Cavaleiro
das Trevas 2
por
Diego Fernandes
Imagem: Batman Ano 1 - Reprodução/Divulgação
d13g0_freejazz@yahoo.com.br
27/09/2002
"O
maior problema para os quadrinhos ganharem status de arte respeitável
é que uma coisa como Cavaleiro Das Trevas [a série
original] é sempre citada como uma boa história
em quadrinhos, e aí o sujeito lê e não passa
de uma coisa estúpida, um cara com uma metralhadora que
parece saído de Desejo de Matar IV."
Dan Clowes, conceituado cartunista americano
Para os novos leitores de histórias em quadrinhos que
agora tomam contato com o trabalho de Frank Miller através
da equivocada mini-série Batman – O Cavaleiro Das
Trevas 2, empurrados por uma invejável estratégia
de marketing da Editora Abril/DC Comics, vai se cristalizar
a impressão de que gibi de super-herói é
coisa de fedelhos onanistas. E é mesmo. Só que
é interessante observar que nem sempre foi assim.
Aproveitando a ocasião deste lançamento, a Abril
oportunamente pôs novamente nas bancas duas pedras angulares
na mitologia do personagem: Batman – O Cavaleiro Das Trevas
(a série original) e Batman: Ano Um, ambas escritas
por Miller. Atualmente, o escritor trabalha em conjunto com
Darren Aronofsky, (o conceituado diretor de Réquiem
Para Um Sonho e pi)
na confecção de um roteiro cinematográfico
para Ano Um, a ser rodado por Aronofsky no ano que vem.
Os fãs de HQs estão compreensivelmente roendo
as unhas diante da dúvida: após quatro filmes
frustrantes (ao menos para os fãs do personagem), finalmente
será entregue ao mundo uma obra digna do mito que representa
o homem-morcego (longe da bizarrice vazia de Tim Burton e do
desvairo carnavalesco de Joel Schumacher), ou veremos Miller
novamente repetir um fiasco do porte de suas colaborações
com roteiros anteriores (a saber: Robocop 2 e 3), arrastando
tanto o morcego quanto Aronofsky para a lama?
MERGULHO NAS TREVAS
Frank Miller é o cara – ou pelo menos já foi.
O escritor e desenhista californiano é responsável
por uma das mais importantes histórias em quadrinhos
de todos os tempos, Batman - O Cavaleiro Das Trevas,
que, juntamente com Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons,
remodelaram os quadrinhos de super-heróis na década
de 80, injetando numa mídia usualmente escapista e assexuada
uma carga nunca antes vista de ironia, sadismo, sensualidade
e paranóia política.
Ok, isso é história velha. Mas vale lembrar: enquanto
Moore criou personagens próprios para encenar sua obra-prima,
Miller utilizou O personagem quando o assunto é cultura
pop, realizando uma obra, que, embora menos bem-resolvida, é
infinitamente mais ousada em seu contexto. É estupidez
discutir qual das duas tem maior relevância no panorama
subseqüente na cultura mundial – as marcas deixadas por
Cavaleiro Das Trevas são obviamente mais fáceis
de serem detectadas, mas as de Watchmen são indiscutivelmente
mais profundas. As duas obras tiveram efeito devastador no panorama
cultural norte-americano e mundial, influenciando, além
das gerações subseqüentes de quadrinistas
que surgiria, um grande número de cineastas, escritores
e pensadores em geral. (Ironia: incorporando recursos nitidamente
cinematográficos aos quadrinhos, Miller acabou por influenciar
justamente o meio que o abasteceu de idéias.) É
virtualmente inevitável que algum dia Cavaleiro
e Watchmen sejam lembradas como exemplares sólidos
dos mitos de nosso tempo, como foram em outras épocas
as histórias de Alexandre Dumas e dos Irmãos Grimm,
por exemplo. Mas voltemos ao morcego.
