A MADAME AQUI
"Uau, você mora em Paris?"
por Flávia Ballve Boudou

Estive em Londres há dois fins de semana e na bagagem, além de umas fotos de peculiaridades londrinas e muitas libras a menos, trouxe 3 livros que andava muito a fim de ler : « How to be good » do Nick Hornby, « Atonnement » do Ian Mc Ewan e um outro denunciando os horrores do fast food, « Fast food nation » de Eric Schlosser (obs: comprei o livro do Fast food ainda digerindo o meu Mc Donald’s, né). Não li nenhum deles ainda – estou sempre, e cada vez mais, atolada – mas prometo lê-los em breve e, se ninguém ainda o tiver feito, escrevo umas linhazinhas vagabundas sobre o que ficou dos livros na minha cabeça. 

Mas o assunto que eu queria abordar aqui não é especificamente os livros, mas a viagem – ou melhor, viajar. O assunto veio surgindo de várias formas e acabou me convencendo: uma amiga que comenta que eu estou ficando besta porque anunciei assim «que ia a Londres e já voltava », amigos cosmopolitas que me perguntam, zonzos, « e ai, como é viver em Paris ? », emails de ainda-não-amigos que se dizem impressionados pela minha vida internacional… 

Vida internacional ? Só vida, eu diria. Porque o meu ritmo cotidiano em Paris é exatamente igual ao que ele seria no Rio de Janeiro, em Juazeiro, no interior da Austrália… ou seja, trabalhar pra ganhar a grana do mês, aturando um chefe chato e colegas incompetentes (e fazendo também das minhas burradas, claro), comendo mais do que eu deveria mas me fantasiando de gostosa algumas vezes por semana, cedendo e aprendendo cada vez mais no casamento, pensando em um dia ter filhos mas calculando e vendo que ainda não dá… Vejo os amigos, vou ao cinema, ando nas ruas voltando do trabalho. E daí se os amigos são franceses, o cinema idem, as ruas velhas conhecidas de todos, mostradas em filmes? Acabo não aproveitando nem um décimo do que a cidade me oferece, e o mundo desfila para mim aqui em Paris como desfilaria em qualquer outro lugar: pela TV, pela internet, pelo filtro dos jornais. Tenho vergonha de dizer, mas lá vai: as passeatas contra o Le Pen que comentei na coluna anterior, acompanhei pelo jornal das 8. 

Uma amiga de infância – não, a irmã-estrelinha que eu não tive – retomou contato comigo. Tínhamos nos afastado depois que ela teve uma filha, tão cedo, e nossos planos de viajar o mundo juntas foram pras cucuias. Há muito não nos falávamos direito, e quando recomeçamos a trocar emails, começamos pelas pequenas coisas do dia-a-dia. Eu ia contando as bobagens da minha vidinha, dizendo que fui encontrar com os amigos no café X, que algo engraçado me aconteceu ali perto da torre Eiffel… e ela confessou que eu estava mudada, quase besta. E foi aí que percebi que um café parisiense pra mim – daqueles que a gente vê em fotos em preto e branco, chiquésimas – são o barzinho que eu tinha no Rio. Apenas um lugar pra encontrar os amigos. Que a Torre Eiffel é uma referência como seria a praia para um carioca. Imagine um alemão do fundo do seu inverno ouvindo um brasileiro contar que "aí, no carnaval, conheci uma garota…". No carnaval!!!! Que sonho!!!! Basta despir essas referências de qualquer outro significado simbólico e ver que o budismo realmente se aproxima da verdade: nada é bom ou ruim (nesse caso, « besta » ou « banal »), tudo apenas é. 

Claro que Paris tem coisas fantásticas. Há esse charme, há essa arrogância, há a incredulidade de atravessar a rua olhando para um prédio que já estava ali antes do Brasil ser descoberto. E é claro que eu gosto de saber que há à minha disposição uma oferta cultural gigantesca a explorar. Só que eu não perdi de vista a idéia de que estou só morando numa cidade, que por acaso é Paris, como poderia ser qualquer outra. E sou eu que escolho o olhar que terei. Não fiquei besta, não é desdém… é só minha vida que segue, dia a dia, sem que eu pare pra pensar onde estou. 

Foi isso que aprendi com as minhas viagens. Não, não rodei o mundo, mas fiz algumas viagens interessantes, com a família ou sozinha, eu e minha mochila. Quando se chega a um lugar novo, temos a tendência de querer descobrir o que é diferente, achar graça, mandar email pra casa contando pros amigos « aqui na França eles fazem assim ou assado… ». Continuo fazendo isso, claro. Mas é fascinante também descobrir os pontos comuns, até chegarmos num raciocínio singelo e que seria salvador: somos todos iguais nesse planetinha, todos com as mesmas dúvidas e medos… “emoldurados” por nossa cultura, claro, mas tão humanos sempre, no fundo. Tão igualmente humanos, todos.

PS que não é PS (pois que dentro do texto), e que ilustra o que quero dizer: Domingo fomos assistir "Hollywood Ending", o novo filme de Woody Allen. Alias, parênteses: o festival de Cannes foi aberto com esse filme, "Hollywood Ending", e encerrado com um filme chamado "And now, ladies and gentlemen...". Ironia finérrima ou erro do estagiário, que trocou tudo?... Voltando ao filme: é Woody Allen, né, ou seja, todo mundo fala o tempo todo e cada frase é repetida pelo menos 6 vezes. Mas é bem bacana. E o final, ah, o final, que maravilha que foi eu estar em Paris vendo este final. O cinema simplesmente veio ABAIXO. Nunca tinha visto uma reação dessas em nenhuma ocasião da vida francesa (se bem que eles andam demonstrativos e passeaticos recentemente). As pessoas todas no cinema riam, não, urravam, batiam palmas, batiam com os pés no chão, só faltaram abraçar desconhecidos ao lado e subir nas cadeiras. Não vou contar o final, mas vocês que são inteligentes já perceberam que tem uma coisinha especial sobre a Franca... Foi legal vê-lo aqui ? Foi. Como foi bacana ver "Eu, tu, eles" aqui também, para acompanhar a reação da sala. Mas teria sido legal em qualquer lugar. E, puxa, que glamour que nada, eu só fui ao cinema, num domingo à noitinha, no meu bairro mesmo… 

Flávia Ballvé-Boudou, quase 27 anos (GWAAHHHH), comendo brigadeiro enquanto escreve (aquela latinha de Nescau escondida no fundo da mala veio bem a calhar!).… flavia@ballveboudou.com


Leia as colunas anteriores 

#1 - Uma partida de futebol
#2 - A vida pouco ordinária de Dona Linhares
#3 - O desafio nosso de cada dia
#4 - As pedrinhas são as notas, a melodia o caminho
#5 - La Politique


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