entrevista por Luiz Mazetto
Com uma trajetória iniciada há mais de 40 anos, o Redd Kross talvez seja uma das bandas mais subestimadas e difíceis de definir da história do rock. Criado no final dos anos 1970, quando os irmãos Steven (baixo/voz) e Jeff McDonald (guitarra/voz) tinham apenas 12 e 16 anos de idade, respectivamente, o grupo é dono de uma discografia bastante rica e variada, já tendo sido colocada em diversos gêneros e “cenas” nas últimas décadas.
Ao longo de uma dezena de discos, entre fulls e EPs (o mais recente, “Beyond the Door“, saiu em 2019), o Redd Kross mostra uma infinidade de versões da mesma banda, que pode ir do punk ao rock psicodélico, passando pelo rock alternativo e outros subgêneros. Um ponto sempre presente na carreira da banda, além da presença dos irmãos McDonald, é a influência latente da música feita nos anos 1960 e 1970 – que é celebrada no disco de covers “Teen Babes From Monsanto” (1984), com versões inspiradas de músicas do Kiss, David Bowie, Rolling Stones, The Shangri-las e Stooges, entre outros.
Na entrevista abaixo, o gente finíssima Steven McDonald, cujo currículo também inclui bandas como Melvins e OFF! (e White Stripes… mais ou menos, já que Steven, na brincadeira, colocou baixo em todas as canções do disco “White Blood Cells” em 2002 e a versão “Redd Blood Cells” – aprovada por Jack White – teve mais de 60 mil downloads oficiais), fala sobre o legado e o futuro do Redd Kross, lembra o convívio com Raymond Pettibon quando ainda era um adolescente, como foi ter um disco produzido pelo ídolo Tommy Ramone, como conheceu (e tocou com) Os Mutantes e lamenta pela turnê brasileira com os Ramones que nunca aconteceu. Confira!
Como tem sido esse último ano para você com a pandemia e tudo mais? Antes disso, você estava fazendo muitas turnês, certo?
Sim, estava fazendo muitas turnês. Esse foi um ano decepcionante para o Redd Kross em especial porque tínhamos muitas coisas planejadas para 2020. Mas, no fim das contas, está tudo bem. Não era nada que não pudesse esperar. Era algo que estávamos planejando há algum tempo. O Redd Kross lançou um disco novo em 2019 e fizemos uma turnê abrindo para o Melvins, em que eu também toco, e isso foi muito divertido. Em 2020, faríamos muitos shows como headliners, iríamos para a Europa como headliners pela primeira vez desde os anos 1990, e faríamos uma grande turnê nos EUA. Também estávamos abertos a outros países que tivessem interesse em nossos shows. Essa seria a primeira vez que o Redd Kross seria a minha banda principal para shows desde 1997. Nós sempre fizemos turnês, é que sempre foram tipo duas semanas aqui, uma semana ali. Dessa vez, seria algo maior. E nós também iríamos… nós lançamos “Beyond the Door” em 2019, soltamos três reedições em 2020. E tinha muitas coisas planejadas, estão fazendo um documentário sobre a gente. Estávamos planejando um show especial de reunião de 40 anos, com todos os integrantes que eu pudesse entrar em contato em Los Angeles – então também tinha esse show planejado. A ideia seria fazer tipo um final divertido para esse documentário que estão produzindo. E tudo isso precisou ser cancelado, o que foi decepcionante. Mas de qualquer forma, tudo bem, todo mundo está bem de saúde. Nós podemos fazer isso quando todos… quer dizer, não sei sobre o show de 40 anos em Los Angeles, se ele ainda acontecerá. O documentário ainda está de pé, estão tentando finalizá-lo agora. Só não terão aquele final legal que tentei dar para eles, mas tudo bem, é o filme deles. Se eles não quiserem esperar, tudo bem (risos). Se quiserem terminar o filme e disponibilizá-lo para as pessoas, é uma decisão deles. Mas… é um pouco frustrante, mas não é o fim do mundo, nem de longe.
E você tem mantido contato com o seu irmão? Vocês moram perto um do outro?
Sim, nós vivemos a cerca de 5 minutos um do outro de carro.
Como você disse, o Redd Kross já tem uma história de cerca de 40 anos. Quando você e seu irmão começaram a banda, vocês eram muito novos, você tinha cerca de 12 anos de idade. Na época, vocês imaginavam que ficariam tocando juntos por tanto tempo?
Acho que nunca imaginei algo por tanto tempo assim (risos). Nunca pensei nisso realmente. Mas agora que estamos aqui, sou grato. E tenho orgulho de dizer que ainda posso fazer isso com o meu irmão.