São quatro as obras consideradas definitivas envolvendo
o personagem: Asilo Arkham, de Grant Morrison e Dave
McKean, A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland
(que possui o melhor final jamais concebido para uma história
em quadrinhos), e as já citadas Cavaleiro Das Trevas,
criação de Miller, e Ano Um, de Miller
e David Mazzucchelli. Todas essas obras surgiram dentro do movimento
batizado de "revisionista" na década de 80, perpetrado
em sua maioria por autores ingleses (e que tem como marco-zero
a reformulação feita por Moore para Miracleman,
um personagem britânico de quinta categoria que rendeu
histórias brilhantes). Posteriormente (já na década
de 90) surgiu outra obra que eu incluiria facilmente no mesmo
rol de histórias definitivas: Veneno, de Denny
O’nneil e Trevor Von Eeden (O’nneil é um dos grandes
autores injustiçados na mitologia do Batman). Todas esses
arcos de histórias têm em comum o fato de apresentarem
uma abordagem até então inusitada e corajosa a
respeito do personagem: Batman nunca é mostrado como
alguém com controle pleno de suas faculdades mentais.
Os autores destas obras perceberam que, se um sujeito chega
ao ponto de vestir um uniforme de morcego colante que deixa
as cuecas à mostra, tudo isso devido ao fato de que seus
pais foram brutalmente assassinados na sua frente, bom, o cara
não pode ser lá muito normal.
Pensem nisso. Você tem oito anos de idade, seus pais são
abatidos a tiros na sua frente, e então, fazendo uso
da fortuna herdada, você sai mundo afora durante aproximadamente
dezoito anos, aprendendo artes marciais e medicinais, agregando
inúmeros conhecimentos científicos e criminais,
e então resolve voltar para sua cidade natal, passa a
se vestir feito um morcego, monta um QG numa caverna, é
tutelado por um mordomo que parece uma bicha aristocrática
e arranja um sidekick adolescente que usa um uniforme que deixa
as coxas à mostra e solta bordões infames o tempo
inteiro. Não, isso não pode ser muito saudável
para ninguém.
Batman deixou de ser um personagem estritamente infantil, o
que pode ter sido muito bem uma idéia brilhante por parte
da DC Comics: somos crianças por um curto período
da vida, e adultos certamente têm maior poder aquisitivo,
pode apostar. Além disso, na década de 80 começou
a se esboçar uma tendência que se consolidaria
nos anos 90: a evasão dos gibis por parte das crianças
em favor do vídeo-game e do computador. Os roteiristas
destas obras erodiram qualquer resquício do verniz camp
que estigmatizava o personagem desde a caluniosa série
televisiva dos anos 60 (SOC! POW!), erigindo uma nova mitologia
em torno do personagem: gótica, conflituosa, cerebral
e muito, muito fora da casinha.
AÇÃO POLÍTICA E SEXO
Frank Miller foi o autor que apresentou a abordagem mais controversa
do personagem, essencialmente porque sua visão inclui
uma generosa dose de comentário político, por
vezes considerada paradoxal. Exemplo: tanto em Cavaleiro
Das Trevas quanto em Ano Um, o morcego luta abertamente
contra noções arquetípicas do MAL. Em Ano
Um, a corrupção policial institucionalizada
em Gotham é o principal alvo, enquanto em Cavaleiro,
o range é maior – o fascismo, em toda sua magnitude,
representado na figura outrora fulgurante e agora opaca do escoteiro-mor
(Super-Homem) e na parodiesca representação do
presidente dos EUA (um rascunho de Ronald Reagan). Entretanto,
se analisado em perspectiva, esse embate causa certo desconforto,
principalmente devido ao fato do Batman se valer de táticas
claramente reacionárias para incutir terror sobre seus
oponentes. Como a sensação decorrente de assistir
Clube
Da Luta: a certa altura, Tyler Durden e seus correligionários
supostamente anarquistas acabam por se tornar uma organização
neo-fascista de caráter dúbio - o antídoto
é uma nova e brutal forma de veneno. O repertório
de Batman não possui muitas variáveis: aterroriza
os criminosos até que eles praticamente se caguem nas
calças – ou então os espanca. Não há
redenção ou reabilitação, apenas
expurgo e catarse. Mesmo depois do desenrolar de cerca de duzentas
páginas de história, é impossível
chegar a uma conclusão definitiva: a real intenção
de Miller era colocar esse conflito em discussão ou fazer
uma apologia irrestrita a regimes direitistas?
Política à parte, a visão de Miller à
cerca do mito do Batman deve muito aos procedimentos cinemáticos
de Martin Scorcese (em especial, ao filme Taxi Driver).
Gotham City é uma megalópole abarrotada de sordidez
e corrupção, tal qual a Nova York de Scorcese,
e isso acaba por ter um efeito devastador sobre o protagonista.
