por Marcelo Costa
Você quer saber o que é cultura pop? Humm, eu não saberia explicar direito, mas poderia exemplificar dizendo que é algo que faz dois caras de mais de 30 anos largarem seus empregos as 16hs de uma segunda-feira para ver um filme. É claro que há muito de inocência e irresponsabilidade nisso, o que aproxima um fã de cultura pop de um moleque de 13 anos.
Bem, isso é ruim? Eu não acho, ou pelo menos me divirto sendo um desses dois caras. O filme? Bem, você já viu a chamada, então não tem como ficar enrolando, né. Porém, mais do que um filme, “Febre de Bola” é o primeiro livro de Nick Hornby e, quando lançado, ficou seis meses entre os dez mais vendidos da Inglaterra.
Nick Hornby, pra não deixar as coisas pela metade, escreveu “Febre de Bola” (“Fever Pitch”) em 1992. Na seqüência lançou “Alta Fidelidade”, depois “Um Grande Garoto”, e “Como Ser Legal”. “Alta Fidelidade” ganhou versão cinematográfica pelas mãos de Stephen Frears. “Um Grande Garoto” foi rodado com Hugh Grant no elenco, mas a primeira obra de Hornby que chegou aos cinemas foi “Febre de Bola”.
Ao explicar o filme “Alta Fidelidade”, John Cusack (que interpretou o personagem Rob no filme) dizia que Nick Hornby não havia ficado chateado com o fato da trama ter sido transportada de Londres para Chicago, ao contrário, tinha ficado aliviado. Nas palavras de Hornby: “Me incomodava o fato dos ingleses acharem que ‘Alta Fidelidade’ era um livro que falava dos modos ingleses. ‘Alta Fidelidade’ fala de homens, mulheres e música pop, e isso é universal”. Visto por este prisma, “Febre da Bola”, por mais inglês que o filme soe, fala sobre homens, mulheres e… futebol.
Se o livro segue a forma de um diário em que os dias são trocados por datas de jogos de futebol, o filme é mais convencional e conta a história de um casal. Problema? Nenhum, afinal quem assina o roteiro é o próprio Hornby. Mas não dá pra falar que é uma adaptação. “Febre da Bola”, o filme, é levemente inspirado no livro, mas não deixa de ser um belo cult movie. E uma bela comédia romântica com Jesus and Mary Chain na trilha sonora e vinis do Gram Parsons largados em estantes.
Colin Firth (de “O Diário de Bridget Jones”) é Paul Ashworth, um outsider que ganha a vida lecionando Língua Inglesa. Paul é mais conhecido na escola que trabalha por sua paixão pelo Arsenal do que pela cadeira que leciona. O Arsenal é um time de futebol inglês que seria o equivalente ao Corinthians aqui no Brasil.
Paul se apaixonou pelo Arsenal quando seu pai o levou a um jogo aos 11 anos (Arsenal x Stoke City em 14.09.1968). A paixão consumiu toda infância do garoto que, ainda, era apaixonado por música pop. Não é de estranhar que, 28 anos depois, Paul seja o mesmo garoto, claro, agora com quase 40 anos, mas ainda dando mais importância ao futebol do que a qualquer outra coisa de sua vida, inclua aí carreira, família e… relacionamentos.
Tudo isso até Paul conhecer Sarah Hughes (Ruth Gemmell), professora “caloura” que encrenca com nosso amigo na primeira oportunidade que tem. A briga acaba atraindo os dois que logo depois começam a dividir a mesma cama. O grande problema é que Sarah não consegue entender a paixão que move um homem a se apaixonar por um clube. É lógico que há muito de obsessão no personagem Paul sobre o Arsenal, mas há, por outro lado, muito de todo homem que tem alguma camisa de seu time do coração em casa.
O relacionamento do casal não é fácil e, como em um intervalo de primeiro tempo, acaba. Mas o jogo continua e o Arsenal, depois de 18 anos na fila, dominou o campeonato todo e, no final, deixou escapar a liderança para o Liverpool. A única forma de conquistar o título é uma vitória por 2 x 0, fato que o torcedor mais fanático do Arsenal sabe ser impossível. Mas, como diz o ditado, o futebol é uma caixinha de surpresas. E, estendendo, o amor também. E tanto o Arsenal quanto o casal terão um segundo tempo inteiro pela frente, inclua ai os acréscimos. Interessante perceber que Sarah passa o filme todo disputando Paul não com outra mulher, mas com um time de futebol.
Mais masculino que seu livro posterior, “Febre da Bola” traz Nick Hornby afiado em entregar certos fatos constrangedores do universo masculino (seu time está jogando a final e sua namorada desmaia na arquibancada. Você a socorre e a leva para o hospital perdendo assim o jogo, ou, por um momento pensa em nem ligar para o que está ocorrendo? Complicado). O tom confessional e de auto-ironia do livro encontra voz e atos a perfeição em Colin Firth.
E tudo isso é sobre… futebol? Sim, futebol. E futebol, como música pop, é coisa séria. Alguns caras sabem disso e Nick Hornby é um deles. Paul Ashworth é outro. E Marcelo Costa também faz parte desse clubinho. Só que não levem isso tudo para o lado ‘copo meio vazio’ da questão. A sacada boa o próprio Honrby dá, na introdução do livro. “Este livro é para torcedores como nós e para quem tiver curiosidade de saber como é a nossa vida“. O filme, de forma mais romantizada, permite essa visão e vai adiante tentando mostrar que também bate um coração debaixo da camisa de um time.
Isso tudo porque nós, homens, temos tendência a amar os esportes. Não importa qual nem como, mas há uma seriedade no ato de se vestir uma camisa e comemorar uma vitória com alegria, tanto quanto sofrer nas derrotas, que eu mesmo não saberia explicar. E certas coisas não precisam de explicação, ok.
“Febre de Bola” chegou a ser lançado no Brasil e se existe uma boa locadora perto da sua casa, vasculhe. Ultimamente tem feito parte da programação do canal pago Cinemax (HBO Max).
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