E como você vê o legado da banda? Qual o significado dela na sua vida?
O significado na minha vida… Acho que é o momento em que posso meio que ser um “co-líder” em uma banda, tem muito a ver com a minha história. Então todas essas coisas tornam a banda especial, mas também adoro todas as outras coisas que faço. Realmente amo estar em bandas, independente de a banda ser a minha criação ou não. Há mais responsabilidade com o Redd Kross, então pode encher um pouco o saco às vezes (risos). É mais difícil de algumas maneiras, mas de algumas maneiras as recompensas emocionais podem ser maiores. O ponto principal, a grande diferença é que eu estou com o meu irmão, e essa é uma relação única. Quando éramos mais jovens, nós éramos tipo irmãos brigando, como todas as duplas/equipes famosas de irmãos. Nós éramos como uma versão punk ou indie do The Kinks. Todas as histórias são reais, nós entrávamos em brigas, às vezes no palco. Provavelmente era muito irritante fazer parte da nossa banda, porque eu e o Jeff discutíamos o tempo todo nos ensaios. Mas à medida que você fica mais velho e acontecem coisas diferentes na sua vida, como ter filhos ou uma outra carreira, então você coloca tudo em perspectiva. E coisas que pareciam realmente importantes quando você tinha 19 anos, não são mais importantes (risos). Elas não incomodam mais. E você pode até mesmo passar a apreciar ou amar alguém pelas suas peculiaridades, em vez de coisas que pareciam frustrantes quando você era jovem. Então é isso o que a banda realmente representa para mim: apenas muita gratidão. Porque é raro ter alguém na vida que pode completar suas frases – e você completar as frases dessa pessoa. E não de uma maneira irritante, mas de um modo muito reconfortante, especialmente quando você está em um ambiente criativo, em que você está sempre tentando ler a mente da outra pessoa, estar na mesma página. Há determinadas coisas com o seu irmão que são apenas dadas, você apenas entende.
Acha que o fato de você ter começado tão novo na música o ajudou a conhecer mais sobre a indústria e apreciar essas coisas à medida que envelheceu?
Claro. Eu era muito novo e meu irmão é quase quatro anos mais velho do que eu. E além de ser mais velho, o Jeff basicamente tem o gosto musical de alguém com 5 a 10 anos a mais do que ele – ou seja, entre uma e duas gerações a mais, em termos de rock. Então a minha experiência é que eu basicamente me identificava com pessoas com 15 anos a mais do que eu (risos). Por exemplo, tenho 53 anos atualmente, mas de muitas maneiras é mais como se tivesse 65 (risos). Acho que há prós e contras sobre isso. De algumas maneiras, é incrível que eu tenha crescido com discos como… me lembro de o Jeff trazer para casa o “Hunky Dory” (1971), do David Bowie, quando tinha provavelmente um ano do seu lançamento – e eu só tinha quatro anos de idade (risos). Ouvir “Life on Mars” e ser levado pela música para essa terra dos sonhos imaginária foi algo incrível. Tive um presente incrível, uma riqueza, que foi poder conhecer alguns dos momentos mais incríveis do rock enquanto eles aconteciam.
Mas acho que sempre há um ponto negativo. Talvez de algumas maneiras eu tenha experimentado muitas coisas muito cedo – tipo o segundo disco do New York Dolls, “Too Much Too Soon” (1974) – (risos). Aliás, esse foi outro disco que o Jeff levou para casa, quando tinha acabado de ser lançado e eu tinha apenas 6 ou 7 anos de idade. E “Chatterbox” (uma das músicas do disco do Dolls) fez parte da minha tanto quanto o que tocava na rádio na época – e que não era “Chatterbox” (risos).
Quando penso em ter tocado em espaços de shows punks quando tinha 12 anos de idade, isso é incrível, muito legal. Mas também tinha o lado negativo de estar em uma banda competitiva e ter outras bandas fazendo coisas péssimas, como roubar a sua música ou algo assim (risos). E sentir aquele cinismo também muito cedo. Passar por essas experiências com tão pouca idade pode ter cobrado algum tipo de preço. Mas nada muito grande, obviamente, eu ainda estou aqui. Não sei, acho que o que estou tentando dizer é que de algumas maneiras não tive uma criação muito normal (risos). Mas não no sentido dos meus pais, os meus pais eram pessoas comuns, trabalhadoras. Pais carinhosos e amáveis e sou muito grato a eles. Mas o meu grupo de pares, pessoas da minha idade, não me identificava muito bem com elas (risos). E talvez essa parte tenha sido mais instável, um pouco mais estranha. Mas tudo bem, estou aqui agora. Vivi para contar a história, e isso é incrível.