A cidade é tratada como um ecossistema rico em degradação
moral e infortúnios diversos, um purgatório que
não necessariamente antecede o paraíso. Os monólogos
alienados beirando a esquizofrenia do Batman têm parentesco
direto com o taxista paranóico encarnado por Robert DeNiro
em Taxi Driver.
Outro aspecto interessante de observar é o enfoque dado
em Cavaleiro à aura homoerótica que envolve
o personagem desde seus primórdios – aqui representada
principalmente na lasciva figura do Coringa. A relação
entre os dois antagonistas é levada às últimas
conseqüências, e o confronto final entre os dois
dá margem a interpretações. Batman quebra
o pescoço do criminoso mas reluta em matá-lo:
seria essa uma metáfora para a incapacidade (e a negação
definitiva) de lidar com sua opção sexual? Em
outra cena da série, Batman beija a Mulher-Gato de maneira
aparentemente forçosa e condescendente, aja vista que
ela havia sido torturada pelo próprio Coringa. Antes
ainda, é mostrado um recado deixado na secretária
eletrônica de Bruce Wayne em que Selina Kyle (a Mulher-Gato)
avisava estar se sentindo só. Eu pergunto: por que diabos
o morcegão não respondia? Isso pode soar patético,
mas Miller parecia saber o que estava fazendo, e deixou ainda
mais pistas espalhadas de maneira aparentemente aleatória.
Em Ano Um, Wayne aparece como um canastrão assexuado
que se vale da boataria que a mídia cria em torno de
sua condição de playboy para criar um álibi
que encubra suas ações como justiceiro. Vale ressaltar
que 1) na única cena em que aparece acompanhado de uma
mulher, trata-se claramente de um engodo para dissuadir o Comissário
Gordon e 2) nas duas seqüências em que se encontra
com a Mulher-Gato, ou a espanca, ou foge amedrontado. É
importante lembrar que Miller é o mesmo autor que transformou
as histórias do Demolidor em um caldeirão de sensualidade
(sobretudo no soberbo graphic album Elektra Vive, onde foi pioneiro
ao introduzir uma cena de nu frontal nos quadrinhos mainstream
de super-herói), de modo que não seria exagero
dizer que sua visão do Batman apresenta um verniz nitidamente
gay.
Em Cavaleiro Das Trevas, cuja história é
ambientada num possível futuro, Batman é um herói
de meia-idade, amargo e aposentado há dez anos – embora
logo torne-se novamente um monolito em busca de vingança,
uma força da natureza irrefreável e envolvida
em uma missão sagrada: colocar Gotham (e o mundo) nos
trilhos novamente. Numa sociedade dominada por ultra-violência,
imprensa marrom e talk-shows bizarros, Batman atua como uma
espécie de maestro do caos, catalisando uma série
de eventos que podem mudar o arranjo sócio-político
mundial. Nem mesmo o colosso alienígena do Super-Homem
é páreo para o pensamento agudo e proselitista
do morcego.
Em Ano Um, que retrata os primórdios do personagem,
o enfoque recai sobre um sujeito que se veste de morcego e que
se atrapalha até mesmo ao impedir que ladrões
pés-de-chinelo saqueiem um apartamento. Ainda que Miller
aborde o personagem de maneira diametralmente oposta em suas
duas obras, o centro moral (?) do personagem permanece o mesmo.
Nas duas mini-séries, Batman é um lunático
que observa o mundo através de um prisma que biparte
a tudo em preto e branco, mau e bom, sem qualquer espaço
para a mediocridade entre os dois pólos. Vale ressaltar
que isso também é ser reacionário – ou
um esquerdista extremo. Ah, política. Extremismo na verdade
não possui muitos fatores diferenciais, e fanatismo certamente
não possui ângulos aceitáveis, seja ele
de direita ou de esquerda. Embora os bons personagens em geral
estejam isentos de julgamentos morais, o Batman sob a ótica
de Miller é uma experiência radical, e supostamente
não deveria estar num gibi comprado em sua maioria por
crianças e pré-adolescentes. Ainda que seus trabalhos
com o personagem tenham orientação claramente
adulta, o autor tem uma política irredutível quando
se trata de rotular seus trabalhos: nada de classificação
etária na capa das revistas. Isso pode ser indicativo
de alguma coisa – ou não.
