por Marcelo Costa
Abrindo mais uma série de cervejas de países diferentes com a segunda do Panamá a passar por aqui, Gose Limón Kaffir, da Casa Bruja, uma cervejaria fundada no final de 2013 na capital do país (por um engenheiro que fez estágio na Brewdog!). Esta Gose premiada recebe adição de sementes de coentro e folhas de limão Kaffir e fermentada com lactobacilos. De coloração amarela quase palha com turbidez leve e creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, notas cítricas pungentes remetendo a limão, acidez pronunciada, secura, sal e mineral. Na boca, acidez e limão chegam juntos no primeiro toque seguida de leve coentro, sal e mais limão, que acaba sendo a estrela do conjunto. A textura é suave com picância e acidez. Dai pra frente surge um conjunto bastante refrescante, com limão brilhando, mas sal e acidez muito presentes até o final, seco e levemente adstringente. No retrogosto, limão e refrescancia.
Do Panamá para a Inglaterra com a sexta cerveja da Adnams, de Southwold, a marcar presença aqui no site (Spindrift, Ghost Ship, Broadside, Tally-Ho 2013 e Explorer foram as anteriores), e justamente a que leva o nome da vila de pescadores que abriga a cervejaria: Southwold Bitter, uma cerveja de coloração âmbar escura com creme bege clarinho de boa formação e longa retenção. No nariz, doçura de caramelo envolvida em notas herbais, melaço, toffee, ameixa vermelha e chá. Na boca, doçura caramelada e toffee deliciosos no primeiro toque seguidos de herbal, floral e mineral. A textura é suave e o amargor na sequencia bastante sossegado, com 33 IBUs muito bem inseridos no conjunto, que, dai pra frente, segue nesse balanço com toffee, caramelo e herbal equilibrados. O final é suave, com leve toffee. No retrogosto, mineral e leve melaço. Boa.
Da Inglaterra para a Itália com mais uma cerveja da festejada Birrificio Del Ducato, desta vez a California Sun, uma California Common, estilo leve, maltadíssimo e barato surgido na era do ouro no estado, cujo benchmarking é a Anchor Steam Beer. No caso desta italianinha, a líquido é amarelo mais para palha do que para dourado com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, muito malte sugerindo casca de pão francês, biscoito, grãos e cereais sobre uma base discreta de caramelo. Na boca, porém, há percepção maltada (cereais), mas a ação da levedura é bastante assertiva e se destaca no primeiro toque se sobrepondo ao malte. A textura é levemente picante (novamente levedura) com percepção cremosa enquanto o amargor é baixo e refrescante. Dai pra frente, um conjunto que remete às Zwickel austríacas valorizando malte e levedura. O final é levemente picante com percepção forte de malte, que se estende ao retrogosto, que ainda traz leve amargor.
Da Itália para a Holanda com mais uma cerveja da Brouwerij Kees: Pale Ale Citra, cuja receita une os maltes Maris Otter e Caramunich com os lúpulos Summit e, claro, Citra (incluindo dry-hopping). De coloração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de boa formação e média retenção, a Kees Pale Ale Citra exibe um aroma intenso de frutas cítricas, notadamente laranja, com tendência a geleia (doçura acompanhando). Há, ainda, discreto floral, caramelo, manga e especiarias. Na boca, frutado cítrico intenso, carregado, no primeiro toque sugerindo laranja (não tão doce) seguida de amargor potente, modelo Old American IPA, com resina sútil soando mais alto que os 52 IBUs adiantados pela casa. A textura é picante com cremosidade posterior. Dai pra frente, um conjunto rebelde, bem amargo, bem cítrico, bem exagerado. No final, cítrico e amargor. No retrogosto, leve adstringência, amargor e casca de laranja.