Percebi algo no Instagram outro dia, alguém postou uma linda foto do Raymond Pettibon de quando ele tinha uns 20 e poucos anos de idade. E ele está rodeado pelos seus desenhos, que estão espalhados ao lado dele. É apenas uma foto incrível e bonita, ele era muito bonito e um grande artista. E isso me lembrou de quando eu tinha 12 anos de idade e costumava ir à The Church (Nota: Antiga igreja em Hermosa Beach em que o Black Flag e outras bandas ensaiavam no início dos anos 1980). E o que pensei sobre essa época é que essas pessoas, esses pesos pesados, eram meio que intelectuais. E eu não era (risos). Não fui criado por intelectuais. Eu não entendia realmente sobre o que era a arte do Raymond na época, quando era jovem. Mas o que me lembro é que ele sempre foi muito legal comigo, nunca me tratou como uma criança idiota. E pensei em como isso era legal, de ele ser assim, de sempre ter sido muito respeitoso e sempre falar comigo como se eu fosse um par, um amigo, mesmo eu sendo apenas uma criança de 12 anos (risos). Isso é apenas algo muito único. Quer dizer, esse era um artista importante, que provavelmente vai ter um legado que vai viver por anos. E o fato de eu ter interagido com uma subcultura interessante quando era tão jovem é algo realmente único e sou grato por esse tipo de coisa.
Além da proximidade com o Black Flag, uma vez que vocês tocaram juntos diversas vezes e alguns integrantes fizeram parte das duas bandas, queria saber sobre a importância da cena punk de Los Angeles para vocês. Vocês eram próximos de alguma forma do pessoal do X, The Germs ou The Runaways? Vi alguns vídeos dos anos 1980 de vocês tocando com a Cherie Curie (The Runaways) e sei que também já tocaram com o Pat Smear (Germs, Nirvana, Foo Fighters). Existia uma relação próxima com algumas dessas bandas?
Bom, essa geração de músicos de Los Angeles eram como deuses para mim. Quando o Jeff tinha 13 anos de idade, com o seu gosto musical precoce, ele descobriu a cena punk de LA, por meio do DJ Rodney Bingenheimer. Quer dizer, antes ele descobriu o punk. O Jeff começou a trazer para casa os discos da Patti Smith, e isso aconteceu não muito depois de ele trazer os discos do New York Dolls. E então logo em seguida descobrimos os Ramones – e os Sex Pistols também, é claro. E pouco depois disso ficamos sabendo de um DJ de Los Angeles chamado Rodney Bingenheimer, que é bastante conhecido hoje em dia. E foi realmente incrível ficar sabendo que existia toda essa cena aqui no nosso quintal. Los Angeles é uma cidade muito espalhada e nós vivíamos no subúrbio, crescemos em uma cidade chamada Hawthorne, que fica perto do aeroporto. Então estávamos a cerca de 25 quilômetros de Hollywood e o sistema de ônibus não era muito bom na época – e não tinha realmente muitas maneiras de chegar à Hollywood. Então realmente parecia que era algo a 1 milhão de quilômetros de distância. Mas, de qualquer forma, o Rodney estava tocando todas as bandas de LA e foi assim que ficamos sabendo do X, Weirdos, Germs. E o Runaways tinha vindo antes dessas bandas, e nós conhecíamos a banda, foi uma inspiração para nós. Porque, apesar de sermos mais novos do que elas na época, elas eram adolescentes e faziam um som que era tão bom e tão pesado quanto o Kiss ou algo assim. E elas eram essas garotas incríveis e intimidadoras, elas eram meio como a irmã mais velha de um amigo de quem você tem medo. E elas usavam umas SGs, nos fazendo lembrar do Tony Iommi. E na contracapa do primeiro disco você tem as idades delas (risos). A Lita Ford tinha 17, a Joan Jett tinha 16 – e eu tinha uns 9 e o Jeff tinha 13. E foi algo realmente incrível. Com as Runaways e os Ramones foi a primeira vez em que nós meio que pensamos “Uau, talvez a gente também possa fazer isso”.
E então quando ficamos sabendo da cena punk de LA, nós convencemos nossos pais a nos levarem ao Whisky a Go Go. E o Whisky ainda era um pouco como era nos anos 1960, isso foi no final dos anos 1970, em 1978. Nesta época, uma banda fazia dois shows na mesma noite, um mais cedo (“early show”) e outro mais tarde (“late show”). E o Whisky era um lugar sem limite mínimo de idade para entrar, por isso conseguimos convencer os nossos pais a nos levarem até lá para assistirmos ao show mais cedo. Eles eram tão legais e nos apoiavam tanto que ficavam esperando sentados no carro, no estacionamento do posto de gasolina do outro lado da rua, enquanto nós assistíamos a esse show mais cedo (risos).
