Entrevista por Leonardo Vinhas
Gustavo Telles não tem problema algum com identidade artística: como artista solo ou como baterista da Pata de Elefante, ele sabe que suas referências passam pelos nomes que, depois do boom dos anos 50, ajudaram a consolidar o rock como força cultural: The Band, Rolling Stones, Neil Young, esse pessoal – principalmente o período entre o fim dos anos 60 e o começo dos 70.
Como, então, é possível que sua música não soe datada? Difícil explicar, mas passa pelo senso pop do rapaz, eternamente preocupado com melodias e com o formato canção – mesmo que a composição seja instrumental. Esse era – e ainda é – um dos principais diferenciais da Pata de Elefante: a capacidade de ter refrãos mesmo sendo instrumental.
Quando entra letra na jogada, a coisa fica ainda mais evidente, como pode ser constatado nos dois álbuns de estúdio lançado sob o nome Gustavo Telles & Os Escolhidos: “Do seu Amor, Primeiro É Você quem Precisa” (2010) e “Eu Perdi o Medo de Errar” (2013). Ou, se preferir uma síntese disso, o recém-lançado “Ao Vivo no Theatro São Pedro”, disponível apenas nas plataformas digitais. É imediatamente perceptível o quanto Telles ancora suas composições no cânone do rock e do folk, caprichando nos arranjos que entrelaçam violões, guitarras, teclados e piano como eixo principal da canção – quando não incluem também metais, percussões…
A pluralidade se refletia na formação flutuante d’Os Escolhidos. Pela banda, já passaram seus companheiros (atuais e ex-integrantes) da Pata (Gabriel Guedes, Edu Meirelles, Julio Rizzo, Daniel Mossmann, Luciano Leães – os dois últimos também dos Acústicos e Valvulados), Marcio Petracco (TNT, Cowboys Espirituais), Tenente Cascavel e outras), Alexandre “Papel” Loureiro (Pública), Luciano Albo e muitos outros, tendo chegado ao inacreditável número de 25 músicos para um único show!
Preparando o terceiro disco de estúdio ao mesmo tempo em que divulga o álbum ao vivo, Telles bateu um papo com o Scream & Yell para falar das criações atuais, da volta consolidada da Pata de Elefante e da readequação do formato pensado para Os Escolhidos.
Qual o sentido de fazer um disco ao vivo, hoje? O que ele representa para você, depois de dois discos de material inédito?
O disco vale enquanto obra, é algo que fica, que tem peso. Pelo menos, continuo vendo dessa forma (risos). Esse registro foi feito em novembro de 2013, durante o show de lançamento do segundo álbum, “Eu Perdi o Medo de Errar”. Como a gravação ficou boa, decidi compilar 12 das 18 músicas que foram executadas naquela noite no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Das 12 canções apresentadas, cinco são do primeiro álbum e sete são do segundo. Ou seja, encaro esse registro como fechamento de um ciclo, como fechamento de um determinado período de vivências e de um tipo de criação.
Você optou por não lançar o disco fisicamente. Eu sei que você é um cara que aprecia o formato físico, então queria entender o que motivou deixá-lo de lado dessa vez.
De um modo geral, as pessoas não escutam mais CD. As plataformas digitais são muito utilizadas, por isso decidi disponibilizar o álbum nas plataformas.
“Os Escolhidos” foi um nome bem adequado para a banda, que traz muitos músicos emblemáticos do rock gaúcho da sua geração. Mas imagino que não deva ter sido nem fácil, nem prático nem barato colocar esse povo todo na estrada. Por isso, te pergunto como foi fazer uma turnê com esse pessoal todo?
De fato, trabalhar com muitos músicos não é uma tarefa fácil (risos). Mas vale muito a pena pela questão musical e pela interação. No primeiro disco, foram 12 músicos no total. No segundo, foram 15. No show no Theatro São Pedro, em que gravamos esse terceiro registro, foram 16. E no Salão de Atos da UFRGS, onde apresentamos novamente na íntegra o repertório de “Eu Perdi o Medo de Errar”, em setembro de 2014, foram 25 músicos! Foi aí que me dei conta que tinha passado dos limites (risos). A partir daí, passei a fazer shows de quinteto. E posteriormente, de quarteto. Mas fico feliz por ter conseguido reunir tantos amigos talentosos em momentos diferentes, e também por termos conseguido realizar discos e shows com tamanha entrega e qualidade.
