"300"
por André Azenha
Blog
31/03/2007

Em 480 a.C., durante a Segunda Guerra Médica, num estreito montanhoso chamado Termópilas ("portões quentes"), no nordeste da Grécia, trezentos espartanos sob o comando do rei Leônidas, acompanhados por não mais de 7 mil (não há certeza dos dados) aliados de outras cidades gregas, enfrentaram cerca de 250 mil persas liderados pelo rei Xerxes. Os gregos das outras cidades fugiram, temendo o desfecho inevitável, mas os trezentos espartanos, os guerreiros mais disciplinados da época, continuaram lutando e resistiram por três dias, aproveitando a geografia local, antes de serem aniquilados.

Esse exemplo de bravura, somado à grande quantidade de baixas persas, serviu de incentivo para que um tempo depois toda a Grécia afugentasse os invasores. Considerado um dos maiores combates da história, a Batalha das Termópilas é o tema de "300", longa que estréia esta semana nos cinemas brasileiros. Sucesso de bilheteria nos EUA, "300" é belo, violento, e uma adaptação praticamente perfeita dos quadrinhos de Frank Miller, com o brasileiro Rodrigo Santoro em papel importante.

Em 1962, Miller, então com cinco anos, teve sua visão de cinema transformada após assistir "The 300 Spartans", de Rudolph Maté. O motivo? Pela primeira vez presenciava uma história em que os heróis morriam; diferente do clichê "bonzinho sempre se dá bem no final". Ele cresceu, tornou-se um dos maiores nomes dos gibis, trabalhando nas duas grandes empresas do ramo – Marvel e DC – para dar vida nova a personagens como Batman e O Demolidor. Em 1998, escreveu e desenhou a graphic novel "300 de Esparta", em parceria com a colorista e ex-esposa Lynn Varley, com quem trabalhou em clássicos HQs, entre eles "Ronin" - uma das próximas adaptações cinematográficas do autor.

Miller se baseou nos relatos do historiador Heródoto, cujos números das batalhas são questionáveis, já que no período da guerra ele tinha quatro anos. Mesmo assim, segundo Heródoto, o exército persa teria dois milhões de soldados, quando no máximo somaria um quarto de milhão. Nada que diminua o valor do feito espartano.

Zack Snyder é jovem, 40 anos, pode ser considerado um novato na sétima arte, estudou pintura e tem no currículo trabalhos com videoclipes e comerciais, nos quais utilizava grande quantidade de efeitos especiais. É um nerd de carteirinha. Estreou no cinema com o divertido e elogiado "Madrugada dos Mortos" (remake do clássico sobre zumbis, "O Despertar dos Mortos", de 1978, dirigido por George Romero – cujos créditos iniciais rolam ao som de "When The Man Comes Around", de Johnny Cash) e sendo nerd dos bons, leu e apaixonou-se pela batalha nas Termópilas.

Resolveu dirigir um longa sobre o assunto. Poderia fazer como Rudolph Maté e se mandar com elenco e todo aparato cinematográfico para a Grécia ou qualquer localidade a céu aberto possível para rodar o embate. Mas não. Trancou-se num estúdio, assim como Robert Rodriguez fez em "Sin City" (outra obra de Frank transportada para as telonas, e que de real mesmo só teve o elenco), reuniu atores praticamente desconhecidos do grande público norte-americano, filmou durante sessenta dias e depois ficou um ano fazendo a pós-produção, entregue às mãos de dez empresas de efeitos visuais. E alcançou um lindo resultado visual, onírico, e praticamente perfeito enquanto adaptação, dando vida a cada frame do gibi.

A princípio seria complicado alguém do público comum (aquela pessoa que busca apenas entretenimento e não é fã especificamente de HQs ou épicos) se envolver nos dias atuais com as motivações espartanas (no caso, os espartanos seriam os "bonzinhos" da trama). Em Esparta, meninos de sete anos eram obrigados a enfrentar um treino impiedoso por onze anos, longe das mães, na intenção de tornarem-se grandes guerreiros, glória maior da cidade grega - caso não fossem sacrificados por nascerem imperfeitos.