Isso é incrível (risos)!
Eu sei (risos)! É incrível que eles faziam isso! E é claro que toda vez eu e o Jeff tentávamos ir mais longe ainda, implorando para eles “Por favor, nos deixem ficar para o show mais tarde” (risos). E eles falavam “Sem chance! Já são 22h30, entrem no carro que nós já estamos saindo!” (risos). Mas a primeira vez que fizemos isso foi quando assistimos aos Avengers, de San Francisco, no Whisky, em 1978 – e o X abriu o show. Essa foi a primeira vez ouvimos falar no X e ficamos sabendo que eles tinham um single lançado por uma gravadora local chamada Dangerhouse. De qualquer forma, esse foi o início de tudo. Nós conhecemos também punks locais, que eram meio que estudantes de arte que tinham vindo da cena do glitter rock. Eles eram mais velhos do que a gente e achavam que era demais que esses garotos do subúrbio tinham convencido seus pais a levarem eles para o Whisky – isso com as poucas pessoas que conhecemos. Porque nós ficamos intimidados, estávamos receosos que fossem nos segurar e cortar nosso cabelo, porque nós ainda tínhamos o cabelo meio comprido. Achávamos que eles iam reconhecer que nós não éramos punks verdadeiros, que éramos posers, hippies ou algo assim. Mas não foi nada desse tipo. De qualquer forma, pouco tempo depois pegamos guitarras e começamos a escrever músicas, descobrimos que podíamos compor as nossas próprias músicas e tudo mais. Isso tudo aconteceu entre 1978 e 1979. O ano passado, 2020, marcou os 40 anos do lançamento do nosso primeiro EP, mas já éramos uma banda ao vivo um ano antes disso. Então realmente começamos a tocar bastante em 1979.
Como você já disse, você tem tocado com o Melvins há algum tempo e o Dale Crover já tocou com o Redd Kross. Por isso, queria saber como isso aconteceu. Vocês já se conheciam desde os anos 1980 quando eles eram uma banda de Seattle? Ou passaram a se falar quando eles foram para a Califórnia?
Bom, eles mudaram para Los Angeles há bastante tempo. O Buzz (Osborne, guitarrista/vocalista do Melvins) está aqui em LA desde 1993. Nós tínhamos um amigo em comum, um cara chamado Bill Bartell, que já faleceu. Ele usava o codinome Pat Fear nas suas bandas, que não deve ser confundido com o Pat Smear. E a sua banda era chamada White Flag, que não deve ser confundida com o Black Flag. O Bill era realmente um personagem. Ele também é conhecido por ter apresentado o Kurt Cobain à banda brasileira chamada Os Mutantes. Na verdade, há um vídeo ótimo do Kurt falando sobre o Bill quando ele estava no Brasil. Porque acho que o Kurt estava falando sobre Os Mutantes na primeira vez em que foi ao Brasil e então perguntam sobre como ele conhecia a banda (nota: Essa fala aconteceu em uma entrevista de Kurt para a MTV Brasil em 1993, quando o Nirvana veio ao país para tocar no Hollywood Rock). E aí o Kurt fala “Ah, foi o meu amigo Bill Bartell, ele tem um bigode e é amigo dos caras do Redd Kross” (risos). E todas essas coisas são verdadeiras. E o Bill era realmente um cara estranho, ele tinha um bigode, ele era obcecado com policiais. Ele era obcecado com coisas como Os Mutantes e o Village People, ao mesmo tempo. E ele criou uma banda que era uma paródia do Black Flag, que se chamava White Flag. Ele também fez parte de uma banda que eu tive com o Pat Smear depois, chamada Tater Totz, que nunca teria existido sem o Bill. Mas, de qualquer maneira, o Bill era amigo dos caras do Nirvana e depois também ficou amigo do pessoal do Melvins. Me lembro que o Melvins veio no início dos anos 1990, lembro que eles fizeram uma jam com a Yoko Ono no Roxy uma noite, quando ela estava em turnê com o seu filho, o Sean Lennon, em uma banda chamada IMA. E foi realmente demais, soava como a Plastic Ono Band. E acho que eles (Buzz e Dale) tocaram “Don´t Worry Kyoko” com ela, não me lembro direito qual música foi. E acho que essa foi a primeira vez que os conheci.