Da Holanda atravessamos a fronteira para a Bélgica com uma cerveja tortinha da Brouwerij ’t Verzet, de Anzegem, cidadezinha de cerca de 14 mil habitantes no Flanders Ocidental (mais próxima da fronteira com a França do que da capital Bruxelas). A tVerzet Oud Bruin Hip Hops é uma Flanders Oud Bruin nascida do blend de uma cerveja jovem com outras de diferentes barricas e tempo de maturação. De coloração âmbar com creme bege de boa formação e média alta retenção, a tVerzet Oud Bruin Hip Hops honra o estilo ofertando no nariz azedume, avinagrado, vinho do Porto, frutas vermelhas, frutas escuras, madeira e por ai vai. Na boca, o azedume e o avinagrado chegam juntos no primeiro toque, e toda maravilhosa confusão de sabores surge na sequencia: limão, vinho tinto, frutas vermelhas, frutas escuras, madeira, tudo junto e misturado. A textura é acética e, dai pra frente, surge um conjunto altamente arisco e provocante, que finaliza de forma rebelde, ácida, e retorna mais calma, ainda que levemente avinagrada e azeda no retrogosto! Uou!
Da Bélgica para o Brasil, mais precisamente para a cidade catarinense de Lauro Muller com a oitava Lohn Bier a passar por aqui: Barley Wine Wood Aged, que é maturada em barricas de madeira amburana. De coloração âmbar escura com creme bege espesso de boa formação e média alta retenção, a Lohn Bier Barley Wine Wood Aged exibe um aroma intenso de madeira, com a amburana não deixando espaço para nada no conjunto (imagine entrar em uma loja de moveis rústicos? Aquele aroma com um pouquinho de lustra móveis!). Na boca, o que o aroma adianta se repete, mas com a doçura do malte aparecendo um tiquinho. A textura é sedosa, quase licorosa, e dai pra frente segue-se um conjunto com 10% de doçura maltada caramelada e 90% de madeira (quando aquece, fica 30/70) até o final… amadeirado. No retrogosto, adivinha: isso mesmo, amburana. Essa precisa de uma boa guarda!
Do Brasil para a Estônia com mais uma cerveja da Pöhjala, desta vez a Kreuzberg, uma Berliner Weisse produzida com malte Pale Ale, trigo e flocos de aveia mais lúpulo Magnum e adição de lactobacilos na fermentação. De coloração amarelo palha levemente dourado com leve creme branco de baixa formação e rápida dispersão (típica do estilo), a Pöhjala Kreuzberg apresenta um aroma com leve cítrico frutado (uvas verdes e pera) mais floral tentando colocar a cabeça para fora em um oceano denso de acidez e azedume. Na boca, acidez intensa logo no primeiro toque mostrando quem manda no conjunto. Logo na sequencia, uva e pera dão um colorido interessante ao perfil em meio ao azedume intenso. A textura é intensamente acética e os 5 IBUs demonstram que amargor não é o lance a “se preocupar” aqui. Dai pra frente se segue um perfil altamente arisco, mas com refresco cítrico (derivado do lúpulo) até o final… arisco e salgado. No retrogosto, um resumo de todo o percurso com cítrico, salgado e acidez. Delicia.
Da Estônia para a Alemanha com minha segunda König Ludwig: depois da Dunkel (anos atrás) chega a Weissbier Hell, antigamente conhecida como Prinzregent Luitpold Weissbier Hell e produzida pela Schlossbrauerei Kaltenberg desde… 1260 (em 1980, a cervejaria foi adquirida pela Warsteiner Brauerei) em Fürstenfeldbruck, a cerca de 50 quilômetros da capital bávara, Munique. De coloração amarela bastante turva com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção, a König Ludwig Weissbier Hell exibe o aroma clássico do estilo: notas frutadas sugerindo banana, condimentação remetendo a cravo, levedura pinicando o nariz, trigo e doçura discreta. Na boca, banana não tão madura e pão doce no primeiro toque, com condimentação marcando presença na sequencia (cravo e pimenta preta). A textura é leve e suave enquanto o amargor é baixo, com a doçura frutada, banana e condimentação ditando as regras da receita clássica. O final é suavemente doce com um retrogosto oferecendo banana e condimentação bem suaves. Um clássico.