Até onde chegou a turnê?
Os shows aconteceram principalmente no Rio Grande do Sul, e alguns rolaram em São Paulo. Agora estou muito a fim de mostrar meu trabalho em todo o Brasil.
Como você pretende fazer isso?
Existem maneiras, mas não é moleza, não. Seja por meios de leis de incentivo, seja por conta própria, por meio de projetos… Quero começar a rodar novamente, gosto da estrada. Só que pra circular, tem que ter demanda. Tem que se planejar e ir construindo devagar, com os pés no chão. Vai, faz o show em uma ou duas cidades de cada Estado, cria condições legais para voltar no ano seguinte… É ir construindo, com os pés no chão…
Eu vejo no teu som uma referência muito forte de The Band, tanto nos arranjos como nas melodias. Eles são teu principal referente musical?
The Band é uma referência muito forte, e certamente muito influente na forma como componho e como penso a música. Mas no momento, tenho ouvido outras coisas e me vejo experimentando outras possibilidades. No segundo disco, já tem umas músicas numa onda soul, ele tem uma curva apontando para isso. Eu gosto muito de música negra, Ray Charles é meu maior ídolo e norteia as coisas que faço na música. Pra esse trabalho, pensei muito nos Staple Singers, o velho Pops Staples… Sou muito fã de música gospel, e embora eu não cante dessa maneira (risos), me influenciou muito também. O novo disco continua tendo rock, mas tem muito de soul. E de blues, por que não? A gente vem do blues. Mas tudo com esse lado soul.
Você está falando já de um quarto disco, com possível lançamento para segundo semestre desse ano. O que muda e o que permanece igual?
Estou finalizando a master do quarto disco e vou lançá-lo no segundo semestre, só ainda não defini a data. Este é um disco mais soul, e que possui uma sonoridade bem mais crua. Gravamos de quarteto e quinteto, com guitarra, teclados, baixo bateria, vocais, e com percussão em algumas músicas. Sem dúvida, as músicas que integram esse álbum poderão ser executadas de forma mais fiel ao vivo, e a ideia foi essa exatamente essa desde o início. Outra coisa legal de se ressaltar é que compusemos as canções no estúdio, enquanto gravávamos, e as compusemos juntos. O Daniel Mossmann, também integrante da Pata de Elefante, é o guitarrista e produtor musical do disco. Eu, o Dani e o tecladista Murilo Moura mergulhamos nesse álbum e vivenciamos intensamente todo o processo de gravação, juntamente com o Paulo Arcari, do Studio Rock, responsável pela gravação, mixagem e masterização. O Felipe Kautz, também integrante da Dingo Bells, quebrou tudo nas linhas de baixo e o Alexandre “Papel” Loureiro tocou várias baterias no disco, com a qualidade que lhe é característica. Também contamos com a participação dos Dingo Bells e da Marina Garcia nos backing vocals de uma música e com o Vicente Guedes na percussão em uma outra canção.
As letras também vão mudar?
O primeiro é um disco conceitual, de canções do amor. O segundo não fica só nisso. Esse agora tem uma que fala da situação política, tem crônicas da vida e do cotidiano, tem uma música que fala sobre um temporal que teve aqui em Porto Alegre em 29 de janeiro de 2016… E tem canções de amor, também! (risos)
A Pata de Elefante parece estar de volta pra valer, a julgar pela agenda de show de vocês. Isso interfere de alguma maneira com o seu trabalho solo?
Estamos tocando novamente com a Pata e tem sido muito legal. Tenho procurado me organizar para dar conta dos dois trabalhos. E não acho que um atrapalhe o outro. Pelo contrário, acho que um projeto impulsiona o outro.
“Rock gaúcho” é, para o bem e para o mal, um selo, uma identidade musical. Você, como representante de uma geração que já acumula estrada, acha que o rock gaúcho ainda tem espaço fora do Sul?
Não vejo o rock gaúcho como um estilo ou corrente, mas sim como um rótulo que abrange a todos que fazem música no estado ou que saíram daqui. E claro, vejo diversos artistas que iniciaram aqui e conseguem circular por diversos estados do Brasil.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Rodrigo Marroni / Divulgação