E então sei lá, nos tornamos amigos, mas não mantive contato próximo com eles. Mas então avançamos para 2014: o OFF! ia sair em turnê e o nosso baterista, Mario Rubalcaba (Earthless), não iria poder fazer esses shows porque já tinha compromissos com as suas outras bandas. Então o Dale estava livre e se ofereceu para cobrir o Mario. Foi uma turnê de cerca de três semanas e isso colocou eu e o Dale em contato de novo. E eles (Melvins) estavam procurando por um baixista de novo – eles já tiveram muitos (risos) – e uma coisa levou à outra e agora já faz cinco anos e tem sido muito divertido. E o Dale também começou a tocar com o Redd Kross, o que também tem sido muito divertido.
Melvins com Steven McDonald
Aliás, você falou de Os Mutantes há pouco. Li uma entrevista sua de 1994 para um jornal brasileiro, quando o Redd Kross estava prestes a fazer uma turnê com os Ramones e o Stone Temple Pilots no país que acabou cancelada (nota: Apenas os Ramones se apresentaram no país), e você falou que curtia muito a banda (Mutantes). Além disso, você gravou um cover de “Bat Macumba” em um projeto com o seu irmão, chamado Tator Totz, que mencionou agora pouco. Por isso, queria saber quando você conheceu a banda pela primeira vez e também, por saber que você é um grande fã dos Beatles, se chegou a fazer alguma relação dos Mutantes com os Beatles, porque já vi muita gente falar isso.
(Quando os conheci) Não sabia nada sobre música brasileira, não sabia sobre a Tropicália. Não sabia sobre a incrível história de música psicodélica e única feita por aí, sobre a riqueza da música brasileira nos anos 1960 e 1970. Então na época foi realmente uma surpresa. E, mais uma vez, entra em cena o meu amigo Bill Bartell, o mesmo mencionado pelo Kurt Cobain. A irmã mais velha dele (do Bill) era uma estudante de intercâmbio, em que você vai viver com uma família em algum lugar, e talvez o filho dessa família pode ir morar com a sua família – durante o último ano do ensino médio ou talvez no primeiro ano da faculdade. E a irmã dele foi para o Brasil nos anos 1960 fazer isso. Quando ela voltou para casa, trouxe algumas coisas do Brasil para o seu irmão mais novo, incluindo o primeiro disco dos Mutantes (risos). Então o Bill cresceu com esse disco ao lado dos Beatles, então ele escutava o “Magical Mistery Tour” (1967) e o primeiro disco dos Mutantes. Ele não sabia a diferença, ele tinha 9 anos ou algo assim. Ele apenas presumia que todo mundo conhecia e escutava esses discos, já que cresceu com eles. Talvez ela (irmã do Bill) tenha voltado para os EUA com os dois primeiros discos dos Mutantes, não sei. Então ele nos apresentou esses discos no final dos 1980, e nós não sabíamos nada sobre essa cena. Isso foi muito antes da Internet, era muito difícil saber muita coisa sobre eles, como se esses eles ainda estavam tocando, o que eles fizeram depois dos Mutantes.
Mas o Bill era muito persistente. Ele conseguiu conhecê-los e entrou em contato com o Arnaldo (Baptista). Quando eles começaram a fazer shows pelo mundo, nos anos 1990, Bill teve um papel importante em ajudá-los a fazer isso (nota: Na verdade, a banda retomou os shows em 2006, não nos anos 1990). E quando o Bill faleceu, acho que há cerca de cinco anos (Nota: O músico morreu em 2013), teve um grande show memorial para ele em Los Angeles em que eu e o Jeff pudemos tocar com o Arnaldo, nós tocamos “Bat Macumba” em uma homenagem carinhosa ao Bill (Nota: Na verdade, o Redd Kross se apresentou com Sergio Dias neste show). Foi incrível e muito divertido.
Nós fizemos um cover dessa música (“Bat Macumba”) no primeiro disco do Tater Totz, mas acho que ele (Bill) colocou a música original na versão em CD do disco como uma faixa bônus escondida, achando que nunca os conheceríamos ou saberíamos mais sobre eles (risos). Ele era apenas realmente obcecado por eles (Os Mutantes). Ele apenas queria fazer as pessoas gostarem do som dos Mutantes. Ele fez o mesmo com aquela banda japonesa de rock formada só por mulheres chamada Shonen Knife. Muito do fato de as pessoas terem podido conhecer o Shonen Knife tem a ver com a obsessão do Bill. O Bill era apenas esse tipo de pessoa que tinha muita energia e ele não… Talvez hoje em dia ele fosse diagnosticado com algum grau de autismo, ele não tinha muito traquejo social. Se as pessoas ficavam irritadas com ele, a maioria das pessoas se afastaria, mas o Bill não tinha esse tipo de senso. Então ele era implacável, o que em alguns momentos poderia ser algo como “Ah, meu deus, o Bill está me deixando louco”. Mas, ao mesmo tempo, ele fazia essas coisas acontecerem, ele fazia acontecer. Quando menos esperava, você estava em um disco com a Cherie Curie (The Runaways) tocando “Instant Karma” (risos). Ou o Jimmy McNichol, ídolo adolescente dos anos 1970, está tocando “Don´t Worry Kyoko” ao vivo com você em um show no Beatlefest, desanimando todo o público do festival (risos). Isso foi insano. Mas enfim, todo o crédito vai para o Bill.