TOSQUEIRA VERSUS GRAÇA
Bem, dane-se. As duas obras são exemplos de narrativa
e storytelling que possuem pouquíssimos paralelos na
história das HQs. Mesmo os aspectos mais inusitados e
experimentais de Cavaleiro Das Trevas já foram
copiados e reciclados TANTAS vezes após seu lançamento
que é difícil mesurar com precisão o que
representou em sua época.
Fragmentos e blocos esparsos de ação são
apresentados de maneira desconexa, revelando sentido mais adiante
e conferindo à história uma complexidade ímpar.
O desenhos toscos de Miller (apropriadamente acabados pela pena
nervosa do alemão Klaus Janson e coloridos pelas aquarelas
de Lynn Varley, esposa de Miller) mostra uma regressão
no decorrer da série, tornando-se mais primitivos e desgastados
nos últimos capítulos, sendo que as matizes cromáticas
acompanham essa alteração. O aspecto narrativo
da série é primoroso. Como já foi dito
inúmeras vezes, Gotham City é o verdadeiro coadjuvante
na história, e não Alfred, o Super-Homem ou a
nova Robin. A cidade é um taxista (óbvio), uma
prostituta, um lunático, marginais, mães de família,
pugilistas, padres, derrotados que arrastam os pés pelas
calçadas pútridas e decadentes. Através
disso se revela o que há de mais desconcertante no perfil
milleriano do personagem: fica claro que Batman não faz
o que faz por nenhum deles -- apenas tenta debelar o demônio
interno, com resultados variáveis. E esse é um
dos aspectos psicológicos que considero irretocáveis
na obra.
Outro aspecto inovador foi o uso de representações
da mídia como fio condutor da narrativa – representada
em inúmeros boxes onde apresentadores de telejornais
fazem comentários por vezes boçais que complementam
a ação de modo perfeito. A arte de Miller possui
várias inconsistências: deformações
anatômicas, erros de perspectiva, cenários pobres.
Tudo passa batido ante a narrativa perfeita da série,
o que situa a obra como um grande triunfo do intento sobre a
técnica. Mais ou menos como ouvir um bom disco do Bob
Dylan: o conceito importa mais do que a estética da coisa
em si. Antes de Cavaleiro Das Trevas, os quadrinhos representavam
um meio de expressão de uma auto-suficiência sufocante,
em geral esquematizado no binômio belas ilustrações
+ roteiros tenebrosos. Miller mudou isso – e o fez em grande
estilo: Cavaleiro chegou a ser capa da Rolling Stone.
Já em Ano Um, a arte fica inteiramente a cargo
de um pequeno grande deus da arte seqüencial que, após
o término da série, resolveu abrir mão
das benesses oferecidas pelos quadrinhos mainstream em nome
de maior liberdade criativa (e também para poder tocar
em sua banda de jazz): David Mazzucchelli. Nas HQs atuais, ninguém
é páreo para a energia bruta manipulada por sua
pena. Após trabalhar com Miller na aclamada seqüência
de histórias conhecida como A Queda De Murdock,
na revista do Demolidor (ainda na Marvel), Mazzucchelli pareceu
a escolha lógica para a empreitada que seria Ano Um.
Seu traço simples e evocativo, embebido de estética
européia, casou perfeitamente com o estilo realista e
incisivo da série - cada pequeno borrão de nankim
é funcional e belo dentro de sua estética. Seu
uso criativo de alto-contraste e silhuetas foi copiado por um
sem-número de desenhistas, que nunca chegaram ao mesmo
grau de refinamento (até mesmo Miller se apropriou de
muitas de suas técnicas visuais, sobretudo no volume-piloto
de Sin City).
Enquanto a narrativa de Cavaleiro Das Trevas é
entrecortada e grandiosa, em Ano Um Miller opta por uma
trama linear e de minimalismo claramente noir. Particularmente,
consigo imaginar a história transposta para a telona
com Guy Pearce no papel do frio Bruce Wayne, Sean Penn ou mesmo
Bruce Willis no papel do Comissário Gordon e Clöe
Sevigny no papel da Mulher-Gato – para completar, a direção
de Aronofsky coroando tudo com brilhantismo.