Da Alemanha para a Dinamarca com mais uma cigana da To Øl produzida na fábrica belga da De Proefbrouwerij, a Mr. Orange, uma Extra Special Bitter cuja receita utiliza os maltes Pilsner, Pale, Melanoidin mais trigo, flocos de trigo e lúpulos Mandarina Bavaria e Citra além de adição de tangerina, toranja e mandarina. De coloração amarela bastante turva com creme branco de ótima formação e longa retenção, a To Øl Mr. Orange exibe um aroma… dã, cítrico, mas com bastante pegada de trigo, leve percepção de mofo, floral e condimentação suave. Na boca, o primeiro toque traz domínio total de toranja, que se amplia na sequencia sem abrir a tantas percepções quanto o aroma sugere. A textura é suave com discreta picância enquanto os 49 IBUs produzem um amargor confortável, que abre as portas para um conjunto tortinho, que esbanja cítrico (toranja em destaque) e esconde malte (estrela das ESB). O final traz… toranja. No retrogosto, amargor suave, toranja e leve trigo. Gostei (mas não é uma ESB).
Da Dinamarca para os EUA com uma sazonal da elogiada Goose Island: Goose Fest Bier, uma Märzen (ou Oktoberfest) que reverencia o clássico estilo alemão com muito malte de cevada tostado e lúpulo Hallertau. De coloração âmbar caramelada com creme bege clarinho de boa formação e média retenção, a Goose Fest Bier exibe um aroma intensamente maltado com muito caramelo, leve tosta e bastante remissão a biscoito e cereais. Na boca, doçura maltada se destacando no primeiro toque seguida de leve herbal e um amargor bastante suave (apenas 23 IBUs), que consegue equilibrar o conjunto. A textura é levemente áspera. Dai pra frente, um conjunto interessante, que consegue replicar as qualidades de uma boa Marzen alemã, mas não acrescenta nenhuma novidade. É a tradição engarrafada até o final do gole, maltado e amarguinho. No retrogosto, herbal, biscoito e caramelo. Boazinha.
Balanço
Abrindo o passeio com pé direito pelo Panamá, aqui representado pela Gose Limón Kaffir, uma Berliner muito boa, saborosa e refrescante. Agora na Inglaterra com um clássico da Adnams, Southwold Bitter, uma bela cerveja inglesa que honra o estilo bitter. Os italianos da Del Ducato apresentam uma California Common bem europeia nesta California Sun. A holandesa Kees parece querer ser californiana nesta amarga Pale Ale Citra – eu esperava mais. Subindo o nível com a belga torta tVerzet Oud Bruin Hip Hops, uma Sour para amantes da Duchese de Borgogne não botarem defeito. Agora em Santa Catarina com o suco de amburana, ou melhor, a Lohn Bier Barley Wine Wood Aged, que precisa de uma longa guarda porque do jeito que está parece mesmo um suco caramelado de amburana. Da Estônia, a Pöhjala Kreuzberg é uma Berliner tradiça com o lúpulo Magnum acrescentando pegada cítrica. Delicia. A alemão König Ludwig Weissbier Hell é uma cerveja de trigo bávara clássica, que acho que deveria ser obrigatória a cada 10 IPAs (hehe). A dinamarquesa To Øl marca presença com uma fake ESB, que turbinada por frutas cítricas, perde toda sua característica inglesa, e passa a soar quase como se fosse uma (boa) Pale Ale com suco de frutas amarelas. Gostei, mas não tem nada a ver com uma ESB. Fechando a série com a representante dos EUA, Goose Island Fest Bier, que paga tributo ao estilo alemão Oktoberfest, mas não passa de uma bela mera cópia. Serve na falta de uma Marzen original, mas vá sempre atrás da original.
Casa Bruja Gose Limón Kaffir
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 4.1%
– Nota: 3,39/5
Adnams Southwold Bitter
– Produto: Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.1%
– Nota: 3,31/5
Del Ducato California Sun
– Produto: California Common
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,11/5
Kees Pale Ale Citra
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,37/5
tVerzet Oud Bruin Hip Hops
– Produto: Flanders Oud Bruin
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 4,00/5
Lohn Bier Barley Wine Wood Aged
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 3,25/5
Pöhjala Kreuzberg
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Estônia
– Graduação alcoólica: 3.5%
– Nota: 3,37/5
König Ludwig Weissbier Hell
– Produto: Weissbier
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,31/5
To Øl Mr. Orange
– Produto: ESB
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,41/5
Goose Island Goose Fest Bier
– Produto: Oktoberfest
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 3,10/5
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