E eu amava esses discos (dos Mutantes), achava que eles me lembravam os Beatles. E outra coisa que realmente ouvi neles foi The Mamas and the Papas, que foi uma grande influência para mim e para o Jeff no início dos anos 1980, quando começamos a descobrir músicas de Los Angeles dos anos 1960. E sei que eles (Mamas and the Papas) também foram uma grande influência para Os Mutantes, eles fizeram um cover deles, não me lembro o nome da música (Nota: Nesse momento, Steven começa a cantarolar a melodia da música “Once Was a Time I Thought”, que foi gravada como “Tempo no Tempo” pela banda brasileira em seu primeiro disco). Mas é apenas incrível descobrir algo completamente… eles pareciam muito exóticos para nós, sabe? Muito legal.
Sergio Dias com o Redd Kross ao vivo em 2013
Como mencionei na última pergunta, o Redd Kross estava programado para fazer uma turnê no Brasil em 1994 com os Ramones e o Stone Temple Pilots, e apenas os Ramones acabaram tocando por aqui. Por isso, queria saber se vocês chegaram a ser convidados depois disso para voltar ao Brasil?
Não, foi muito triste (o cancelamento). E os Ramones acabaram fazendo essa turnê? Porque lembro que eles cancelaram na época, então devem ter remarcado depois.
Sim, os Ramones acabaram vindo duas vezes naquele ano –fizeram também uma tour com o Sepultura por aqui meses depois desses shows.
Ah sim, porque me lembro que ia ser algo insano, eu estava muito animado. Era como uma fantasia. E nós estávamos fazendo entrevistas e tudo mais (risos). Mas acabamos não tendo a chance de ir depois, não surgiu outra oportunidade. E então em 1998 a banda meio que parou de tocar, entramos em um hiato por quase 10 anos. Era por isso que estava esperando que em 2020 nós pudéssemos ir para os mais diferentes lugares, tipo onde as pessoas tivessem interesse. Se o Japão tivesse interesse, nós iríamos tentar ir para lá – a mesma coisa com o Brasil. Eu sei que a “Jimmy’s Fantasy” (Nota: Música de abertura de “Phaseshifter, de 1993, provavelmente o disco mais conhecido do Redd Kross) foi tocada na TV aí por umas duas semanas ou algo assim (Nota: Provavelmente aqui Steven se refere ao clipe de “Jimmy’s Fantasy”, estrelado pelo ator Jason Lee, e à MTV Brasil). O que acho que deve ter levado a essa possível turnê com os Ramones, mas então tudo isso acabou caindo. Mas acho que por alguns minutos parecia que iríamos ter um grande empurrão no Brasil.
Falando em Ramones, o Tommy Ramone produziu um dos discos mais legais do Redd Kross, o “Neurotica” (1987). Como foi trabalhar com ele? E vocês já tinham encontrado com ele antes de trabalharem juntos?
Não, não o conhecíamos. Mas ele tinha feito um disco dos The Replacements naquela época e essa foi a primeira vez que tivemos um pouco mais de orçamento. Nos disseram que precisávamos encontrar um produtor e é claro que ficamos horrorizados com a ideia de deixar alguém entrar em nosso santuário criativo, nosso pequeno mundo particular. Mas quando soubemos sobre a possibilidade de ele poder ser essa pessoa, alguém que ajudou a criar o Ramones, então ficamos muito abertos a isso. Foi algo excitante, uma honra e ele foi um cara muito gentil. Foi principalmente… hmm, como foi? Nós provavelmente fizemos um monte de perguntas. Também foi a primeira vez em que vi uma pessoa mais velha, talvez 10, 15 anos mais velha, ficar totalmente confusa e perplexa com a obsessão de uma pessoa mais jovem por uma coisa que ele achava que não era importante (risos). Ou talvez algo que ele achava que já era passado, que já tinha ficado para trás. Desde então, fiquei do outro lado disso em alguns momentos e foi interessante. Não sei, me lembro de perguntar para ele sobre um show dos Rolling Stones… Nós costumávamos assistir muitos vídeos raros e obscuros dos Stones que encontrávamos em VHS na época. Nós tínhamos um bootleg do show deles no Hyde Park e no meio desse show a câmera foca em um jovem hippie dançando de maneira selvagem e o cara é idêntico a um Joey Ramone de 16 anos de idade. E nós sempre ficávamos “Uau, isso foi em 1969. Será que é possível que o Joey tenha guardado dinheiro para ir assistir a um show gratuito dos Stones em Londres?” (risos). Não acho que o Tommy negou, mas ele também não confirmou, acho que ele disse algo como “Isso seria possível, ele era obcecado por bandas britânicas. Consigo ver ele tentando dar um jeito de ir até lá”. Mas acho que outras pessoas já levantaram esse tópico, porque agora é possível encontrar isso na Internet, outras pessoas se fizeram a mesma pergunta. E acho que não era o Joey, mas nós pudemos perguntar ao próprio Tommy Ramone sobre isso (risos).