Apesar da estrutura convencional, Ano Um ainda é
Miller em sua melhor forma: diálogos ferinos influenciados
por Dashiel Hammet, monólogos assustadores e definição
psicológica perfeita em cada um dos personagens. A Mulher-Gato
é retratada de maneira tão inusitada quanto degradante,
no papel de uma sórdida prostituta da boca-do-lixo de
Gotham. Certas seqüências de ação (como
aquela em que Batman e o Comissário Gordon tentam simultanemente
salvar uma mulher de ser atropelada) poderiam resultar completamente
inverossímeis se feitas pelas mãos de outros artistas,
mas no traço de Mazzucchelli a cena transcorre com uma
beleza sufocante que parece planar milímetros acima do
papel. O visual que Mazzucchelli confere ao Comissário
Gordon (que, graças a Miller, tem grande destaque na
série, se fazendo notar como o contraponto humano ao
heroísmo incorpóreo do Batman) é de uma
veracidade impressionante. Coisa de gênio mesmo.
O RESTOLHO
Cavaleiro Das Trevas 2 é uma obra indigna de sua
atenção ou dinheiro. Frank Miller já parecia
perdido em seus trabalhos recentes, como na série autoral
Sin City, que, descontadas as duas primeiras seqüências
de histórias, mostra Miller apresentando contos policiais
com o mesmo apuro narrativo de um gibi da Image Comics (houve
um aceno rumo à redenção com a mini-série
Os 300 De Esparta, mas foi só um aceno mesmo), e o estardalhaço
em torno do lançamento de DK2 denota um esforço
planejado pelo editor Bob Schreck para mascarar o trabalho pífio
que é a série. O traço de Miller degenerou
a um dado grau que torna sua narrativa praticamente insustentável.
Cenários praticamente inexistem, e, abrindo mão
de um arte-finalista competente, seu estilo se vê submerso
em horríveis spots de nankim desleixado. A colorização
de Lynn Varley (pela primeira vez fazendo uso do computador
na tarefa) parece uma brincadeira de mau gosto. Isso sem contar
as inúmeras splash pages gratuitas que parecem ter como
única função somar páginas aos gibis.
E tem também o fator 'história'. Miller abre mão
do caráter psicológico que foi o que colocou a
primeira série entre as grandes obras da literatura contemporânea
para dar destaque a suas idéias políticas, e no
processo dilui vários dos conceitos pioneiros contidos
na série original, arranhando sua reputação
e também a dos quadrinhos que arduamente ajudou a elevar
à condição de arte respeitável.
Pra começo de história, o foco recai majoritariamente
sobre o Super-Homem e os membros da antiga Liga Da Justiça,
o que lança no ar um forte cheiro de picaretagem ao batizar
a obra como continuação da série original.
Miller se utiliza dos mesmíssimos recursos narrativos
de Cavaleiro Das Trevas, mas o enfoque infantilóide
dado aos personagens enfraquece qualquer pretenso comentário
político na história. A ação está
sempre em primeiro plano, e Miller põe em cena personagens
ridículos que em primeiro lugar não deveriam nem
ter sido criados (como o Homem-Borracha e o Homem-Elástico,
só para citar dois dos piores). A impressão é
de se estar diante de uma daquelas horríveis histórias
do Super-Homem produzidas entre as décadas de 70 e 80.
Há ainda citações desnecessárias
e deslocadas de filmes noir (como a cena em que Ajax é
morto nas docas). O autor parece estar se voltando contra sua
própria compleição, disposto a provar algum
tipo de tese – talvez a de que leitores de HQs são imbecis
que não sabem distinguir uma grande obra de uma caça-níqueis
medíocre.
Logo após os atentados terroristas de 11 de setembro
e 2001, Frank Miller declarou que não alteraria os rumos
dados à mini-série – sobretudo no que dissesse
respeito à política ianque. Contudo, boatos na
web dão conta de que o terceiro e último volume
da série não verá a luz do dia antes de
novembro de 2002, porque Miller está ESCREVENDO e DESENHANDO
um novo e mais aprazível final da série. Pragmatismo
– quem consegue sustentá-lo por muito tempo? Tsc.
Na verdade, é bastante simples: faça uso da cartilha
panfletária de Miller e boicote Cavaleiro Das Trevas
2, como se erguesse um punho cerrado no ar – simplesmente não
compre, no espírito da saudação à
la Panteras Negras na capa do número um da mini-série.
Soc! POW!
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