitas, na Califórnia, a Lagunitas Brewing Company era uma das maiores cervejarias artesanais dos EUA ao menos até 2015, quando vendeu 50% da companhia para a Heineken – fechou em 2017 com a 3ª no ranking nacional de artesanais estadunidenses. Essa Lagunitas IPA é o carro chefe da casa. Trata-se de uma India Pale Ale com 43 tipos diferentes de lúpulos e 65 variações de malte! De coloração âmbar translucida com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção, a Lagunitas IPA exibe um aroma delicioso com percepção de caramelo, frutas cítricas, mel, pêssego, xarope de boldo suave e especiarias. Na boca, a doçura caramelada surge fácil no primeiro toque, mas logo perde espaço para o frutado cítrico, para o mel e para o amargor médio (46 IBUs), que distraem o bebedor alegremente na sequencia. A textura é levemente picante e cremosa. Dai pra frente, uma Old IPA bem saborosa, com lúpulo e amargor marcantes, mas não intimidantes. No final, mel e amarguinho. No retrogosto, meladinho, amargor herbal e grapefruit. Boa.

Dos Estados Unidos para a Alemanha com a terceira The Monarchy a passar por aqui: depois da clássica Methusalem e da ótima Kölsch, agora é a vez da Pfui Deifi, uma Gose que recebe adição de erva-doce, cominho e sal das montanhas da Bavária. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média permanência, a The Monarchy Pfui Deifi Gose exibe um aroma com notas herbais em destaque (a erva-doce aparece delicadamente) e sugestão sutil de acidez além de percepção mineral (sal e mar). Na boca, herbal, salgado e acidez suave, tudo junto no primeiro toque. Na sequencia, a acidez aumenta, causando leve adstringência e trazendo consigo sal e, por último, herbal e doçura maltada suave. A textura é levemente acética, com uma picância suave, mas facilmente perceptível, sobre a língua. Dai para frente, uma cerveja deliciosamente refrescante com acidez, herbal, doçura e salgado muito bem equilibrados. No final, salgadinho, herbal e leve acidez, sugestões que se integram ao retrogosto somado a adstringência, suave. Delicinha.

Da Alemanha para o Brasil com a primeira da Infected Brewing Co., cervejaria cigana surgida em Santos, litoral de São Paulo, em 2017, a passar por aqui. Produzida na fábrica da Dádiva, em Várzea Paulista, a Funk Town Juice é uma New England IPA com cinco lúpulos (Mosaic, Simcoe, Lemondrop, Vic Secret e Cashmere) e duas leveduras (Vermont e Wild Saccharomyces). O resultado é uma cerveja de coloração amarela turva, juicy a frio, com creme branco de boa formação e baixa retenção. No nariz, um aroma com percepção de levedura em primeiro plano acrescentando condimentação e meio a notas cítricas (abacaxi, manga, pêssego e laranja) agradáveis e doçura discreta. Na boca, frutado cítrico intenso no primeiro toque seguido de acidez, amargor (46 IBUs) e mais cítrico. A textura é levemente picante e, dai pra frente, bastante cítrico, levedura mais presente que lúpulo e final cítrico, doce e picante. No retrogosto, laranja lima, abacaxi e acidez.

Do Brasil para a Sérvia com a terceira Kabinet a passar por aqui. Depois da Olga on Cardamom e da Melisa, agora é a vez da SuperNova, uma American IPA cuja receita aposta na combinação dos lúpulos Magnum (Alemanha), Willamette, Centennial e Simcoe (EUA). De coloração âmbar clara levemente turva com creme bege clarinho de ótima formação e média alta retenção, a Kabinet SuperNova exibe um aroma que combina as principais características do estilo Old American IPA, a saber, frutado cítrico (laranja, manga, um pouco de lichia) em perfeito equilíbrio com a doçura maltada (caramelão presente) e um leve floral. Na boca, uma pancada cítrica deliciosa e potente envolvida em caramelo salta à frente no primeiro toque. Na sequencia, o conjunto dá uma leve amaciada, mas o amargor (51 IBUs) surge para lembrar o bebedor que essa é uma American IPA clássica. A textura é altamente cremosa e picante e, dai pra frente, surge um conjunto delicioso, amargo, cítrico e refrescante. No final, amargor e resina médio suaves. No retrogosto, toranja, resina, manga e caramelo. Surpreendeu!