Para cativar a platéia, certas liberdades foram tomadas pelos roteiristas em "300". Paralelamente ao conflito, foi dado um tom de sacrifício ao romance entre Leônidas (Gerard Butler, de "O Fantasma da Ópera") e a Rainha Gorgo (Lena Headey, linda). Se na HQ ela aparece em poucos quadros, aqui precisa convencer os velhotes do conselho de Esparta a permitirem o envio do resto do exército para auxiliar o marido, pois estão em uma época festiva na qual guerras são proibidas.

Há uma sacada esperta com a frase "combateremos à sombra" e cenas belíssimas. Mesmo o sexo entre rei e rainha é bonito, verossímil, jamais apelativo. Noutro instante, uma bela jovem – representando um oráculo - dança, em transe, recriando o quadrinho original à risca. A atriz na verdade se encontrava em um grande tanque de água, possibilitando que sua roupa flutuasse ao redor do corpo nu. Sensacional. Todos cenários e o sangue foram produzidos em computador, num estúdio digital (algo parecido foi feito em "Capitão Sky e o Mundo do Amanhã", de Henry Conran). Nisso ajudou o desempenho do elenco, entregue a um set de filmagem vazio, num galpãozão em Montreal, apenas com um pano ao fundo, atuando quase como numa peça teatral, imaginando possíveis cenários - a única gravação externa foi a que precisou dos cavalos.

Gerald Butler encarna com perfeição o rei Leônidas, sujeito fodão de barba grande e firme, sem jamais deixar-se amolecer em momentos decisivos, porém leal e justo com os companheiros, de sensibilidade discreta, apaixonado pela esposa e filho. O papel caiu tão bem que lhe rendeu um convite para a nova versão de "Fuga de Nova York", na pele do antigo personagem interpretado por Kurt Russel, Snake Plissken.

Os outros artistas desempenham bem seus papéis. Sejam os guerreiros espartanos, todos fortões (os atores tiveram oito semanas de dietas, exercícios rigorosos de musculação e treinos de artes marciais – ganhando barrigas tanquinho de dar inveja a muito marombado), a rainha, uma companheira tão forte e durona quanto o marido, e... Rodrigo Santoro. Depois de aparecer de corpo sarado, impressionar Cameron Diaz e não abrir a boca em "As Panteras Detonando", mandar alguns "Hello Sarah" no inglês e fofo "Simplesmente Amor", o brasileiro vai galgando degraus no concorrido mercado ianque. Foi chamado para o seriado "Lost" e consegue provar seu talento no papel de um rei Xerxes de quase três metros de altura.

Se na graphic novel a figura do governante asiático amedronta e é mais insana, no filme é um ser andrógino, de corpo depilado e cheio de piercings e adereços. Mesmo com a voz alterada digitalmente (pra ficar mais grave), Santoro convence com olhares e expressões de desespero, deslumbre e ambição, salvando o personagem do ridículo - a primeira aparição do ator ocorre lá pelos 50 minutos de projeção numa carruagem ancestral dos carros alegóricos do carnaval tupiniquim.

Utilizando linguagem de videoclipe, acelerando momentos dramáticos e pausando a câmera em instantes de ação, Snyder concebeu uma obra estilizada, dando um quê de beleza à violência e tratando com igual importância tanto as cenas principais como a atuação dos coadjuvantes. O orçamento do filme foi de U$ 60 milhões, pouco para um épico, e já rendeu quase o triplo, liderando as bilheterias norte-americanas nas duas primeiras semanas de exibição. Recebeu críticas negativas por parte da imprensa gringa, por dar à guerra um ar de glorificação - diferente de, por exemplo, "Cartas de Iwo Jima" e "A Conquista da Honra", de Clint Eastwood, olhares críticos aos campos de batalha. Até taxado de fascista foi.

Não é bem assim. "300" deve ser encarado como entretenimento e só. Não há a intenção de soar realista ou fiel à história. É uma ótima adaptação dos quadrinhos, com fantástica trilha sonora de Ryler Gastes (espécie de heavy metal medieval), tecnicamente impecável (fotografia, edição de arte e figurinos excelentes) e provavelmente revolucionará o gênero épico, meio em baixa após "Alexandre", "Tróia" e "Cruzada".

Leia Também
"Sin City, A Cidade do Pecado", por Marcelo Costa e Bruno Ondei
"Capitão Sky e o Mundo de Amanhã", por Marcelo Costa
"Panteras - Detonando", por Júlia Marina
"Cartas de Iwo Jima" e "A Conquista da Honra", por Marcelo Costa
"A Cruzada", por Drex Alvarez

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