"Sin City - A Cidade do Pecado"
por
Bruno Martins Ondei
Email
29/07/05
Você não gosta de violência? Fica incomodado com membros decepados? Sente ânsia
ao ver sangue espirrando de ferimentos recém-abertos? Acha imoral atirar em
alguém desarmado e indefeso? Nudez no cinema então, nem pensar! Então não vá
assistir o novo Sin City - A Cidade do Pecado.
Sin City é violento, incômodo, estranho, imoral, nojento e escatológico. E,
por tudo isso - entre outros adjetivos - genial. Mas é preciso ter calma. O
longa dirigido por Robert Rodrigues e Frank Miller, com uma ajudinha de Quentin
Tarantino, não veio para salvar o cinema, como chegaram a alardear por aí. Nem é
um novo Pulp Fiction, como também já foi sugerido.
O filme é, com toda certeza, a mais fiel adaptação já realizada de uma história
em quadrinhos - no caso, uma série de "graffic novels" escrita e desenhada pelo
já citado Frank Miller. Quem já leu os quadrinhos vai se divertir mais? Com
certeza. Mas isso não quer dizer que aqueles que procuram uma mera diversão na
sala escura não vão encontrá-la.
Sin City é basicamente dividido em três atos. No primeiro, o brucutu Marv
(Mickey Rourke) corre atrás do assassino da única mulher que teve coragem de ir
para a cama com ele, a prostituta Goldie. No segundo, Dwight (Clive Owen) é um
detetive particular que coloca a máfia, a polícia e um grupo de prostitutas
armadas até os dentes em conflito. A última história mostra a busca de John
Hartigan (Bruce Willis) pelo homem que tentou estuprar sua protegida, a
espetacular Nancy (Jessica Alba).
O esmero artístico de Rodrigues é o principal destaque da fita. Para contar sua
história, precisamos voltar ao distante ano de 1990. Frank Miller, já consagrado
autor de HQ que havia dado ao mundo a saga que reinventou o Batman (Cavaleiro
das Trevas), tinha escrito uma história para a continuação do sucesso Robocop.
Após entregar o texto aos produtores, Miller viu sua história ser esfacelada por
eles. O resultado foi um filme sofrível, causando no escritor um trauma contra
Hollywood.
Já neste milênio, Robert Rodrigues, fã confesso da obra de Miller, resolveu
filmar Sin City. Mas faltava convencer o dono da marca. Para isso, produziu um
curta - que, aliás, abre o filme - e convenceu o ídolo a ir conferi-lo em sua
produtora, nos fundos de sua casa.
Miller, é claro, ficou impressionado com o que viu. Não só deu sinal verde para
a produção, como assumiu a cadeira de diretor, junto a Rodrigues. O curta
inicial mostrava que o cineasta estava disposto a levar às telas as HQs como
Miller as havia concebido.
Tudo está lá. Em certos momentos, a impressão é que estamos lendo quadrinhos.
Mas sem o trabalho de virar as páginas. Para conseguir seu objetivo, os diretores, agora unidos, resolveram filmar tudo
em frente a painéis verdes. Nada de locações. Exceto o bar onde Nancy dança -
que serve de ponto de intersecção entre as histórias - nada ali é real. Tudo foi
criado por computador. Isso confere ao filme uma sensação de "irrealidade" que,
se incomoda em algumas produções (né, sr. George Lucas?), casa perfeitamente com
o tom das histórias.
O incrível jogo de luz e sombras das HQs foi soberbamente captado por Rodrigues,
numa bela fotografia em preto e branco. As cores estão lá, mas apenas para
realçar alguns elementos, como belos olhos verdes, a cor do nojento "Assassino
Amarelo" e - o mais importante - o sangue.
Sangue na lente
Existem diversos níveis de violência no cinema. Kill Bill, por exemplo,
oferece um banho de sangue e membros decepados ao espectador. Mas sua violência
não chega a chocar, tão cartunesco que é o tom adotado pelo diretor Quentin
Tarantino.
Já Irreversível, por exemplo, adota um clima realista. Quando um dos
personagens desintegra a cabeça de outro com um extintor de incêndio - numa das
cenas mais discutidas do cinema recente - a sensação de incômodo é inevitável.
Sin City poderia ser colocado num meio termo. O filme não se pretende
realista, mas as cenas de violência são tão viscerais que chegam a causar certa
repulsa em quem assiste. Mas, deve-se lembrar, que o fato de ele chocar ou não
depende muito mais de quem está sentado na poltrona do que de quem senta na
cadeira de diretor.
