textos por Marcelo Costa
Selton no Sesc Pompeia (01/06)
A história da Selton é tão genial quanto surreal: um grupo de gaúchos tocando em ruas de Barcelona é convidado a ir para a Itália, grava um disco (em italiano!) em Milão com versões do Tom Zé local (Enzo Jannacci) e… faz sucesso a ponto de disputar espaço no cenário musical da terra de Rita Pavone (parte dessa história foi contada numa mesa de bar para o Scream & Yell, e atualizada numa reportagem de Bruno Capelas para a revista piauí). Pouco mais de 15 anos de estrada depois (na Europa!), o tesão de tocar ao vivo parece o de quem está fazendo os primeiros shows. Isso ficou nítido na apresentação da Selton na choperia do Sesc Pompeia, parte de uma programação especial produzida pelo Instituto Italiano de Cultura de São Paulo para celebrar os 150 anos da imigração italiana no Brasil. O trio original Ramiro Levy (guitarra e violão), Daniel Plentz (bateria e guitarra) e Dudu Stein (baixo) surgiu acompanhado da(s italianas) baterista Julie Ant e de Lamo nos teclados abrindo a festa com “Sangue Latino” cantada em italiano, versão (com feat de Ney Matogrosso) que também abre o novo disco dos caras, “Gringo Vol. 1” (2024), representado ainda pelas três canções seguintes do show, a deliciosa “Fatal” mais as ótimas “Café Pra Dois” e “Mezzo Mezzo”, músicas que mostram uma banda segura de si e, ao menos no palco, cada vez mais brasiliana, o que não deixa de ser curioso, afinal “Gringo Vol. 1” é um disco de cidadãos do mundo, cantado em diversas línguas e com as influências mais variadas, mas que, transposto ao vivo, ganha uma energia meio cool e insuspeitavelmente deliciosamente cafona a lá Peppino di Capri, colocando um sorriso no rosto do público, que canta “Estate” e o hit “Voglia di infinito” de olhos fechados, grita gargalhando o refrão de “Cuoricinici” e se emociona com o hino “Qui Nem Jiló”. Entre os pontos altos as impagáveis “Pasolini” e “Karma Sutra” (o álbum “Benvenuti” – destrinchado aqui faixa a faixa – merece atenção) mais “Piccola Sbronza” (versão italiana de “Drunken Sunshine”, presente no discaço “Saudade”, de 2013), uma música inédita (“Ziquezira”) inspirada na tragédia gaúcha e a emocional “Eu Nasci No Meio De um Monte de Gente”, que encerrou uma noite leve e deliciosa como champagne. Que o próximo encontro não demore tanto!
Interpol na Audio (07/06)
“É bom ver o grupo em paz com seu próprio legado, tendo superado o fantasma da promessa não cumprida. Eles não se transformaram na grande banda de seu tempo… mas as canções sempre estarão lá”, definiu sabiamente o amigo Marco Antonio Barbosa ao escrever sobre o show do Interpol no Rio de Janeiro, um dia antes. Com repertório dedicado aos dois discos que realmente valem a pena em sua discografia (“Turn on the Bright Lights” e “Antics”, de 2002 e 2004), o grupo de Paul Banks, Daniel Kessler e Sam Fogarino baixou em São Paulo para uma noite catártica diante de uma Áudio absolutamente tomada (mais cheio que isso só o show da Banda do Mar, um dos recordes de público do espaço) decidida a cantar, chorar e se emocionar. A voz de Banks, numa mixagem mais baixa que a dos instrumentos, ajudou a deixar o público ainda mais à vontade para cantar junto até ficar rouco, e a execução, excelente, tornou o show um karaokê rock and roll como há muito tempo não se via em São Paulo. Tudo isso é novidade? Não. Corta para 21 anos atrás: “Se em termos de originalidade a banda deva um bocado no cartório pop, o quarteto estudou direitinho seus objetivos. O instrumental é pesado, gélido, rock. O vocal emociona. Os arranjos matam a pau”. A questão toda é que eles nunca foram um milímetro sequer originais, e quando tentaram sair da sombra das bandas que copiavam, se afundaram num lodo profundo (você também é um sobrevivente do show deles no Playcenter? Aquilo ali foi criminoso!). O fato de entrarem tão cedo de cabeça nas turnês revisionistas tocando os dois discos em que melhor conseguiram criar novas canções de outras bandas (hoje a IA iria ajudá-los tanto…) os aproxima de um zilhão inescrupuloso de bandas covers que estão aí para satisfazerem a nostalgia dos fãs enquanto juntam trocados para tirar a conta bancária do vermelho (os boletos chegam para todo mundo), afinal ninguém está criando nada realmente novo e artístico, é tudo… repetição. Alguém se importa? Não. E por que deveria? Originalidade na música pop é um assunto que não interessa a quase ninguém. Dito isso, o Interpol fez um dos grandes shows do ano no Brasil. O fato de não ter sido de 1979, 1980 ou 1981, mas sim 2024, porém, faz toda diferença…
Wry no Fenda 315 (08/06)
A segunda festa em comemoração aos 60 anos do jornalista Fabio Massari em 2024, promovida pela Editora Terreno Estranho, ocupou o charmoso Espaço Fenda 315, no bairro das Perdizes, em São Paulo. Se na primeira, realizada em março no FFFront, a data coincidiu com o Lollapalooza (o que não afugentou o público, que lotou o local), agora a “concorrência” era com Interpol na Audio e New Model Army no Carioca Club (Leonardo Vinhas contou do segundo show aqui), mas, ainda assim, um número enorme de amigos bateu ponto na esquina da rua Candido Espinheira com a Traipu para abraçar o “Reverendo”, prestigiar o pré-lançamento do novo livro da editora, “Good Pop, Bad Pop, Um Inventário”, de Jarvis Cocker, e assistir as bandas Skydown e Wry. Compromissos pessoais me custaram o primeiro show, mas todo mundo no lugar rendeu elogios à Skydown. Na sequência, os sorocabanos da Wry começaram seu set com “Travel”, do ótimo “Noites Infinitas” (2020), e de pronto já foi possível perceber o cuidado com o som da casa (que, durante o dia, abriga a loja Sabot): guitarras soando impecavelmente altas e ásperas, baixo marcante, bateria na cara e a voz nítida e perfeita. Muitas bandas conseguem fazer um bom show em situações deficientes, mas se você quer realmente saber se a banda é boa, dê um som impecável para ela e espere a mágica acontecer. No caso da Wry, o currículo garantiria aprovação imediata, mas que tesão ver os caras tocando de frente para o público e com um som fodidamente bom. Com a primeira parte da noite dedicada a material mais recente (“Uma Pessoa Comum”, “Morreu a Esperança”, “Sem Medo de Mudar”), o show foi praticamente dividido em dois quando o vocalista Mario fez uma pausa de 4 minutos para relembrar que Massari entrevistou a banda em seu segundo show oficial, no festival Juntatribo, em um distante 1994 (!), e agradecer ao Reverendo por tantos anos devotados à cultura pop. O clima de festa rock and roll seguiu com “Sister”, “In the Hell of My Head” e “Disorder”, e presenteou os fãs mais antigos com “Redshoes” e “Jesus Beggar” numa daquelas noites que justificam o prazer de ouvir uma banda impecável matando a pau ao vivo num local especialíssimo. Viva Massari, viva o Wry e viva o Fenda 315 (fique de olho na agenda deles).
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.