A MADAME AQUI
O tempo que volta
por Flávia Ballve Boudou

A gente sempre ouve que o tempo não volta, que é preciso fazer tudo aqui, agora. E acaba aceitando isso como verdade. Quem tem mais ou menos a minha idade, chegando nos 30 (ei Marcelo, agora já não te acho mais tão velho!), lembra de como era conviver com a galopante inflação que nos fazia consultar tabelas para saber o preço das coisas - etiquetar e reetiquetar tudo a cada semana era muito trabalho pros supermercados, jornaleiros, padarias… E era aquela coisa, tudo ao mesmo tempo agora, ansiedade (ou no meu caso típico, ansiosidade, como dizia minha irmã Camila), o compra-já-que-amanhã-não-tem, o pra ontem, a correria. Essa idéia de carnaval correria - tenho que pegar o máximo de gente que conseguir, é hoje só, amanhã não pode mais. O tempo não pára. 

Só que eu ando percebendo que o tempo pára, sim. E volta. Que ele não é linear, mas um ciclo - como nas culturas tribais. No Brasil, ou pelo menos no Rio, faz calor o tempo todo - a gente só vê que o tempo está passando porque o calendário vai ficando menorzinho. E daí? Daí que eu não suporto nada "pendente". Nada pode ficar "a resolver". Não, se é pra resolver, que seja agora. Minha ansiosidade + um traço cultural forte = meu marido não entende nada. 

Aqui na Europa, sente-se o passar do tempo de uma maneira diferente. Se as coisas não forem resolvidas agora, serão resolvidas em uma outra oportunidade. Há uma certa sabedoria da espera, do ciclo. Estou no trabalho e acabei de almoçar - sem sapatos, sentada na grama ao lado do meu prédio. Eu e várias outras pessoas, todas fazendo piquenique ali naquele pedacinho de verde entre um trilho de trem de subúrbio e vários escritórios. Falta de praia? Não : SABER que agora é tempo de aproveitar o sol. Tempo de tirar o sapato e aproveitar cada minutinho de ar fresco, de calor, porque depois virá o tempo do inverno, com seus próprios prazeres (um dos meus preferidos : correr, alucinada de frio, para entrar em casa, e ser recebida com um chá em frente à lareira…). Apesar do calor, não ouço ninguém dizendo "putisgrila, quando é que vem o inverno?". O inverno virá quando ele virá. Esta é a vantagem de ter 4 estações, e não 1,5 como sob os trópicos… 

E agora apreendo em suas totalidades dois momentos de pura poesia que vivi no Rio, com estrangeiros. O primeiro foi quase bobo : escolhendo onde sentar em um restaurante, minha ex-chefe, americana, disse : "Sentaremos no terraço… Flávia, nunca desperdice uma chance de comer ao ar livre". No momento, achei engraçadinho. Hoje vejo que é uma das grandes lições de vida que tive a sorte de aprender, e não vou explicar porque vocês já entenderam. 

A segunda é ainda mais especial. Um cara de quem gostei muito, canadense, estava no Rio, e estávamos andando - só andando, pelas ruas do Leblon. Quando chegamos numa esquina e perguntei pra ele que direção preferia tomar, ele, acostumado com a vida subterrânea à qual o frio canadense obriga, respondeu : "Vamos seguir pelo lado que tem sol". E naquela tarde, todas as nossas decisões sobre qual caminho seguir (na vida) foram tomadas baseadas neste único critério. 

Sigamos então o sol, quando for hora de segui-lo. E tenhamos todos paz de espírito para entender que às vezes o sol não estará lá e que será preciso viver sem ele. Mas ele volta. 
 

(Para Normand, que é hoje pedaço do sol). 
 

Flávia Ballvé-B., 27 anos no dia 21 de julho, indo pro Rio de férias daqui a pouco, uêba ! 
flavia@ballveboudou.com


Leia as colunas anteriores 

#1 - Uma partida de futebol
#2 - A vida pouco ordinária de Dona Linhares
#3 - O desafio nosso de cada dia
#4 - As pedrinhas são as notas, a melodia o caminho
#5 - La Politique
#6 - "Uau, você mora em Paris?"


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