Em certo momento do filme, o sangue que espirra chega a atingir a lente da
câmera, permanecendo nela por alguns segundos. Não se pode condenar Rodrigues pela violência de seu filme. As HQs já eram
assim. Se a idéia era transpô-las para a tela com a maior fidelidade possível,
natural que as dezenas de braços, pernas e, pasmem, órgãos genitais retirados de
seus donos viessem junto.
Canastrões
Um dos méritos de Sin City é juntar, na mesma tela, o maior número de atores
canastrões já visto no cinema. Willis, Rourke, Rutger Hauer e Brittany Murphy
são alguns deles. Mas é justamente neste grupo que está o maior destaque das
atuações do filme.
Mickey Rourke, que já foi considerado umas das grandes promessas do cinema na
década de 80, mas que andava sumidos nos últimos anos, oferece um Marv perfeito.
Sua interpretação e seu tipo físico combinam muito bem com o grotesco anti-herói
da primeira história do longa.
São deles também as maiores atrocidades vistas em Sin City. Em dado momento,
para arrancar de um rapaz informações preciosas para sua busca, leva o tal para
um passeio de carro. Detalhe: o informante vai do lado de fora, com a cara se
desmanchando no asfalto da Cidade do Pecado.
Já Bruce Willis não oferece nada muito além do que se espera dele. Pelo menos,
desta vez o astro associa seu nome a um filme de verdade e não a bombas como o
recente Refém.
Vale ainda destacar a atuação de um irreconhecível Benicio Del Toro, como o
corrupto Jack Boy. Não dá para falar muito sem tirar a graça da cena, mas seu
melhor momento é aquele dirigido por Tarantino. Fique esperto para não perder: é
a cena em que ele e Clive Owen conversam no carro.
Entre os pontos negativos, decepciona um pouco a pouca presença em cena de
Jessica Alba. Festejada como nova musa do cinema, principalmente por sua atuação
em Sin City, Alba aparece pouco e quase não mostra nada de seu corpo. Opa! Mas
agora estou deixando o marmanjo babão tomar conta dessa crítica.
Em suma: Sin City é muito legal sim! Não é a 8ª maravilha do mundo, nem é
a porcaria que muitos críticos vão falar na véspera da estréia. Rodrigues comete
pecados, mas, afinal, quem não os comete em Sin City?
"Sin
City - A Cidade do Pecado"
por
Marcelo Costa
Email
29/07/05
Quem mistura leite com manga morre. Isso não está em nenhum dicionário médico, mas a sabedoria popular aconselha a não juntar os ingredientes no estômago. Pode ser fatal. Na arte também é assim, dizem. Misturas de gêneros geralmente entornam o caldo e podem induzir a obra ao túmulo artístico. Quando se trata, então, de misturar mídias, o resultado é normalmente catastrófico, com raríssimas exceções.
De uns tempos para cá, devido principalmente a evolução tecnológica que permitiu aos estúdios maior poder de "fantasia" sobre suas histórias, as populares HQs (histórias em quadrinhos) passaram a ser fonte constante de adaptações cinematográficas. Apesar de alguns acertos (Homem Aranha, Batman Begins), ainda não dava para dizer que aquilo que se via na tela era uma história em quadrinhos. Não dava: Sin City – A Cidade do Pecado surge para mudar essa história.
Lançada em 1991, a HQ Sin City logo se tornou um clássico dos chamados quadrinhos adultos. Assinada pelo gênio Frank Miller, a história tinha como uma de suas características ser em preto e branco e raramente usar cores, além de transbordar cinismo ao retratar o mundo moderno de uma cidade do pecado, corrupta, prostituída e mal-paga.
Miller se recusava a vender a história para os estúdios de Hollywood sabendo que o cinema poderia jogar no lixo uma obra tão sensacional. Precisou que Robert Rodriguez jogasse sua carteirinha de cineasta no lixo (o diretor pediu desligamento da Director's Guild of América para incluir o nome de Miller como co-diretor no filme, já que a associação não permite a existência desta função) e, tendo Miller como braço direito, Tarantino por perto, e as próprias revistas como roteiro, transpusesse para o cinema o clima sádico e sombrio das páginas da HQ. O resultado é acachapante.
Porém, puristas acreditam que a adaptação rompe conceitos básicos tanto do cinema quanto das HQs. A ilusão de movimento típica do cinema teria achatado a estética dos quadrinhos, fixa em uma página, e, pior, teria surrupiado do público (principalmente dos leitores de HQs) a liberdade de imaginação e domínio sobre a história, já que Rodriguez – com o auxílio de Miller, é importante ressaltar – deu vida e movimentos a personagens broncos que eram desenhados em uma folha, e lá pulavam de um enquadramento para outro sem nenhuma gestualização, mas com total controle imaginativo do leitor, enquanto aqui caminham, pulam prédios, se socam e dirigem carros deixando o espectador como mero coadjuvante da história. A resposta para tudo isto está numa afirmação do próprio Rodriguez que declarou que não via Sin City como uma adaptação, mas sim como uma tradução.