Joey Ramone no show dos Stones?
Aliás, você acabou finalmente vindo ao Brasil – e América do Sul – cerca de 20 anos depois dessa tour que poderia ter rolado com os Ramones, quando veio para cá com o OFF em 2013. Como foi essa sua primeira visita ao Brasil e à América do Sul? Houve alguma coisa específica que chamou sua atenção?
Hmm, estou pensando. Foi realmente incrível, foi incrível apenas poder estar aí. No Brasil, foram muitas… como se chama… caipirinha? Estou falando certo (risos)?
Sim, é isso mesmo (risos). E você gostou?
Sim, provavelmente mais do que devia (risos). Mas é, foi excitante, poder dar uma volta pelas ruas do Rio de Janeiro depois do show, apenas nos sentindo muito vivos com as pessoas, com músicos tocando nas ruas, foi legal. Adoraria poder voltar em algum momento. Mas é, isso já foi há algum tempo. Nós também tocamos em Santiago do Chile e fizemos alguns shows na Argentina. Pareceu bem interessante, as cidades eram mais europeias do que eu esperava.
Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Hmm, três discos. Ok, deixa eu tentar colocá-los em ordem. Bom, um disco que mudou a minha vida implica que tenha sido antes de alguma forma, porque não houve nenhum momento na minha vida em que eu não tivesse a música comigo. Então eu quase diria “os discos que consolidaram, que garantiram que eu continuasse em um caminho”.
Então eu diria o “White Album” (1968), dos Beatles. Lembro que esse foi o primeiro que eu e o Jeff compramos juntos, com o nosso próprio dinheiro. Nós fomos… na época, você podia retornar garrafas de Coca-Cola por 5 centavos cada na sua loja de bebidas local – e nós tínhamos muitas garrafas e conseguimos comprar o “White Album” assim. Eu tinha 5 anos na época. E esse continua sendo um disco muito importante na minha vida até hoje.
E também diria… hmmm… talvez um disco dos Ramones, o “Rocket to Russia” (1977). Essa foi a primeira vez em que percebemos que nós também podíamos tocar. Foi um momento importante, do tipo “Ah, você não precisa ser um mago para fazer isso (risos)”.
E então o meu primeiro show de rock foi o Kiss, na turnê do “Alive” (1975), e foi algo que mexeu muito comigo! Eu diria que esse foi o momento em que percebi que queria ser um músico pelo resto da minha vida (risos). Às vezes me cobro sobre como estou tocando. Quando estou gravando, por exemplo, ou por de não conseguir tocar como o James Jamerson, como gostaria, o tempo todo. Ou soar como um músico contratado muito bom o tempo todo. Mas eu sei que posso subir no palco e fazer algo que é bastante único. E penso que isso é um resultado direto de ter visto o Kiss ao vivo quando tinha 8 anos de idade. Então teria de dizer que o “Alive”, do Kiss, realmente mudou a minha vida.
Talvez a música mais Beatles do Redd Kross, o clipe também tem muitas referências
E o Gene era a sua maior influência quando começou a tocar baixo?
Hmm, quando comecei a tocar já tinha outras influências, como o Dee Dee Ramone e a Jackie Fox também. Mas o Gene definitivamente, acho que ele ainda aparece nas partes que componho, aquela puxada na corda pelo braço, “Baummmmmmm”, sabe? A parte inicial de “Deuce”, que abre o “Alive” (Nota: Neste momento Steven começa a cantarolar os riffs de guitarra e linhas de baixo da música). Isso é um clássico do Gene e acho que definitivamente algo que deixou sua marca em mim. Então é, acho que essas coisas me mudaram. Ou elas me mudaram ou garantiram que eu continuasse neste caminho. E também teria mais duas menções notáveis aqui. Os dois primeiros discos que eu escolhi. Minha mãe me levou à loja de discos quando eu tinha cinco anos de idade e disse “Escolha o que você quiser”. E eu escolhi o “Get Yer Ya Ya’s Out!” (1970), dos Rolling Stones, e o “Killer”, do Alice Cooper. E são dois discos que ainda amo até hoje, e sempre gosto de me gabar disso (risos). Acho que o “Killer” (1971), do Alice Cooper, era provavelmente um lançamento na época, provavelmente em 1972. Então essas são duas menções honrosas, mas diria que os outros três discos, “White Album”, “Rocket to Russia”e “Alive”, têm muito a ver com onde eu estou hoje enquanto músico.
