texto por Luciano Ferreira
“Proper Smoker”, Blunt Bangs (Ernest Jenning Record Co.)
Difícil assistir ao lyric video de “She’s Gone” (no fim da página), faixa de abertura de “Proper Smoker”, álbum de estreia do combo Blunt Bangs (um tipo de franja despojada), e não se encantar com a homenagem prestada a vários ícones da música norte-americana dos anos 90, referenciados através da capa de seus álbuns, de The Replacements a Nirvana, passando por Sonic Youth e Weezer. Formado por membros de bandas diversas, o power-trio atualmente sediado em Athens, terra do R.E.M. – lançou um álbum de estreia que deve agradar em cheio a fãs de power pop e também da música alternativa feita no início dos anos 90, em conexão com nomes como Teenage Fanclub e Gumball, e misturando distorções e feedbacks com belas harmonias vocais em canções ganchudas, logo não estranhe se encontrar também algo de Superchunk ou Lemonheads. “A banda me dá a oportunidade de tocar com meus amigos a música que eu amaria ouvir. Fizemos o disco que gostaríamos de escutar”, afirma o baterista Cash Carter (Tracy Shedd, The Cadets), que tem ao seu lado no time o guitarrista e vocalista Reggie Youngblood (Black Kids) e também Christian “Smokey” DeRoeck (Woods, Deep State, Meneguar, Little Gold), também vocalista e guitarrista. Com tantas referências, pode até parecer que não há muito que se encontrar no trabalho dos caras, pelo contrário, o álbum é redondinho da primeira a última faixa em seus 30 minutos, com destaque (claro!) para a ótima “She’s Gone”, mas guardando outros momentos de deleite como as vibrantes “Decide” e “Silence is Golden“, dois dos singles do álbum que também ganharam clipes. Dito isto, é difícil não se contagiar com a estreia do trio, que ainda comove com a quase balada “Sick Moves” e convida para um stage divng “Eau Caroline”.
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“Pain Olympics”, Crack Cloud (Meat Machine)
Oriundos das mesmas terras geladas do hemisfério norte de onde saiu a banda de Régine Chassagne e Win Butler, o coletivo (como preferem ser chamados) Crack Cloud (“nuvem de crack”) é mais que uma banda, é uma comunidade de apoio a viciados em drogas que desejam se recuperar. O grupo não tem uma formação rígida, há sempre integrantes entrando e saindo a todo instante. No percurso discográfico iniciado em 2016, lançaram dois EP’s e em 2020 o surpreendentemente bom álbum “Pain Olympics”, composto por oito faixas carregadas de energia e conexões com bandas como Gang of Four e Talking Heads, mas não só isso. Despreocupados com citações ou referências, as tags usadas em sua página no Bandcamp trazem apenas as palavras “world”, “outlaw” e “Vancouver”. Em entrevista, o vocalista e baterista Zach Choy tenta esclarecer as ideias que permeiam o trabalho do coletivo, afirmando que não são uma banda: “A música é apenas uma coisa neste momento…’Pain Olympics’ é nosso primeiro passo neste mundo onde estamos realmente tentando nos tornar mais multimídia em nossa expressão e você verá isso nos próximos um ou dois anos; vamos continuar e a música será apenas o esqueleto para a imagem maior”, e conclui: “Acho que foi importante para nós sermos transparentes sobre de onde viemos, como viciados e como pessoas com histórias de destruição”. Algumas dessas histórias são contadas nas letras de Choy. O próprio título do álbum, “Olímpiadas da Dor”, já fornece uma antevisão das propostas do grupo que tem na música não só uma válvula de escape como também um veículo para a divulgação do trabalho social desenvolvido pelo coletivo. O bom disso tudo é que a música que Choy e seus companheiros constrói tem qualidades e, apesar das referências, busca encontrar seu próprio brilho. Crack Cloud usa a arte como terapia criativa e forma de expurgar os demônios interiores.
Ouça: Spotify, Bandcamp, Youtube
“Moondial FM”, Electric Lo Fi Seresta (Midsummer Madness Records)
Pouco menos de um ano após o lançamento de “Songs From The Hypnagogic Cave” (2020) e o Electric Lo Fi Seresta, banda de um homem só/projeto solo de Guilherme Almeida, guitarrista da banda carioca The John Candy, está de volta com um novo álbum na praça, “Moondial FM”, o quinto da carreira. O novo trabalho traz 11 faixas, todas compostas e executadas pelo próprio Guilherme, onde desfila aquela sonoridade lo-fi peculiar do projeto, só que agora com a adição de bateria, baixo e teclado. As distorções que sempre davam as caras e as ambientações mais densas estão aqui mais contidas, cedendo lugar a arranjos de tendência mais melódica, com as múltiplas sonoridades dos anos 80 surgindo em momentos diversos. É possível encontrar influências de bandas como New Order na melódica “Don´t Be So Cruel, Pantagruel”, com guitarras límpidas e uma linha de baixo ao melhor estilo Peter Hook, e também em “At Twenty-Two”. Há também no novo trabalho muito de jangle pop nos dedilhados melódicos e guitarras “cristalinas”, criando canções de clima ensolarado. Tendo o rádio e as estações como tema presente em algumas faixas, não dá pra dizer que é um álbum conceitual em sua totalidade. A noite e seus elementos, por exemplo, é um tema que surge em várias das letras, que carregam uma mistura de saudosismo, melancolia e solidão, sentimentos amplificados pelo isolamento provocado pela pandemia, como na letra de “A Light That Never Changes”, talvez a faixa mais “suja” do disco: “This town is so quiet tonight / But people are going range / And so long, so long we find / A light that never changes”. Gravado durante o período de isolamento, “Moondial FM” soa, como todos os trabalhos de Guilherme sob a alcunha de Electric Lo Fi Seresta, despretensioso em sua proposta de não se pretender ser grande, mas grandioso dentro desse universo de canções simples, diretas e carregadas de emoções e experimentações, vide a instrumental “Turning Off Transmitters”, que se assemelha a uma rádio mal sintonizada tocando uma canção cheia de reverberações sob interferência de uma outra.
Ouça: Spotify, Bandcamp, Youtube
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.