Da Sérvia para a Bélgica com minha terceira cerveja da Brouwerij Omer Vander Ghinste, de Bellegem, cidade de menos de 4 mil habitantes nos Flanders Ocidentais belgas. Depois da Cuvée des Jacobins e da VanderGhinste Oud Bruin, agora é a vez da Jacobins Gueuze, cuja receita, eles avisam, é simples: “os ingredientes básicos são trigo e cevada maltada. O mosto fermenta de maneira espontânea entre 18 e 24 meses em barris de carvalho, e depois fazemos um blend dessa cerveja com uma Lambic jovem”. Uou. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar turva com creme bege claro de boa formação e média retenção. No nariz, caramelo em destaque, azedume moderado e um toque funky. Na boca, doçura de caramelo mais comportada do que no nariz abrindo espaço para acidez e azedume já no primeiro toque. Na sequencia, tanto acidez quanto azedume ganham espaço, mas de maneira suave. A textura é levemente acética sobre a língua e, dai pra frente, surge um conjunto saboroso, suavemente comportado para uma Gueuze, mas interessante. No final, caramelo e azedume levíssimo. No retrogosto, o azedume, ainda que suave, se destaca. Boazinha, mas esperava mais.

Da Bélgica para Ashford in the Water, na Inglaterra, casa da Thornbridge, cervejaria revolucionária que desembarcou no Brasil com uma série de novidades, esta Saint Petersburg inclusa, Russian Imperial Stout com lúpulos Sorachi Ace, Willamette e Liberty. De coloração marrom escura, praticamente preta, com creme bege espesso de boa formação e média alta retenção, a Thornbridge Saint Petersburg exibe um aroma com bastante chocolate (mais para o amargo que ao leite) e café torrado além de alcaçuz, ameixa e um leve e distante cítrico. Na boca, o café torrado surge caramelado em notas cítricas suaves no primeiro toque, surpreendendo. Na sequencia, um delicioso amargor cítrico e torrado, envolvente e apaixonante. A textura é cremosa e levemente picante (mais de lúpulo e torra do que dos 7.4% ABV, ainda que eles ajudem). Dai pra frente, uma RIS com jeitão de Black IPA, deliciosamente torrada e cítrica. No final, amargor tanto cítrico quanto de torra. No retrogosto, mais cítrico, mais torra, ambos suaves. Bela!

De Inglaterra para Nr. Aaby, na Dinamarca, com a segunda Ugly Duck a passar por aqui (a primeira foi a Imperial Vanilla Coffee Porter além de uma apresentação de outros rótulos para a imprensa), a Follow The White Rabbit, uma White IPA (uma India Pale Ale de trigo) com levedura selvagem (Bretta) e lúpulos Azzaca, Citra e Amarillo. De coloração amarela desejando ser âmbar com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Ugly Duck Follow The White Rabbit exibe um aroma notadamente funky, com a levedura sendo o destaque num primeiro momento, e depois abrindo espaço para frutado cítrico (abacaxi, toranja, manga, uva) além de percepção de celeiro, baunilha e doçura. Na boca, doçura frutada cítrica rápida no primeiro toque e levedura Brett entortando tudo deliciosamente na sequencia. A textura é levemente picante e macia. Dai pra frente surge um conjunto brilhante, com levedura funky e doçura de trigo e cítrico de lúpulo, tudo muito bem equilibrado. No final, doçura e condimentado. No retrogosto, cítrico delicioso, condimentado leve, celeiro, mineral, uma complexidade deliciosa.