O Alice Cooper, aliás, foi o primeiro grande show de rock internacional no Brasil. Ele veio em 1974, no meio da ditadura, e foi um show gigante e histórico. Se não me engano, foram as últimas apresentações com a formação clássica da banda, não?
Sim! Tenho escutado muitos audiobooks durante a pandemia, e um dos que acabei de ouvir foi a biografia do Denis Dunaway. Não me lembro exatamente do título, mas é um bom livro. Adoro o jeito do Denis tocar baixo. Mas sim, acho que esses foram provavelmente os únicos shows que eles fizeram para promover o “Muscle of Love” (1973), mas eles ainda estavam meio que fazendo a Billion Dollar Babies Tour. Adoro essa banda original, eles são os melhores. Também gosto muito dos dois primeiros discos, mas a sequência que eles tiveram com Bob Ezrin, com “Love it to Death” (1971) e “Billion Dollar Babies” (1973) – eles são inegavelmente ótimos discos. Eles tinham arranjos muitos bons, músicas ótimas e performances incríveis.
Essas são as duas últimas perguntas. A música sempre foi algo presente na sua vida, certo? Seus pais levavam você e seu irmão para shows e para lojas de discos, você tocando com o seu irmão e hoje em dia com a sua esposa, que também é música. Pensa que isso tornou ou contribuiu para que sua abordagem fosse mais natural talvez quando você e seu irmão decidiram começar a tocar e a fazer música?
Hmm, sim. Quer dizer, a música nunca foi algo que foi empurrado para nós. E nunca fomos forçados a fazer aulas ou qualquer coisa do tipo – hoje em dia, eu meio que gostaria de ter feito (risos). Mas sempre foi algo bem… nós apenas meio que sempre encontramos coisas por conta própria. Eu diria que a maior influência foram nossos tios e tias quando éramos muito pequenos. O meu pai era o mais velho de um total de sete ou oito irmãos. Então o irmão mais novo dele tinha 20 anos a menos do que ele. E em 1966 os irmãos dele tinham 16 ou 17 anos de idade e uma delas levou o Jeff para ver um show dos Beatles em San Diego quando ele (Jeff) tinha 2 anos (risos) – ela era uma fã obcecada dos Beatles. E o meu tio mais novo curtia Cat Stevens e coisas assim. Me lembro que ele tinha o “Ziggy Stardust” (1972), do Bowie, em fita 8-Track e nós pegamos emprestado em 1972 e nunca mais devolvemos (risos). E isso mudou tudo, foi um outro disco que mudou tudo. Mas o ponto é que nós meio que encontramos as coisas por conta própria, nós nunca fomos necessariamente encorajados, mas éramos apoiados. Nossos pais tinham o pensamento avançado o bastante, eram progressistas o bastante para ver que provavelmente era melhor nos apoiar sobre o que nos deixava animados. E sou muito agradecido por isso. Mas nunca houve realmente… nunca recebemos nenhum direcionamento ou conselhos sobre como fazer isso. Foi algo mais auto liderado e autodidata. Por isso, neste sentido sempre foi algo bastante autêntico e natural. Nunca tivemos muitas regras nas nossas cabeças sobre o que podíamos ou não fazer. O Jeff também é casado com uma musicista, a Charlotte Caffey, do The Go-Go’s. Penso que sempre fez sentido ter como parceiro alguém que entende o processo criativo, alguém que eu admiro e respeito, sempre foi uma atração natural para mim.
Essa é a última. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Hmm, eu imagino que…Já fiz muitas coisas diferentes, toquei em várias bandas, pude lançar alguns discos legais e tudo mais. Mas acho que poder fazer o Redd Kross neste estágio da minha vida é algo significativo. E não precisa ser a única coisa que eu faço ou algo assim. Mas ainda poder tocar com o meu irmão em algo que comecei aos 11 anos de idade…E ter 53 anos e ainda poder tão ainda poder fazer isso é algo de que tenho orgulho. E, mais do que isso, é um equilíbrio com uma quantidade igual de gratidão.
Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!
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