Texto e fotos por Marcelo Costa
Entre os dias 04 e 12 de julho, o Savassi Festival ocupou 26 lugares da capital mineira promovendo shows, discotecagens e oficinas, entre outras atividades com foco no jazz. Iniciado em 2003, o Savassi Festival vem crescendo ano a ano, já ganhou edições internacionais e, em 2015, comemorou 13 anos ampliando seu alcance com uma programação distribuída ao longo dos nove dias de duração e foi dividida em quatro categorias: Jazz no Teatro; Jazz na Rua; Jazz Clube e Jazz Remixed.
Quando o Scream & Yell foi convidado para conhecer o festival já havia o compromisso de passar um fim de semana no interior do Paraná acompanhando o Festival Paraíso do Rock, o que restringiu alguns shows imperdíveis do cardápio variado de atrações do Savassi Festival (Hurtmold com Paulo Santos, do Uakti; André Mehmari tocando Clube da Esquina para crianças; Alon Nechushtan e Talat; Chris Stover, entre outros), mas de terça (07) a quinta (09) deu para ter uma ideia da qualidade do evento.
Belo Horizonte é, disparada, a capital que mais vezes fui visitar no Brasil fora minha casa, São Paulo. Grandes amigos, ótimas cervejas, comida maravilhosa, arquitetura marcante e uma cena musical repleta de novidades me fazem sempre voltar a Beagá, e aproveitei a oportunidade para caminhar a pé o quanto conseguisse, um desafio numa cidade enorme repleta de ladeiras, mas valeu muito a pena. Também fui atrás de novas cervejas mineiras, e fiquei impressionando o quanto o mercado local cresceu.
De cara, uma coisa legal nesta viagem foi conhecer novos lugares que eu nunca havia passado em viagens anteriores. Isso inclui o Café com Letras, praticamente a casa do Savassi Festival, na ativa desde 1996, o Teatro Bradesco e a novíssima A Autêntica, uma casa de shows que, caso houvesse dinheiro para investir, eu tentaria abrir uma filial em São Paulo no mesmo formato: um espaço para 400 pessoas, boas cervejas, bons papos e uma curadoria musical caprichada.
Falando de Savassi Festival, meu primeiro programa no evento foi assistir ao começo do show “Inéditas – Tributo a Billie Holiday” no anfiteatro do shopping Pátio Savassi. Uma fila de 500 pessoas se formou para tentar um dos 114 ingressos gratuitos do local, e o show, elegante e bastante aplaudido, trazia Igor Neves no piano, Pablo Souza no contrabaixo, Fernando Delgado na bateria e sete cantoras se revezando no repertório de Billie, que inclui “Summertime”, “Blue Moon” e “Solitude”, entre outras.
Praticamente no mesmo horário, o quarteto A Engrenagem, de Brasília, ancorada no recém-lançado EP “Imaginante” (2015), fazia uma apresentação empolgante no Café com Letras, indo além do material gravado em estúdio, impressão reforçada pelo som forte da bateria, amplificado no pequeno espaço reservado ao show no Café das Letras. Reforçados pelo vocal de Amanda Miranda, que também participa como convidada do EP, A Engrenagem fez uma bela intervenção no Café das Letras.
Na quarta-feira, o melhor dia do festival para mim, uma dúvida cruel: Uakti ou João Bosco e o Jazz? Acabei optando pelo João, o que rendeu um dos grandes shows que vi em 2015 – até agora. Pela primeira vez em sua carreira, João Bosco fazia um show inteiramente focado no jazz, acompanhado por guitarra (Alexandre Carvalho), baixo acústico (Jefferson Lescowich), sax e clarinete (Ademir Jr.), trompete e fliscorne (José de Arimateia), trombone (Rafael Rocha) e bateria (Jimmy Duchowny).
Na grande noite reservada para o Teatro Bradesco, as atenções tiveram que se dividir entre João Bosco e o baterista Jimmy, em noite absolutamente memorável. “Bala com Bala”, primeira canção de João Bosco e Aldir Blanc gravada por Elis Regina (em 1972), abriu o show com impacto seguida de uma versão de “My Favorite Things”, da trilha sonora de “Noviça Rebelde” (1965): “John Coltrane já havia feito uma versão de tirar as crianças da sala”, contou em certo momento o músico.
O Miles Davis do mítico “Kind of Blue” (1959) – “Blue in Green” – se juntou num medley com “Transversal do Tempo”, clássico do álbum “Galo de Briga” (1976). Um dos grandes momentos da noite, “Dindi”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, foi precedida por uma divertida história: “Uns dizem que ‘Dindi’ foi composta para Sylvinha Telles e outros falam que é o nome de um riacho. Não acho que a frase ‘Se soubesses o bem que eu te quero’ seja sobre um riacho”, brincou o músico.
Seguiram-se “Desenho de Giz” (1986) e outro dos momentos inesquecíveis da noite, uma recriação soberba de “Maracatu Nação do Amor”, de Moacir Santos (1972). Ainda houve espaço para João Gilberto (“Estate”, a canção em italiano do álbum “Amoroso”, de 1976), mais Tom Jobim (“Angela” e “Água de Beber”) e repertório próprio (“Varadero”, de 1989, e o clássico “Incompatibilidade de Gênios”, outra do álbum “Galos de Briga”, fechando a noite). Ao fim do show, o público pediu bis e assim que João Bosco voltou, pedidos de “Papel Marche” (1984) ecoaram no teatro. “Essa música não está no roteiro”, desculpou-se o músico de forma elegante recriando, novamente, “Dindi” numa noite delirante.
Encerrando a programação pessoal, na quinta-feira no Café com Letras, o projeto que marca o encontro do contrabaixista dinamarquês Jasper Høiby, líder do trio Phronesis, com o baterista brasileiro Antônio Loureiro, também responsável pelas programações eletrônicas, voz e teclados. Com os poucos espaços da livraria café e bistrô disputados pelos presentes, Høiby e Loureiro mostraram uma química empolgante, principalmente na segunda entrada do duo, mais vigorosa e improvisada, resultando em outra grande apresentação no festival.
A minha edição pessoal do Savassi Festival ficou por aqui enquanto o festival seguiu até o domingo, encerrando sua programação 2015 repleta de grandes shows. Vale muito acompanhar o site oficial do festival (http://www.savassifestival.com.br/) para saber o que vem por ai em 2016. Quem sabe a gente não se esbarra em Belo Horizonte ano que vem. Vontade (e boa música) não vão faltar.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Fiquei curioso pra ver João Bosco no formato jazz. Vi um show dele no shopping Analia Franco e fiquei impressionado com a banda dele, o baixista e o batera tocavam demais. Tem que ser, acompanhar o violão dele é pra poucos.