Da Dinamarca para o País de Gales com a segunda cerveja da Tiny Rebel a passar por aqui (a anterior foi a Hadouken): The Full Nelson, uma Maori Pale Ale lançada em 2012 cuja receita une o lúpulo Nelson Sauvin, da Austrália, com maltes alemães. De coloração amarela turva com creme bege clarinho quase branco de ótima formação e média alta retenção, a Tiny Rebel The Full Nelson apresenta um aroma com frutado tropical abundante sugerindo pêssego, manga, laranja, toranja e uva além de leve herbal sobre uma base discreta de malte. Na boca, doçura cítrica e leve efervescência (provavelmente vinda da levedura) chegam juntas no primeiro toque seguida de leve biscoito e uma pancadinha de amargor (25 IBUs, mas parece até um pouquinho mais). A textura é cremosa e surpreendentemente picante (tanto de lúpulo quanto de levedura). Dai pra frente surge uma American IPA deliciosamente tortinha, com presença assertiva de um lúpulo australiano bastante personal que a valoriza. No final, amargor suave e leve condimentação. No retrogosto, doçura de malte, frutas tropicais e refrescancia. Curti.

Do País de Gales para Rakszawa, na Polônia, casa da cervejaria Van Pur S. A., responsável pela linha Edelmeister, que marca presença com sua Weizenbier, uma German Hefeweizen de coloração dourada com turbidez suave, quase translucida, e creme branco de boa formação e permanência. No nariz, boa replicação das notas tradicionais do estilo, com a suavidade da banana e a condimentação do cravo (derivados da levedura Weizen) em meio a uma paleta aromática que sugere capricho e refrescancia. Na boca, menos corpo do que uma Weizen alemã, mas, ainda assim, doçura de trigo, banana e cravo chegam juntos no primeiro toque e perpetuam no caminho seguinte se alternando em chamar a atenção do bebedor. A textura é picante e levemente metálica. Dai pra frente surge um conjunto muito agradável, que fica levemente aquém das Weizens tradicionais bávaras, mas cumpre com louvor a função de replicar esse estilo clássico. No final, doçura de trigo e leve condimentação. No retrogosto, banana, cravo e mais doçura. Gostei!

Balanço
Abrindo pelos Estados Unidos com uma IPA clássica, Lagunitas IPA, que continua redondinha, mesmo estando com 50% da fábrica nas mãos da Heineken. Já a alemã The Monarchy surge com uma Pfui Deifi Gose deliciosa e herbal. A NE IPA da Infected Brewing, Funk Town Juice, não é tão funk assim, mas é uma boa New England IPA com bastante presença cítrica e pouco amargor. A Kabinet SuperNova surpreendeu com uma Old American IPA honestíssima. Já a Jacobins Gueuze… bem, esperava mais. Por outro caminho, a Thornbridge Saint Petersburg é uma gratíssima surpresa, uma RIS inglesa com lúpulos marcantes sugerindo uma Black IPA. Fique de olho nessa cervejaria! Já a Ugly Duck Follow The White Rabbit é daquelas cervejas “experiência”: base de trigo, lúpulos cítricos e levedura Brett. O resultado é… uau! Agora no País de Gales com a bela cervejaria Tiny Rebel, presente aqui com a The Full Nelson, que valoriza acertadamente o lúpulo Nelson Sauvin. Que delicinha. A Edelmeister Weizenbier exibe um conjunto muito agradável, que fica levemente aquém das Weizens tradicionais bávaras, mas cumpre com louvor a função de replicar esse estilo clássico

Lagunitas IPA
– Estilo: India Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3,41/5

The Monarchy Pfui Deifi Gose
– Estilo: Gose
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,48/5

Infected Brewing Co. Funky Town Juice
– Estilo: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.4%
– Nota: 3,68/5

Kabinet SuperNova
– Estilo: India Pale Ale
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3,44/5

Jacobins Gueuze
– Estilo: Lambic
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,14/5

Thornbridge Saint Petersburg
– Estilo: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 7.4%
– Nota: 3,76/5

Ugly Duck Follow The White Rabbit
– Estilo: India Pale Ale
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3.81/5

Tiny Rebel The Full Nelson
– Estilo: American Pale Ale
– Nacionalidade: País de Gales
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3,41/5

Edelmeister Weizenbier
– Estilo: German Hefeweizen
– Nacionalidade: Polônia
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 2,91/5

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