Não é a mesma coisa, mas é, entende? (risos). No fundo, é algo muito mais teórico que prático, voltado para catedráticos de semiótica, cineastas e gente que manja de técnicas de produção, e não para pessoas comuns que vêem cinema como diversão e entretenimento. No fundo, são como edições remasterizadas de CDs: eu nunca consigo perceber a diferença. No caso do cinema, até entendo, respeito e valorizo regras como as do Dogma 95, porém o que importa, e sempre irá importar, é você sentado na frente da telona com cento e poucos minutos de projeção à frente. É ali que você saberá se o filme é bom ou não, independente de fatores de produção.
Dito tudo isto, vamos ao que interessa: Sin City é um filmaço. Deverá agradar fãs da série, que vão ter muito que comparar e festejar. Deve agradar a quem não gosta tanto de quadrinhos (como eu), mas que é fascinado por cinema e por histórias bem contadas. Sobretudo, vai agradar a quem gosta de cinema sujo, pervertido, sombrio e cínico.
Deixando as técnicas de filmagem de lado, o que sobra são o texto avassalador de Miller e as atuações brilhantes de uma constelação de atores broncos que parecem terem sido escolhidos a dedo pelos produtores: Bruce Willis, Mickey Rourke (em excelente atuação),
Rutger Hauer, Benicio Del Toro e Clive Owen (o "machista" de Closer – Perto Demais) transbordam truculência, que parecem ganhar contornos ainda mais broncos ao serem colocados ao lado de beldades como Jéssica Alba, Brittany Murphy, Rosario Dawson e Carla Gugino, entre outras.
A rigor, Sin City é baseado em três histórias publicadas em graphic novel: The
Hard Good-Bye, The Big Fat Kill e That Yellow Bastard. A primeira
destaca Mickey Rourke encarnando a perfeição o ex-criminoso Marv que busca se
vingar da morte de uma prostituta. A segunda foca na guerra entre policiais e
as prostitutas da Cidade Velha de Sin City, em que brilham o texto cínico de
Miller e as atuações empolgantes de Del Toro e Clive Owen. That Yellow Bastard,
a terceira história, é dividida em duas partes. Começa
focando no personagem de Bruce Willis, um detetive honesto que passa 8 anos em
cana após ser traído por seu parceiro, depois de impedir que o filho pedófilo
de um político
local "devorasse mais uma criancinha".
A seqüência da história flagra o tal bastardo amarelo na pista
da tal menininha, isso oito anos após a tentativa de estupro.
Só que agora a menininha virou um mulherão, e que mulherão (a
história dá voltas, esbarra em outros personagens, e fecha o
círculo, afinal, estamos todos na cidade do pecado) . Quem irá
salvá-la?, pergunta o leitor. E mais uma vez o policial honesto,
mas truculento, entra em cena. Essa terceira história também
registra a divertida passagem filmada por Tarantino em que Clive
Owen "conversa" com o cadáver de Benicio Del Toro.
Impagável. Robert Rodriguez compôs a trilha sonora de Kill
Bill 2 pelo preço simbólico de US$ 1. Como retribuição,
Tarantino decidiu dirigir este segmento de Sin City pela mesma
quantia. Trabalhar com o que se gosta é outra coisa, não é mesmo.
Mais do qualquer outra coisa, a versão cinematográfica de Sin City lança
luz sobre os quadrinhos clássicos de Frank Miller, que correm o risco de sair
do gueto dos fãs
de HQs para se tornarem, merecidamente, "best sellers" da literatura mundial.
Exagero? Não, e os diálogos matadores do filme estão lá para comprovar. É claro
que, esteticamente, o filme respira cinema com oxigênio de quadrinhos, mas, no
fundo, bem lá no fundinho, é cinemão blockbuster. Porém, diferente do excelente Batman
Begins, em que o Christopher Nolan quis dar ao homem-morcego o tom mais humano
possível, em Sin City, Robert Rodriguez simplesmente jogou os quadrinhos
na tela de cinema. E deu movimentos para a história. A mistura, que poderia soar
tremendamente indigesta, se tornou um dos grandes filmes de 2005. Afinal, suco
de manga com leite tem um gosto ótimo. Às vezes vale a pena arriscar.
Site Oficial Sin City
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